02
de maio de 2012 | N° 17057
MARTHA
MEDEIROS
Briga de rua
Estava
voltando da minha caminhada habitual, de manhã. Foi então que vi um carro
embicado na entrada da garagem de um edifício, com todas as portas abertas, e,
antes que eu achasse estranho, comecei a ouvir gritos. Ao lado do carro, uma moça
segurava um menino no colo, um garoto de uns quatro anos, que chorava. Chorava
de medo e susto: sua mãe berrava com seu pai. Um pai igualmente descontrolado
que a impedia de entrar no prédio com a criança. O que havia acontecido?
Não
sei, não os conheço, não imagino o que motivou esse barraco, só sei que fiquei
em choque diante da cena: uma mulher no auge da sua fúria, histérica, ordenando
que aquele homem desaparecesse, que sumisse, e ele chorando e ao mesmo tempo
segurando-a, até que ela deu um tapão na cara dele, e outro, e a criança
apavorada, e eu, parada a poucos metros de distância, sem saber se acudia, se
fugia, sem um celular para chamar alguém – vá que ele esteja armado? Aquilo
poderia terminar em tragédia.
Cheguei
a pedir, ingenuamente, parem, conversem depois, olhem as crianças, e foi então
que me dei conta de que elas estavam mesmo no plural, havia outra criança presa
a uma cadeirinha dentro do carro, uma menina de não mais que dois anos, que
chorava também. A essa altura, outros transeuntes pararam, circundamos o casal,
mas todos sem ação, imobilizados pelo ditado “em briga de marido e mulher não
se mete a colher”, mas não se mete mesmo?
Uma
senhora tentou tirar o menino do colo da mãe para que ele não recebesse um
safanão sem querer, mas o menino, lógico, esticou os braços e quis voltar, a
despeito de todos os riscos que nem sabia que estava correndo, e o que mais me
impressionava nem era aquele homem em lágrimas impedindo a passagem dela, nem o
menino que chorava diante de uma cena que jamais irá esquecer, mas a mulher, a
mulher que não chorava, e sim berrava “NÃO TOCA EM MIM!”, berrava “SAI DA MINHA
FRENTE!”,
berrava
e batia naquele homem que era duas vezes o seu tamanho, berrava de uma maneira
surtada, assustadora, com uma voz que nem parecia vir dela, mas da fera que a
habitava, berrava com uma raiva e um tormento que não podiam ser maiores. Ela
havia chegado ao seu limite. Dali em diante, ela iria matá-lo, se matá-lo fosse
possível.
Foi
então que entendi como acontecem esses crimes passionais que não testemunhamos,
que costumam ocorrer entre quatro paredes: por algum motivo, um homem ou uma
mulher, ou ambos, tornam-se irracionais. Não se escutam, não conversam, não
preservam os filhos, não percebem o entorno, viram dois selvagens, até que um
deles escape ou morra.
Ela
escapou. Um rapaz interveio, segurou o homem, ela entrou no prédio com as duas
crianças. Ele ficou socando o chão, fora de si. Tudo isso numa das avenidas
mais movimentadas da cidade, às 11h da manhã. Voltei pra casa arrasada. Nunca
saberei quem era a real vítima da história, quem estava com a razão, e não
estranharia se hoje os encontrasse de mãos dadas, com as pazes feitas, que isso
é mais comum do que se pensa. Mas a violência do ato existiu, e foi
testemunhada por duas crianças.
Na
verdade, por três crianças. O mundo adulto, ali, me fechava as portas.
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