segunda-feira, 5 de novembro de 2018


05 DE NOVEMBRO DE 2018
CAPA

Fronteira do afeto


AOS OLHOS DE ERNESTO, novo filme da cineasta Ana Luiza Azevedo, ilumina conflito entre pai e filho com cenários no Brasil e no Uruguai

Em uma sala apertada, à meia-luz e enfumaçada, o encontro entre dois homens descortina uma série de conflitos sem que muitas palavras sejam ditas. Um é grisalho e com forte sotaque castelhano, o outro, bastante parecido com este fisicamente, mas com os fios de cabelos mais escuros, fala com português bem brasileiro. É o conflito entre o novo e o velho, o estrangeiro e o local, o passado e o presente com perspectivas distintas diante do futuro. São pai e filho frente a frente.

Instalado nas dependências do campus da PUCRS em Viamão, região metropolitana da Capital, o set de filmagem de Aos Olhos de Ernesto, novo longa-metragem dirigido pela porto-alegrense Ana Luiza Azevedo, torna quase palpável esses sentimentos transmitidos pelos personagens de Jorge Bolani, ator uruguaio que ficou conhecido por seu papel em Whisky (2004), intérprete do Ernesto do título, e Julio Andrade que faz o papel de seu filho brasileiro - (leia mais sobre o ator gaúcho na página 5). Zero Hora acompanhou em outubro uma diária das filmagens da produção, assinada pela Casa de Cinema de Porto Alegre.

Aos Olhos de Ernesto tem como protagonista um fotógrafo uruguaio que fugiu de seu país por conta da ditadura militar e vive há três décadas em Porto Alegre. Na cidade, Ernesto se casou, teve filhos e ficou viúvo. Agora, aos 80 anos, começa a perder a visão, momento em que a narrativa tem início. Há apenas duas cenas de encontro entre pai e filho, ambas "lindamente densas", como descreve Ana Luiza. A diretora destaca ainda a terceira protagonista da trama, evidente quando Bolani e Andrade contracenam, a língua:

- O portunhol é a língua oficial do filme. Temos essa proximidade com Uruguai e Argentina aqui no Rio Grande do Sul, e essa mistura está muito presente. Uma vez estrangeiro, sempre estrangeiro, e o Bolani nos ajudou muito na hora de destacar essas diferenças. Além de usar a língua quase como uma cultura que precisa ser cultivada, o Ernesto tem essa relação difícil, dura, masculina, com o filho, de querer dizer "eu te amo" e não conseguir. Eles fizeram lindamente.

A diretora também adotou o portunhol no set para se comunicar com os atores brasileiros e estrangeiros - o elenco conta ainda com o argentino Jorge D?Elia e a uruguaia Gloria Demassi.

FOCO NO QUE RESTA QUANDO TUDO AO REDOR DESMORONA

Inspirado em uma história ouvida por Ana Luiza, sobre um fotógrafo que começou a perder a visão, o roteiro escrito por ela e Jorge Furtado, com colaboração de Vicente Moreno e Miguel da Costa Franco, fala sobre o que resta quando tudo em volta desmorona:

-É um personagem que sofre um impacto emocional muito forte, mas é muito resistente - conta Bolani, que já havia trabalhado com cineastas brasileiros na série O Hipnotizador, da HBO. - O filho quer levá-lo para São Paulo, mas ele prefere levar sua própria vida adiante, apesar de ser difícil. A bem da verdade, é uma história muito intimista sobre o passar do tempo, o desgaste físico e tudo que tem a ver com os sentimentos.

Finalizadas as filmagens em Porto Alegre, a equipe rodou na semana passada mais uma diária em Montevidéu. Cenas na capital uruguaia devem servir para incrementar ainda mais o pano de fundo da história do fotógrafo cego: a cultura castelhana que tanto gaúchos quanto argentinos e uruguaios compartilham, seja nos sons, nos sabores, no clima, nas paisagens e na língua:

- Quando o filme for passar no resto do Brasil, vamos ter que colocar legendas - explica Ana Luiza.

Aos Olhos de Ernesto ainda não tem data de lançamento no circuito comercial.

GUSTAVO FOSTER

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