22 DE NOVEMBRO DE 2017
ARTIGO
NOSSA FEIURA
A feiura é relativa. O intervalo de "quarta aumentada", por exemplo, "dó-fá sustenido", desagradável ao ouvido, tornou-se uma dissonância positiva e excitante na criação musical. O "diabolus in musica" traz tensão e beleza em obras clássicas, como a Tosca, de Puccini, ou West Side Story, de Bernstein.
Na Danação de Fausto, Berlioz abusa desses arranjos para antecipar aparições de demônios no ato IV, quando o jovem apaixonado, pensando em salvar Margarida, é levado por Mefistófeles ao inferno.
Na obra História da Feiura, Umberto Eco descreve o feio nas artes visuais. Obras como Os Amantes Descombinados, de Massys, e o Retrato do Velho com a Neta, de Ghirlandaio, mostram que a feiura depende do olhar de cada tempo.
Italo Calvino, no conto O Dia de um Escrutinador, trata do feio que enternece. Um militante comunista, amarrado aos seus princípios políticos e morais, é indicado mesário nas eleições. O local é um hospício de Turim, cujos votantes são anões, coxos, cegos e deficientes mentais, ou seja, os representantes da estética humana mais horrível.
Ele percebe que os inocentes votam como mandam seus cuidadores. A despeito do impulso de anular a eleição, a personagem acaba por aceitar como válidos os votos. Dá-se conta de que o faz em nome da piedade. Pois quem dedica a vida ao cuidado do que a sociedade acha feio ganha certo direito a sua tutela.
A injustiça humana é a que produz a mais terrível das feiuras. Rafael Georges coordena o relatório intitulado A Distância que nos Une, recentemente publicado pela renomada ONG Oxfam, que a Bienal trouxe recentemente a Porto Alegre. Nele, Georges e um grupo de pesquisadores descrevem o triste retrato das desigualdades em nosso país.
No Brasil, tendo como base qualquer indicador, negros e mulheres vivem pior do que os demais. Nossa concentração de renda é tamanha, que seis brasileiros possuem riqueza igual aos 100 milhões mais pobres. É esta nossa feiura maior. A que mata o futuro dos que nascem aqui.
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