04
de maio de 2012 | N° 17059
DAVID
COIMBRA
Como você é
perigoso
Esse
meu amigo meteu-se no pijama de flanela, abriu o tinto de Bento e aboletou-se
ao lado da mulher no fundo sofá para ver um filminho inconsequente de sábado à
noite. Queria matar tempo até chegar a hora de buscar a filha na saída de uma
festa.
No
meio da madrugada, consultou o relógio de pulso, largou a taça na mesinha de
centro e foi para o carro de pijama mesmo. Dirigiu sem pressa, pegou a menina e
rodou mansamente de volta ao lar.
Mas
no caminho... havia uma batida da Balada Segura! Cáspite, ele tomara algumas
taças de vinho! E agora? Meu amigo imaginou-se detido, arrastado de pijama para
a delegacia, a filha soluçando aos berros de “não levem papai!”, os jornais do
dia seguinte noticiando que ele estava dirigindo “embriagado”, os olhares de
condenação e repulsa na segunda-feira, a possível demissão do emprego devido ao
opróbrio público.
Começou
a rezar: “Protegei-me dos azuizinhos, ó, Senhor”. E o Todo-Poderoso o bafejou
com Sua graça, e desviou a atenção dos azuizinhos para outro carro, e ele
passou incólume pela batida.
Ainda
assim, o medo que meu amigo tem dos azuizinhos não diminuiu. Entendo por quê.
Eu mesmo fui enganado por um, outro dia. Fui ao show do Joe Cocker ali perto do
aeroporto. Ao chegar ao local, um guardador de carros gritou que eu poderia
estacionar sobre o canteiro por R$ 20. Desconfiei, mas um azulzinho estava por
perto, assistindo com serenidade aos guardadores cobrando pelo estacionamento
de dezenas de carros no mesmo canteiro.
Tudo
bem, pensei, olhando para o bravo agente de trânsito. Engano. Depois de alguns
dias, uma multa de R$ 127 aterrissou na minha caixa de correio. Ou seja: o
objetivo do azulzinho era me multar, não orientar o trânsito. Nada
surpreendente: igual objetivo que eles têm quando se escondem atrás de árvores
cem metros depois de um pardal.
Ora,
logo depois do controle eletrônico, ninguém vai acelerar o carro a uma
velocidade perigosa. Talvez passe uns 15% do limite. Então, o azulzinho de
campana não tem a intenção de educar ou ajudar: ele pretende multar.
Há
muitos agentes de trânsito de campana pela cidade. Eu aqui, na minha
ingenuidade, gostaria tanto que o Estado colocasse seus agentes repressivos de
campana à noite nos semáforos, onde pessoas são ameaçadas por pistolas,
colocadas nos porta-malas de seus carros e sequestradas; gostaria que o Estado
colocasse seus agentes repressivos de campana na minha rua, nem que fosse de
vez em quando, para que eu não tivesse de pagar segurança privada;
gostaria
que o Estado colocasse seus agentes repressivos de campana nos bares e
restaurantes que são assaltados na Cidade Baixa e no Moinhos de Vento; gostaria
que o Estado colocasse seus agentes repressivos de campana nas vilas e bairros
pobres da cidade, onde explodem tiroteios nos fins de semana.
Mas,
como já disse, isso é muita ingenuidade minha. Os agentes repressivos do Estado
estão muito ocupados prestando atenção em mim, em você e no meu amigo de
pijama. Nós é que somos perigosos. Nós somos uma ameaça.
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