quinta-feira, 2 de novembro de 2017



02 DE NOVEMBRO DE 2017

DIÁRIOS DO MUNDO

O ESTUPRO É UMA ESTRATÉGIA DE GUERRA

Ao fugirem de guerras em seus países de origem, refugiados acabam carregando consigo outra chaga: traumas provocados pela violência seja sexual ou de gênero. Em entrevista à coluna, o israelense Yiftach Millo (foto), que trabalha na ONG Hias, de Washington, comenta o drama de quem foge de uma situação de violência e acaba encontrando outra no país de destino. Ele participou na sexta-feira passada do 3º Seminário sobre Violência Sexual Baseada em Gênero na Mobilidade Humana, do Programa Brasileiro de Reassentamento Solidário da ASAV, em parceria com a Agência da ONU para Refugiados, no Campus Unisinos Porto Alegre.

Qual a diferença em relação ao tipo de violação de direitos humanos para homens e crianças e refugiados LGBTI?

No leste do Congo, há sistemática de estupro de homens. É uma estratégia de guerra. Todos os refugiados LGBTI que entrevistei passaram por violência sexual. Eles chegam de países onde as relações homossexuais são criminalizadas e atravessam a fronteira para países de asilo, onde também são criminalizadas. Estão muito vulneráveis à violência da polícia, de outras pessoas da comunidade: violência sexual, física e psicológica. Os refugiados LGBTI têm medo de outros refugiados porque não querem que seus familiares saibam que são LGBTI. A situação é mais delicada. Ficam dois, três anos em isolamento total. Às vezes, têm de sobreviver engajando-se na prostituição. O perigo é maior.

Por que não há uma política para refugiados no Brasil?

O Brasil tem uma política muito liberal no acolhimento legal, vistos humanitários para refugiados da Síria, também para africanos. O problema é que, quando entram, falta estrutura do Estado para apoiar refugiados a se instalarem e a se integrarem na sociedade. É sempre a Igreja Católica e ONGs que apoiam os refugiados. Não há nenhuma estrutura ou política clara, específica para os refugiados. Isso pode criar uma situação de negligência. Alguns podem entrar em uma situação de perigo.

No passado, Porto Alegre recebeu refugiados afegãos, mas a maioria foi embora por falta de oportunidades. Como é a adaptação em outros países?

É um desafio global. mas acho que há serviços básicos que o Estado tem de oferecer, como ensinar a língua portuguesa. Sem isso, é difícil achar trabalho. Também poderia haver treinamento básico sobre a cultura brasileira, como abrir negócios e informação sobre o sistema de saúde. Eu falava com uma família que, desde que chegou ao Brasil, todos os integrantes aumentaram muito de peso, porque, no Congo, não têm essa comida rica em açúcar, gordura. As crianças com 17, 18 anos, já têm problemas cardíacos.

O senhor é israelense, não posso deixar de perguntar sobre os refugiados palestinos.

Essa é a primeira razão pela qual Israel tem uma política muito extrema com relação a refugiados. O governo tem medo de que, se aceitam refugiados de outros países, também os palestinos podem atravessar e pedir asilo. Israel teria de aceitá-los. A gente fala de milhões de refugiados de origem palestina que estão pelo mundo - no Líbano, na Jordânia, na Síria. Os que vivem na Jordânia e têm cidadania jordaniana podem ficar lá, e eles já têm uma nova nacionalidade. Nessas negociações, acho que Israel está de acordo de que alguns refugiados poderão regressar, mas a maioria não. Talvez Israel tenha de pagar indenizações. Pode ser uma solução. Agora, 5 milhões de palestinos regressarem para Israel, não vai acontecer.

O mundo não está demorando demais para responder à tragédia dos rohingyas, em Mianmar?

É uma catástrofe que se desenvolve de uma maneira muito rápida. O mundo, como sempre, não tem muito interesse. Todo mundo fala sobre a Síria porque impacta nos países europeus. Mas a maioria dos refugiados em geral ainda está na África e na Ásia.

RODRIGO LOPES

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