A PROSA E A POESIA PARA RESGATAR DIGNIDADE
ESCRITO POR APENADOS, terceiro volume de Vozes de um Tempo, projeto da Susepe e do Banco de Livros, foi lançado na Praça
"Como é grande o valor que tu tens,
E imensas são as possibilidades
São dois caminhos para escolher,
Um leva à prisão e o outro à liberdade."
O trecho acima faz parte do terceiro volume do livro Vozes de um Tempo, escrito por 112 apenados do Rio Grande do Sul. Lançada na tarde de ontem, na Feira do Livro, a obra traz - em forma de crônicas, poesias, narrativas e ilustrações - relatos de pessoas privadas de liberdade que, em sua maioria, tiveram pouco ou nenhum contato com a literatura. São 186 páginas que contemplam mais de 100 produções de pessoas de todos regimes prisionais: fechado, semiaberto e aberto.
- É uma maneira que a gente tem de expor o que estamos sentindo. É ver tudo aquilo que a gente já passou de ruim se tornar algo de bom na vida da gente - relata Telma Maria Gomes.
Na Praça da Alfândega, a Tenda de Pasárgada encheu de visitantes que estiveram na Feira para prestigiar os quatro apenados que representaram o grupo para a sessão de autógrafos. Essa é a segunda vez que Jorge Araújo participa como um dos autores do livro. Ele conta que não teve hora certa para começar a escrever. Quando o texto vinha em sua cabeça, precisava ser passado para o papel.
- Um preso que lê Machado de Assis, José de Alencar... falando assim ninguém acredita, mas é o que acontece. Para mim, escrever é uma coisa que não tem hora, às vezes eu acordava na madrugada com um texto na cabeça. A sociedade nem imagina que um preso vai "tá" escrevendo de madrugada, mas é o que acontece, passei por isso - conta Araújo.
Estreante em Vozes de um Tempo, Gérson Luis Barbosa já tinha o hábito de compor letras de música. Enquanto cumpre pena na Penitenciária Estadual de Canoas, ele aproveita para estudar e manter o contato com a literatura:
- A música nada mais é do que poesia, e as letras que faço, faço com amor. Quando eu entrei, era um miserável, cheguei lá com o Ensino Fundamental, hoje faço o Ensino Médio. E, enquanto eu tiver que pagar pelo o que fiz de errado, vou seguir estudando.
PROJETO FOI ELABORADO PARA AJUDAR NA REINCLUSÃO
A iniciativa faz parte do projeto Passaporte para o Futuro, realizado pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) em parceria com o Banco de Livros do RS, que destina livros a apenados, com o objetivo de incentivar a leitura.
- Os apenados estão lendo muito, a gente vai aos presídios e, eles nos pedem mais e mais livros. Eles estão lendo, estão escrevendo, e isso para nós é de muita satisfação - comenta Waldir da Silveira, presidente do Banco de Livros do RS, destacando a importância da doação de livros para a instituição.
Além disso, o setor de Educação Prisional do Departamento de Tratamento Penal da Susepe também viabiliza o acesso à educação para promover a reinclusão dos apenados.
- A pessoa que lê, realmente vai buscar algo mais para o futuro, vai se exigir um pouco mais no dia a dia, nos espaços em que vai dividir com os demais apenados. E, com o livro que estamos lançando hoje, temos a certeza de que alguma coisa está sendo transformada na vida dessas pessoas - explica Ana Dreher, coordenadora do setor de Educação Prisional da Susepe.
A obra foi organizada pelo setor de Educação Prisional e pelo Banco de Livros, em parceria com a Uniritter. Um grupo de trabalho formado por representantes das entidades ficou responsável por conferir a originalidade dos textos e selecionar as produções que entrariam para esse volume do livro. No total, foram 280 trabalhos enviados.
- Acreditamos que estamos dando voz a quem, historicamente, não possui voz. Infelizmente, a sociedade vê o apenado como uma coisa à parte, evita falar sobre ele, saber dele. Só que as pessoas esquecem que o apenado cumpre a pena e volta para a sociedade. Então o nosso papel é dar voz a quem está sendo silenciado - comenta Neli Miotto, que faz parte da comissão organizadora do livro.
BARBARA MÜLLER
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