26 DE JUNHO DE 2019
DAVID COIMBRA
A notícia mais importante do dia
Abriu uma loja de discos aqui perto, bem no centrinho, na Harvard Street. É uma notícia alvissareira, muito mais importante do que qualquer outra a respeito desses Bolsonaros ou Lulas ou Trumps. Porque é uma loja de discos NOVA, entendeu? Vende só discos, CDs, livros sobre música e aparelhos de som antigos. Há raridades. Vi um três-em-um de 1969 pelo qual eles estão pedindo US$ 500. Achei caro. Comprei uma biografia do Bob Dylan. Queria dar de presente para o Peninha, mas é claro que ele já tem. Então, dei para o Jim, o meu vizinho que consegue ser mais fã do Dylan do que o Peninha.
Sei bem que o disco se tornou objeto cult. Sei bem que sebos e feirinhas vendem discos em todo o Ocidente. Mas, repito, essa é uma loja NOVA, instalada em um ponto nobre da cidade. Para você ter uma ideia do que representa: na mesma quadra, há uma casa de chá japonesa. Sabe qual é o aluguel que eles pagam? US$ 55 mil por mês. Ou: R$ 220 mil! Claro que a lojinha é bem menor, mas ali o aluguel não sai por menos de US$ 12 mil. E eles sobrevivem vendendo discos, produto que deveria interessar apenas a colecionadores e nostálgicos.
Eu mesmo sou um nostálgico do disco. Lembro-me do primeiro que tive, uma coletânea chamada Dynamite, lançada em 1974. Minha faixa preferida era Stuck in the Middle with You, de uma banda escocesa, Stealers Wheel. Eu ouvia essa música e ouvia e ouvia, mas ela nunca tocava no rádio. Eis que, nos anos 1990, fui assistir a Cães de Aluguel, do Tarantino, e a cena mais forte do filme é embalada por este som. É terrível: o bandido captura um policial e o amarra a uma cadeira. Em seguida, bota para rodar Stuck in the Middle with You, abre uma navalha e começa a dançar. Ele dança, rodopia e dá uma navalhada no rosto do policial. E dança e rodopia e dá outra navalhada. E assim vai, até desfigurá-lo. A violência da cena causa náuseas, mas, ao mesmo tempo, fiquei encantado porque Tarantino recuperava aquela música do fim da minha infância.
Quando fui morar sozinho, antes de comprar geladeira, antes de comprar fogão, antes de comprar até mesa, comprei um toca-discos. O prazer que sentia indo a uma loja de discos era o que sinto ainda hoje ao entrar em uma livraria. Ficava ali, manuseando os álbuns e comentando com o atendente o que surgira de bom nas últimas semanas. Numa dessas, precisamente em 1986, aconteceu o seguinte: eu morava em Criciúma e ia sempre a uma loja de discos do centro. O dono da loja me conhecia e me fazia indicações. Um dia, cheguei lá e ele veio em minha direção com um disco na mão:
- Tu tens que levar isso! Tens que ouvir isso!
Era True Stories, do Talking Heads, um dos discos que mais ouvi na vida, todas as faixas compostas pelo meu xará David Byrne e todas ótimas.
Mas um dia chegou a internet e o disco acabou e, com ele, acabaram as lojas de discos. Agora, as pessoas baixam músicas na solidão de suas casas, direto para a impessoalidade de seus celulares. E eu, ultrapassado, alquebrado, me via caminhando para a decrepitude, porque sentia falta de algo já extinto, como uma loja de discos. "Que fazer?", suspirava, conformado, "o que passou não volta mais?".
Pois voltou. Hoje mesmo, lojas de discos devem estar pipocando pelas cidades americanas e, em breve, pipocarão pelas brasileiras também. Ou seja: as coisas boas podem voltar. Quem sabe aquele bom humor característico do brasileiro de um passado nem tão distante surja novamente, de algum lugar. Então, os brasileiros vão rir das contingências da vida, fazendo tudo ficar mais alegre, mais leve, tornando os dias, mesmo os mais duros dos dias, mais fáceis de se viver.
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