29 DE JUNHO DE 2019
ARTIGO
NOSSO TESOURO
O maior tesouro não é uma mina de ouro nem uma montanha de dólares. O maior tesouro é a vida e aquilo que nos faz viver – a água. No processo da Criação, só houve vida na Terra após surgir a água. Antes, era o caos. Hoje, sem água nada existe.
A área junto ao Delta do Jacuí esconde no subsolo nosso maior tesouro. Ali se concentram gigantescas reservas subterrâneas do aquífero quaternário. "O equivalente a mais de metade do Lago Guaíba lá está", calcula o geólogo Rualdo Menegat, professor de Geociências da UFRGS e autoridade reconhecida mundialmente.
Tudo isto será afetado e pode desaparecer se a chamada "Mina Guaíba" (junto ao Jacuí, a 10 quilômetros em linha reta de Porto Alegre) extrair carvão a céu aberto, em profundas crateras ao longo de 4,5 mil hectares da zona, desviando até dois arroios, como pretende. Roubarão nosso tesouro? As futuras gerações não terão socorro enquanto a insânia continuar a poluir os afluentes do Guaíba e nosso lago virar lixeira líquida.
Essa "imensa caixa d´água de reserva" (como o geólogo Menegat chama nosso tesouro) hoje é o suporte da segunda maior produção de arroz orgânico do país. O agro será substituído pela pretendida mina. Em vez de arroz e hortaliças ecológicas, teremos carvão, principal responsável (com o desmatamento) pelo aquecimento global que ameaça matar o planeta.
Estaremos na contramão das advertências da ciência, atirando no lixo os alertas do papa Francisco, da ONU e das reuniões dos governantes mundiais.
Assisti na noite de quinta-feira a audiência pública coordenada pela Fepam, na vizinha Eldorado, em que a mineradora Copelmi expôs os planos da extração de carvão junto ao Jacuí e, durante nove horas, ouviu muitas discordâncias (e alguns aplausos) de mais de mil moradores da região, geólogos e outros especialistas.
A atual mina de Butiá foi apresentada como modelo de prática correta, tal qual "garota-propaganda" da extração a céu aberto. Perguntei, então, se o terreno da pretendida nova mina (em que brota água límpida cavando-se apenas 50 centímetros) era igual ao da "mina modelo".
- O terreno é diferente geologicamente - respondeu o diretor da empresa.
Um morador da região, o médico Paulo Wageck, calculou o número de explosões em 30 anos de vida útil da mina e revelou algo literalmente tonitruante: "Será o equivalente a 1.600 bombas atômicas de Hiroshima".
Pensando em Brumadinho, pergunto: se nem uma mina de ouro é nosso maior tesouro, o que será uma mina de carvão?
Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES
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