segunda-feira, 30 de junho de 2025


30 de Junho de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Farinhada

"Se farinha fosse americana, mandioca importada, banquete de bacana era farinhada." O Ministério das Informações Aleatórias adverte: quem assiste a Pablo & Luisão nunca mais se livra do refrão da música Nóis é jeca, mais é jóia.

A abertura ao som de Juraildes da Cruz, compositor natural do Tocantins, é apenas um dos acertos da série que estreia na TV aberta na próxima segunda-feira, depois de se tornar um dos programas mais assistidos da Globoplay nas últimas semanas. A farinhada do Tocantins nunca foi tão bacana - e tão comentada nas redes sociais.

O talento para fazer o brasileiro rir alto diante da TV parecia ter evaporado com a segmentação dos públicos e a batalha cada vez mais acirrada entre identidades políticas divergentes. Espalhado por todas as plataformas e customizado ao gosto do freguês, o humor fragmentou-se em subcategorias social e culturalmente determinadas. Pablo & Luisão nos lembra que houve um tempo em que todo mundo achava graça das mesmas piadas. É mentira, Terta?

O primeiro acerto da série criada por Paulo Vieira a partir de histórias da própria família foi a escolha do elenco central: Dira Paes, Aílton Graça e Otávio Muller. O formato, com Paulo Vieira entrando em cena, participações especiais e comentários das pessoas reais que inspiraram os personagens, dá ritmo e evita que a série fique com cara de novela. 

A ideia de celebrar a amizade masculina também veio a calhar em um momento em que virou moda falar da solidão do homem de meia-idade (fica a dica para rapazes de todas as idades: ame seu melhor amigo como Pablo e Luisão se amam). E o fato de a trama se passar no Tocantins, um Estado que raramente é retratado na televisão, acrescenta um tempero a mais.

Levando-se tudo isso em conta, ainda acho que a grande sacada da série é lançar um olhar amoroso sobre um talento nacional que em geral nos envergonha: a gambiarra doméstica. Se a gente acha engraçado ver alguém usando um cabo de vassoura para tentar segurar uma porta ou puxando um fio para improvisar uma ligação elétrica irregular (a prática que deu origem à gíria "gambiarra", aliás, é tema do primeiro e mais engraçado episódio da série) é porque todo mundo tem um mestre da enjambração na família. Alguém que transforma a precariedade em motor da criação - quase sempre com a melhor das intenções.

É essa mesma criatividade instantânea e indomável, muitas vezes temerária, que faz a gente pensar que se meme fosse tecnologia, o Brasil já estaria dominando o mundo - e banquete de bacana era farinhada. 

CLÁUDIA LAITANO

30 de Junho de 2025
OPINIÃO DA RBS

O desafio do fluxo migratório

Um dos desafios do Rio Grande do Sul é estancar o êxodo de gaúchos e, de outro lado, ser atrativo para que brasileiros de outras regiões venham viver no Estado. O IBGE divulgou na sexta-feira dados do Censo Demográfico de 2022 com informações sobre migrações e detectou que, outra vez, o número de rio-grandenses que emigram internamente para outros locais do país foi bem superior em relação ao dos que vieram para aqui se estabelecer.

Entre 2017 e 2022, conforme o instituto, 212,5 mil pessoas naturais do RS deixaram o Estado, enquanto 134,6 mil nascidos nas demais unidades da federação fizeram o caminho contrário. O saldo migratório ficou negativo em 77,8 mil, o sexto maior do Brasil. Destoa bastante dos vizinhos do Sul. Santa Catarina foi o Estado que mais ganhou população com a chegada de emigrantes, uma diferença positiva de 354 mil. O Paraná foi o quinto, com 85 mil.

Perspectivas pessoais em termos de oportunidades, emprego e qualidade de vida estão entre os fatores que mais influenciam os deslocamentos internos. Santa Catarina dispõe de clima ameno no litoral, região que mais recebe gaúchos, e sobressai pelo avanço acelerado do PIB e o menor desemprego do país. A cada quatro brasileiros que fixaram residência em Santa Catarina no período analisado, um era natural do RS. O Paraná foi o segundo principal destino.

Décadas atrás, muitos gaúchos de famílias proprietárias de pequenas áreas rurais com um número significativo de filhos decidiram desbravar o Brasil em busca de terras. O resultado foi que, ao longo do tempo, essa taxa de migração tornou-se desfavorável ao Estado. Em 2022, o RS tinha um total de 457 mil não naturais morando aqui, enquanto 1,2 milhão de gaúchos viviam em outras partes do país.

A evasão mais recente foi, mesmo que em proporção insuficiente, contrabalanceada pela chegada de pessoas de outras nações. Entre 2010 e 2022, pulou de 34,2 mil para 72,2 mil o número de estrangeiros ou brasileiros naturalizados morando no Estado. Esse é um movimento que deve ser estimulado, como forma de compensar a escassez de mão de obra e a queda da natalidade.

O RS ainda padece de uma crise fiscal crônica, à espera de uma solução definitiva, embora já tenha sido pior. Foi uma situação que diminuiu a capacidade de investimento, prejudicou a construção de uma infraestrutura moderna, minou o ambiente de negócios e afetou a autoestima dos gaúchos. As mudanças climáticas se tornaram uma adversidade adicional.

Mas aos gaúchos não resta outro caminho a não ser o da perseverança para voltar aos trilhos do desenvolvimento. É preciso persistir na responsabilidade com as contas públicas, essencial para recuperar indicadores sociais do passado, e trabalhar pela facilitação ao empreendedorismo. A reação ao revés climático, por outro lado, abre a chance de o Estado ser referência em sustentabilidade e preparo para enfrentar e resistir a intempéries. 

O que os números do IBGE reforçam é a importância da construção de convergências para reaver o dinamismo econômico e a qualidade de vida. A reversão do fluxo migratório depende de o RS voltar a ser reconhecido como um lugar de oportunidades, de horizontes profissionais promissores e de bem-estar. 


30 de Junho de 2025
APERTO NO BOLSO - Anderson Aires

Dívidas em atraso em alta no Estado

Aumento no custo de vida, encarecimento do crédito e endurecimento no acesso a financiamentos têm peso nesse processo, segundo especialistas. Percentuais da inadimplência em financeiras e em contas básicas, como luz, telefone e internet, chamam atenção.

Com inflação persistente e juro básico no topo, a inadimplência segue avançando no Rio Grande do Sul. Com 42,10% da população gaúcha nessa situação em maio, o recrudescimento das dívidas em atraso em financeiras e contas básicas, com destaque para telefone e internet, chama atenção. Aumento no custo de vida, encarecimento do crédito e endurecimento no acesso a financiamentos estão entre os pontos que ajudam a explicar esse movimento, segundo especialistas.

Em maio, as dívidas em atraso com utilities (contas como energia elétrica, água e gás) e telecom (que incluem telefonia e internet) ocupavam 17,15% dos débitos pendentes de inadimplentes no Estado, segundo dados da Serasa.

Em maio do ano passado, esse percentual era menor, 16,15%. O repique ocorre após queda em 2024 (veja na tabela). No caso das financeiras, o salto é ainda maior, passando de 17,02%, em maio de 2024, para 18,53% em maio deste ano.

Thiago Ramos, especialista em finanças pessoais da Serasa, afirma que o avanço do aperto financeiro acaba se espraiando para as contas básicas. Em pesquisas realizadas pela entidade, o desemprego e a diminuição de renda estão entre os principais pontos que forçam o cidadão a escolher qual conta vai pagar.

Como alguns desses débitos contam com espaço de tempo maior até o corte, os consumidores vão jogando com o atraso, segundo Ramos:

- Às vezes, o consumidor não tem a conta cortada no primeiro mês de atraso. Varia de Estado para Estado, de empresa para empresa. Muitos conseguem atrasar duas, pagam a terceira, dessa forma ele tenta equilibrar as contas de maneira não saudável, mas é o recurso que fica disponível para alguns consumidores.

Olhando apenas as utilities, o percentual de inadimplência ficou praticamente estável, indo de 10,05% para 9,51% nesse período de um ano. Já o ramo de telecom saltou de 6,10% para 7,63% no período. Ramos afirma que esse aumento no grupo que pega telefonia e internet ocorre em razão da maior oferta de prestadores de serviço:

- Se ele se negativa com uma, consegue ainda em pouco tempo contratar o serviço de outra. E, como é difícil pagar as contas em dia, isso também leva a um aumento da inadimplência nas telecoms.

Olhando outros segmentos principais na inadimplência, bancos e cartões de crédito (28,33%), serviços (15,43%) e varejo (9,27%) têm destaque. No entanto, apresentaram leve queda ante o percentual verificado no ano passado.

Já o índice geral de inadimplência atingiu 42,10% em maio, reforçando tendência de alta.

Wendy Haddad Carraro, educadora financeira e professora do curso de Ciências Contábeis e de Economia da UFRGS, afirma que o avanço da inadimplência ocorre na esteira de inflação ainda alta, que diminui o poder de compra, e do juro, que pressiona ainda mais as dívidas dos cidadãos. Com isso, a dificuldade em honrar as contas em dia acaba avançando sobre itens e serviços de primeira necessidade. 



30 de Junho de 2025
POLÍTICA E PODER - Paulo Egídio

Piratini quer ampliar prazo para pagar precatórios

Diante da pressão da dívida com precatórios, o governo do Rio Grande do Sul articula, em Brasília, com outros Estados, mudanças na regra de pagamento desse passivo. Pela norma atual, o RS precisaria quitar todo o estoque, que ultrapassa R$ 17 bilhões, até 2029.

A ideia é pegar carona na PEC 66, que concede alívio nas dívidas dos municípios, para beneficiar os Estados. A secretária estadual da Fazenda, Pricilla Santana, já se reuniu com o relator da proposta na Câmara, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), para pleitear a aceitação de emenda que beneficie os Estados.

A secretária explica que, para cumprir o regime de pagamento nas condições atuais, seria preciso ampliar substancialmente os aportes do Tesouro no pagamento de precatórios:

- Os anos de 2027, 2028 e 2029 vão exigir retirada de quase R$ 4 bilhões por ano dos cofres do Estado. Isso é quase 6% da nossa receita corrente líquida. Será um peso muito grande para as finanças do Estado, por isso precisamos de uma solução mais estruturante - aponta.

Servidora federal de carreira e ex-subsecretária do Tesouro Nacional, Pricilla tem trânsito em Brasília em negociações de interesse dos Estados. Antes de Baleia, ela também esteve com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e recebeu sinal verde para articular a alteração, mesmo que o texto já tenha sido aprovado pelos senadores.

Extensão de cinco anos

Na proposta do governo do RS, o prazo de pagamento seria postergado de 2029 para 2034. Em contrapartida, os Estados se comprometeriam a aportar pelo menos 5% da receita corrente líquida para abater os precatórios. A formulação, entretanto, não é consenso entre todos os Estados, visto que alguns consideram muito alto o percentual de arrecadação comprometido.

A regra atual, datada de 2009, prevê o aporte mínimo de 1,5% da receita corrente líquida para fazer frente ao passivo. No RS, entretanto, o aporte já é maior do que isso, em razão do tamanho do estoque.

Baleia Rossi planeja apresentar nos próximos dias o relatório sobre a PEC. Caso a emenda dos Estados seja acolhida, o texto precisará voltar ao Senado após a aprovação da Câmara para que a medida tenha validade.

Entidades municipalistas receiam que a alteração provoque atraso na apreciação da PEC, mas Alcolumbre garantiu que, caso isso ocorra, garantirá um trâmite acelerado à proposta quando ela retornar ao Senado. _

Benefício redivivo

Seguindo a decisão tomada pelo Ministério Público, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul restabeleceu a licença-prêmio a seus membros. O despacho foi editado sexta-feira pelo defensor público-geral, Nilton Leonel Arnecke Maria.

O benefício, que concede três meses de folga a cada cinco anos de trabalho, foi extinto para o funcionalismo estadual em 2019. No entanto, o entendimento da Defensoria e do MP é de que a restrição não se aplica às carreiras jurídicas.

Não há impacto financeiro imediato mas, em boa parte dos casos, os beneficiários acumulam a vantagem e a convertem em dinheiro na aposentadoria. _

Ausência sentida

Chamou atenção a ausência da assinatura de Juliana Brizola na carta em que o PDT gaúcho pede a permanência de Ciro Gomes no partido, publicada semana passada.

Juliana foi procurada pelos organizadores da mensagem, mas não respondeu. Por meio da assessoria, informou que tem carinho por Ciro e também não gostaria que ele saísse.

O ex-ministro discute migrar para o PSDB.

Em novo ato, Bolsonaro pede maioria no Congresso

- Me deem 50% da Câmara e 50% do Senado, que eu mudo o destino do Brasil. E digo mais: nem eu preciso ser presidente. O Valdemar (Costa Neto) me mantendo como presidente em honra do Partido Liberal, nós faremos isso por vocês - discursou.

Bolsonaro mencionou que essa condição daria aos seus apoiadores a oportunidade de eleger os presidentes das casas legislativas e decidir quem ocupará cargos que dependem de aprovação no Congresso, como comando do Banco Central.

Imagens da manifestação demonstram que o público foi o menor do que o último ato de Bolsonaro, em 6 de abril. Conforme estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), havia cerca de 12,4 mil pessoas no ato deste domingo, ante 44,9 mil no anterior.

Mesmo inelegível, Bolsonaro mantém o discurso de que será candidato a presidente em 2026. Estiveram junto dele na manifestação dois governadores cotados para disputar o Planalto, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Romeu Zema (Novo-MG). _

Pé na estrada

Acusado por oposicionistas de deixar o Rio Grande do Sul em segundo plano diante do projeto de concorrer a presidente, o governador Eduardo Leite não deu munição aos adversários no final de semana.

Diante de previsões de grande volume de chuva e elevação no nível dos rios, Leite vestiu a jaqueta da Defesa Civil, colocou o pé na estrada e coordenou, in loco, as ações de prevenção. Leite passou por Caxias do Sul, Santa Cruz do Sul e Lajeado, além de comandar reuniões em Porto Alegre.

Para fazer frente ao evento climático, o Estado mobilizou mais de 1,1 mil servidores e atuou em conjunto com as prefeituras. _

Divergência em casa

O deputado federal Luiz Carlos Busato (União Brasil) deu discurso público contra o projeto que aumenta o ISS em Canoas. A proposta do prefeito Airton Souza (PL) prevê aumentos que variam entre 0,5 e dois pontos percentuais, com vigência a partir de 2026. Detalhe: o vice de Airton é Rodrigo Busato, filho do deputado.

O prefeito tem maioria na Câmara, mas o tema é espinhoso e a aprovação, incerta. _

Saindo da prefeitura

O secretário de Administração de Porto Alegre, Cassiá Carpes, entregou carta de exoneração ao prefeito Sebastião Melo na sexta-feira. Cassiá diz que pediu para deixar o cargo para cuidar da saúde:

- Fiz uma operação no início de maio, agora talvez tenha de fazer outra. E isso está tirando a minha mobilidade.

Suplente de vereador pelo Cidadania, Cassiá irá até a prefeitura hoje para se despedir da equipe. Ele não indicou substituto. _

mirante

Com malas prontas para deixar o MDB rumo ao PL, o deputado federal Osmar Terra nomeou em seu gabinete o ex-vereador Pablo Melo (MDB), filho do prefeito Sebastião Melo. Pablo ingressou no cargo dia 29 de maio e receberá R$ 7,9 mil mensais, conforme o Portal da Transparência da Câmara.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, deu sinal verde para o concurso de capitão da Brigada Militar. Gilmar acolheu argumentos da Procuradoria-Geral do Estado e rejeitou ação movida por uma associação de militares estaduais para barrar o certame.

POLÍTICA E PODER


30 de Junho de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Brasil, palco das autocracias

The Economist, a bíblia do liberalismo, lançou mais um petardo contra o governo Lula. Em texto no final de semana, intitulado "Presidente brasileiro perde influência no Exterior e é impopular em casa", a revista britânica diz que o petista colocou o país no mapa, mas não se adaptou a um mundo em transformação.

A Economist, que vem criticando o governo nas últimas semanas em diferentes espaços da publicação, avalia que, grosso modo, o Brasil escolheu o lado errado da História. "Em 22 de junho, horas após os EUA atacarem instalações nucleares iranianas com enormes bombas destruidoras de bunkers, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil divulgou um comunicado. Afirmou que o governo brasileiro condena veementemente o ataque americano e que as ofensivas foram uma violação da soberania do Irã e do direito internacional".

A revista destaca que essa linguagem "agressiva" colocou o Brasil em "desacordo com todas as outras democracias ocidentais, que ou apoiaram os ataques ou apenas expressaram preocupação".

O próximo "momentum Brazil" já está telegrafado: em julho, mês que começa amanhã, o país vai sediar o encontro dos Brics, que tem se tornado, cada vez mais, um bloco de nações anti-EUA, iliberal e palco de regimes autocráticos. No tapete vermelho, por aqui, estarão delegações de China, Rússia e... Irã.

Prevista para os dias 6 e 7 de julho, no Rio, a Cúpula do Brics ocorrerá sem a presença de Xi Jinping e de Vladimir Putin. A ausência do russo já era esperada, pois ele é alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI), devido à deportação de centenas de crianças da Ucrânia. Vai participar da reunião por videoconferência e enviará ao Brasil o chanceler Sergey Lavrov. Já o presidente da China será substituído pelo primeiro-ministro Li Qiang. O Brasil exerce a presidência do grupo em 2025. _

Na Primeira Parada Livre, o desafio ao preconceito

No último sábado, 28 de junho, foi celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. Em entrevista à coluna, publicada no fim de semana, Célio Golin, um dos fundadores do grupo Nuances, contou que a primeira Parada Livre de Porto Alegre ocorreu no ano de 1997.

No evento, aproximadamente cem pessoas cruzaram a Rua José Bonifácio, onde tradicionalmente fica o Brique da Redenção. Gritavam palavras de ordem contra a homofobia e em favor dos direitos humanos.

Golin contou que, naquele primeiro dia, algumas pessoas usavam máscaras para que não fossem identificadas, tamanho o medo do preconceito. O ativista enviou à coluna uma fotografia daquela parada na Capital: duas mulheres aparecem cobertas com um capuz.

A coluna busca essas pessoas, para contar suas histórias de vida e dar voz às pautas de gênero. _

Entrevista - Anna Cruz - Diretora da Escola de Inteligência (Esint) da Abin

"A Abin não pode ter enviesamento partidário"

Oficial de Inteligência desde 2009, Anna Cruz é diretora da escola que forma os funcionários da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

A Abin é uma instituição de Estado e não deveria ser aparelhada por governos, mas volta e meia surgem essas acusações. Como é abordado na escola esse distanciamento?

A Abin é um órgão de assessoramento, existe para auxiliar a tomada de decisão de alto nível, pelo Executivo, para que seja bem informada e livre. Gosto dessa definição porque evidencia os dois ramos da atividade de inteligência: o que produz conhecimento, isto é, que ajuda na tomada de decisão, e o ramo contrainteligência, que protege os interesses, permitindo que a decisão seja livre de constrangimentos, soberana. A Escola de Inteligência prepara profissionais para que façam isso de modo técnico, ético, seguro e legal. Mas essas tais decisões, elas são sobre o quê? São as que impactam a segurança da sociedade e do Estado brasileiros. 

Daí você pode imaginar que estamos falando de políticas públicas relevantes, transições globais, de temas como segurança cibernética, riscos e ameaças para o Brasil por meio de espionagem, interferências ilegítimas ou sabotagens, política internacional. Mencionei a palavra "política" algumas vezes, mas note a diferença: a agência, claro, deve se ocupar com questões públicas, como conflitos e disputas por recursos - e isso é "política". 

O que a agência não pode fazer é ter enviesamento partidário, se afiliar a uma ou outra agremiação de pensamento, porque esse erro não apenas seria um desvio ético, mas também inviabilizaria nosso próprio negócio, que é a produção de conhecimento confiável.

Como a escola aborda temas como contrainteligência, proteção de dados e ameaças cibernéticas no currículo?

A escola forma servidores da agência e do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), sua matriz curricular é de acesso restrito, mas posso dizer que oferece ações de aprendizagem nos eixos Inteligência (composto por ações diretamente relacionadas à inteligência e à contrainteligência e à análise e operações de inteligência), Transversal (ações relacionadas aos domínios de conceitos, métodos, técnicas e ferramentas de gestão, docência e competências linguísticas) e Temático (ações que contemplam temas relevantes para a atividade de inteligência, como nas áreas de direito, economia, segurança, tecnologia, sociedade e cultura).

Como a inteligência artificial vai impactar o setor?

Com a fartura de informação, o alcance praticamente infinito de coleta e a produção de insights, a IA é uma ferramenta fundamental do nosso tempo, que nos ajuda e nos desafia. A escola precisa ser guia no uso dessa ferramenta, formando profissionais que façam bom uso dela e mapeando competências faltantes. Acredito que, apesar do grande impacto que esse instrumento traz, a identificação do que é relevante, a interpretação dos vários insumos e seu aproveitamento estratégico confiável, são redutos humanos, bem estabelecidos.

Quais são hoje os principais riscos estratégicos monitorados pela Abin?

No Brasil, há instrumentos legais que orientam a atividade de inteligência e a atuação da Abin, além de orientações doutrinárias e, naturalmente, da imposição da própria realidade, cada vez mais complexa, com o agravamento de conflitos e desequilíbrio de poder. A Política Nacional de Inteligência (PNI) vigente é de 2016 e, depois de um esforço em instâncias técnicas no Sibin, há uma proposta de atualização. 

São fundamentos da atividade a garantia da soberania nacional, da democracia e a defesa do interesse público e, por isso, são temas de acompanhamento as ameaças a esses fundamentos, como espionagem, interferência externa, sabotagem, terrorismo, armas de destruição em massa, criminalidade organizada, ataques cibernéticos, pandemias e emergências sanitárias, impactos das mudanças climáticas, das transições energéticas e demográficas na segurança. Pela importância e pelo tamanho dessa missão, é necessário ter meios técnicos, pessoal treinado e recursos financeiros para que possamos cumpri-la em um serviço que tenha o tamanho que o Brasil precisa. _

INFORME ESPECIAL

domingo, 29 de junho de 2025

Mulheres que chegam à liderança enfrentam desafios de permanência e de poder efetivo

Especialistas apontam necessidade de políticas internas de inclusão profissional

Angela Boldrini - Londres

Mulheres, ainda minoria em cargos de liderança no setor público ou privado, ocupam só 17,5% das cadeiras no Congresso Nacional e comandam a prefeitura de apenas duas capitais. Elas também somam 27% do quadro executivo das mil maiores empresas brasileiras, segundo pesquisa do Instituto Ethos.

Mas a desigualdade de gênero não termina na disputa pelos cargos de liderança, ou na dificuldade de ascender profissionalmente. Profissionais que chegam a essas posições têm que enfrentar desafios de permanência e poder efetivo.

Carine Roos, fundadora da consultoria em diversidade e inclusão Somos Newa, diz que é preciso pensar na inclusão de mulheres em cargos de liderança, e que isso passa por vários aspectos da rotina de trabalho e da organização estrutural das empresas.

A imagem apresenta uma ilustração estilizada de uma mulher de pé, vestindo um vestido preto com bolinhas brancas, em contraste com figuras maiores que estão em movimento ao seu redor. São pernas coloridas em tons de vermelho, verde, roxo e marrom, criando uma sensação de grandeza em relação à mulher. O fundo é amarelo, destacando a figura da mulher.

Catarina Pignato/Folhapress

Significa pensar, por exemplo, em políticas de permanência para mulheres que alcançam cargos executivos e têm filhos, mas também em não isolar líderes em ambientes masculinizados. "Não basta você ter só uma mulher diretora, ela vai terminar saindo, sendo virtualmente expulsa", afirma.

A mesma lógica se aplica para as mulheres em cargos públicos, como deputadas, senadoras, prefeitas e governadoras. Segundo a professora Malu Gatto, da UCL (University College London) e coautora do livro "Candidatas", as eleitas têm dificuldade de exercer poder em ambientes que não são apenas predominantemente masculinos, mas também desenhados para homens.

"Existem processos formais, como o fato de que até recentemente no Congresso não existiam regras sobre licença-maternidade, ou a possibilidade de votar durante a licença", diz a professora. "Mas há também outros informais, como o fato de que os debates muitas vezes acontecem fora do trabalho, em ambientes que as mulheres não estão."

studos mostram que mulheres em posições de liderança também ficam mais vulneráveis a determinadas violências. Pesquisa publicada pela revista Dados, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), mostrou que senadoras líderes de bancadas ou partidos são mais interrompidas do que seus pares homens —incluindo por seus próprios correligionários.

Já um levantamento publicado pelo MIT (Massachusets Institute of Technology), em 2020, encontrou uma correlação entre assédio sexual e mulheres líderes nos Estados Unidos, Japão e Suécia. Mulheres em cargos de gestão tinham entre 30% e 100% mais risco de terem sofrido violência sexual no trabalho do que mulheres em posições mais baixas.

Portanto, para aquelas que ocupam os cargos de liderança, os obstáculos não são unidimensionais. No Brasil, a pesquisa do Instituto Ethos mostrou que mulheres negras são ainda mais minorizadas em posições de gestão: formam apenas 3,4% do quadro executivo das maiores empresas brasileiras.

Ser exceção não me faz celebrar muito", diz Andréia Coutinho Louback, 34, fundadora e diretora-executiva do Centro Brasileiro de Justiça Climática. "Eu estou num cenário de liderança em que eu vejo pouquíssimas pessoas parecidas comigo."

Para Andréia, a ideia de meritocracia mascara questões estruturais que dificultam que outras mulheres negras cheguem a espaços como o que ela construiu. "Não é só força de vontade, eu tive uma tomada de decisão que envolvia recurso e me possibilitou dar esse salto", conta.O salto trouxe consigo outros desafios. Com a falta de representatividade em espaços políticos, a jornalista diz que foi aprendendo a lidar. "Quanto mais politizada, mais ferramentas eu tinha para ocupar esses espaços", diz. "Agora, a liderança de pessoas tem uma questão que é elas não estão acostumadas a terem uma líder como você", afirma.

Ela conta ter passado por situações em que sua autoridade foi desrespeitada. "Uma pessoa falou comigo de maneira que eu perguntei: ‘você falaria assim com a sua chefe se ela fosse branca?’.

"Andréia também questiona como priorizar a saúde de mulheres em cargos como o dela. Recentemente, a diretora-executiva fez uma operação de endometriose que, diz, vinha adiando há anos. "Era como se eu não pudesse ficar 20 dias em repouso", conta. "Existe um medo legítimo de retroceder, mas a gente precisa poder cuidar da saúde."

A maternidade é outro gargalo para mulheres em posições executivas. Segundo dados do governo federal, 38% das mulheres que ocupam cargo de liderança na gestão em 2023 tinham filhos menores de idade. Entre os homens, o número vai a 66%.

"O cuidado é majoritariamente provido por mulheres ainda, então é preciso pensar em maneiras de essa dupla jornada não inviabilizar a permanência de mulheres nessas posições", afirma a consultora Carine Roos.

Ela afirma que medidas como a flexibilização de escalas e locais de trabalho, permitindo, por exemplo, o home office, são medidas inclusivas para mulheres que desejam ter filhos e almejam cargos de liderança. "Não podemos só pensar em representatividade, em fazer as mulheres ocuparem esses espaços, se não pensarmos em como elas conseguem se manter neles", diz.


Acompanhante de luxo

Desde que fiz 40 anos, essa é a frase que mais escuto: precisa acompanhar. Houve um tempo —nem faz tanto assim— em que eu acompanhava as bandas indies do momento. Ouvia compulsivamente Hot Chip e LCD Soundsystem, tomei chuva pelo Arctic Monkeys, fui a todos os shows do Radiohead e ainda sei de cor as letras dos The Strokes.

Logo depois, passei a acompanhar, com a mesma entrega e obsessão, um antigo cônjuge andarilho. Nas manhãs ensolaradas de domingo, por exemplo, ele gostava de ir a pé da rua Cajaíba, em Perdizes, até o restaurante Dona Onça, no Copan (centro). Durante o trajeto de quase uma hora, eu ia conversando —praticamente sozinha, sem parar, como quase sempre faço, posto que sempre namoro rapazes que falam menos do que eu (o que é fácil, porque qualquer pessoa fala menos do que eu) — e não ostentava nem sequer um segundo de respiração ofegante. 

'Sou uma acompanhante de luxo, pois meu plano médico familiar já me custa mais do que ganho trabalhando para dois ou três lugares ao mesmo tempo' - Pixabay

No ano seguinte, acompanhei de pertinho, como jurada, uma batalha entre botecos paulistanos — até hoje não entendi o motivo de terem me chamado (muito menos a razão do meu aceite). Durante uma semana, comi toda sorte de coxinhas, pastéis, linguicinhas, torresmos, caldinhos de feijão com pimenta que deveriam se chamar caldinhos de pimenta com feijão — e dei meu voto para alguma desgracinha da Vila Madalena que faliu no mesmo ano. No máximo, tive uma azia sanada por meia pastilha de magnésia.

Antes de ser mãe, acompanhei as filmagens de um longa-metragem, escrito por mim, que se passava em pequenas cidades medievais da França e de Portugal. Acordava de madrugada, entrava na van da produção e passava o dia inteiro maravilhada por diversas e espetaculares ruas de pedra, em busca dos melhores cenários e das melhores paisagens. Foi um verão europeu inesquecível (morria gente de calor o tempo todo). Eu chegava ao hotel já tarde da noite —e ainda saía para acompanhar os outros jovens da equipe, sedentos por festas e esbórnias.

De cinco anos pra cá, o roteiro mudou completamente. Hoje em dia, eu acompanho, não necessariamente nessa ordem: um cisto no ovário, pedras nos rins, cistos nos seios, um tumor benigno no osso externo, um nódulo no fígado, uma bursite no joelho direito, um desgaste articular no joelho esquerdo, uma arritmia cardíaca, síndrome do psoas, três protrusões discais na cervical, duas protrusões discais na lombar, uma gastrite moderada, um princípio de hérnia na área da musculatura lombar, uma hérnia incisional causada pela cesárea, uma ciclotimia moderada, um quadro de sinusite crônico causado por um quadro de refluxo crônico e uma dor musculoesquelética crônica acompanhada de perda de memória.

Segundo os médicos, é só acompanhar.

Desde que fiz 40 anos, essa é a frase que mais escuto: precisa acompanhar. Alguns exames podem esperar até dois anos, outros demandam acompanhamento a cada seis meses. Nada parece grave. Tá tudo bem, eles dizem. Mas vai que... Sempre bom acompanhar.

Sou uma acompanhante de luxo, pois meu plano médico familiar (eu, minha filha e meus pais) já me custa mais do que ganho trabalhando para dois ou três lugares ao mesmo tempo.

Ontem, coloquei meu roupão salmão para acompanhar, em uma mesma manhã, cistos e nódulos em variados órgãos. Dormi durante o exame porque, a pedido médico, também preciso acompanhar minha fadiga crônica.

sábado, 28 de junho de 2025


28 de Junho de 2025
CARPINEJAR

Shutdown

Ernesto deixou de pagar a fatura do cartão de crédito e continua comprando, acumulando juros. Tampouco quita o condomínio. Mantém em ordem o aluguel e as contas de água e luz para seguir vivendo.

Tem um salário de R$ 3 mil para um emprego de 39 horas semanais, numa rotina típica de segunda a sexta-feira, com oito horas de trabalho por dia e um intervalo para descanso. Só que, no mesmo período, os gastos atingem R$ 5.394. Está devendo R$ 2.394 todo mês.

A dívida acumulada, com um déficit mensal de R$ 2.394 e com cartão de crédito rotativo a juros médios de 44% ao mês, chegaria a um valor em torno de R$ 427 mil em 12 meses.

Ernesto não revela isso para a esposa (é casado em regime de partilha de bens). Ela nem sabe das suas finanças, mas logo ele estará com o nome no SPC e Serasa, sem perspectiva de retomada. Não terá mais conta hábil ou possibilidade de realizar transações.

Precisará de aproximadamente 142 salários inteiros de R$ 3 mil para quitar a dívida de R$ 427 mil, acumulada em um ano de uso do cartão de crédito rotativo - quase 12 anos de trabalho, sem gastar um centavo com mais nada.

Ernesto vive para pagar o passado. E o passado só avança e engole o futuro. Agora faça de conta que Ernesto é o governo federal, e que sua esposa desinformada é o eleitor, o contribuinte. É o que o governo está fazendo: arrecada mais, mas gasta ainda mais - e termina o mês no vermelho.

Neste ano, a arrecadação está prevista em R$ 2,3 trilhões. Ao longo do terceiro mandato de Lula, as despesas cresceram R$ 344 bilhões, encaminhando-se para R$ 2,415 trilhões, segundo dados da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do Tesouro Nacional.

Com os gastos sucessivos e galopantes acima da receita, o governo pode encerrar 2025 com um déficit primário (sem somar os juros para rolar débitos) equivalente a 0,77% do PIB, incluindo o pagamento de precatórios. O fato gera impacto direto sobre o crescimento da dívida pública, principal termômetro de solvência dos países. Projeções da IFI indicam que o governo Lula acrescentará cerca de 12 pontos percentuais à dívida em quatro anos.

Existe o arcabouço fiscal, um limite estabelecido entre 0,6% e 2,5% acima da inflação para o crescimento da despesa primária, que não pode ultrapassar 70% do crescimento da receita. Assim, para cada R$ 1 em novas receitas, devem ser gastos R$ 0,70, respeitando-se o teto de alta de 2,5%.

Só que ele é fictício. Uma das estratégias é liberar recursos do orçamento como despesas financeiras, que não são computadas como primárias e ficam de fora da regra fiscal.

Dinheiro do chamado Fundo Social (abastecido com rendas da União provenientes do pré-sal) tem servido para irrigar os programas do BNDES, o Minha Casa, Minha Vida e o Fundo de Investimento em Infraestrutura Social, com desembolsos estimados em R$ 74 bilhões neste ano.

O que considero como problemático: programas que cabiam no orçamento federal agora necessitam de recursos do fundo. Nossa trajetória inconsequente de gastos que excedem a receita líquida promete nos levar ao shutdown em 2027, com a paralisação da máquina pública por falta de recursos orçamentários.

Caso esse quadro se concretize, haverá interrupção de serviços públicos, atraso no pagamento de servidores e suspensão de programas sociais. Estamos quebrados. Por isso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou elevar desesperadamente as receitas com o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mas o decreto presidencial foi derrubado com maioria esmagadora na Câmara Federal em sessão de quarta-feira.

O divórcio entre governo e eleitor é iminente. 

CARPINEJAR

28 de Junho de 2025
ANDRESSA XAVIER

Sanguessugas

Aumentar o número de deputados virou urgência nacional, mas só para quem vive da política, não para quem vive no Brasil real. Foi com uma agilidade comovente que o Congresso Nacional se debruçou sobre esse projeto. Um empenho raro, que não se vê quando o assunto é importante para a população.

Um país de área territorial continental, cheio de desigualdades, que empilha problemas no atendimento à saúde, educação, habitação e segurança pública. Um país que precisa de reformas profundas e robustas. Acontece que, quando é para aprovar medidas que melhorem a vida do cidadão comum, o processo emperra, a pauta trava, o calendário complica, não tem quórum. Agora, quando é para ampliar o próprio poder e o acesso a mais verbas, cargos e emendas, o tema se torna prioridade. O IBGE de fato mostrou que os números populacionais mudaram, e é praxe corrigir, mas a ideia era redistribuir a representação. Quer dizer, aumentar para onde tem mais gente, diminuir onde a população encolheu. Para não perder nem desagradar ninguém, o Congresso entendeu que era o caso somente de aumentar as cadeiras.

Uma medida como essa só não vai indignar quem está anestesiado. O Brasil, após as eleições de 2026, passará de 513 para 531 deputados federais supostamente representando o povo no Congresso. São 18 cadeiras a mais. Mas não é só isso. São mais 18 gabinetes. São mais gastos com assessores, carros, apartamentos funcionais, passagens aéreas.

O site da Câmara informa que o valor mensal da verba de gabinete é de pouco mais de R$ 133 mil. Esse valor é para o pagamento de salários dos secretários parlamentares que ganham entre R$ 1,5 e R$ 9 mil. São funcionários que não precisam ser servidores públicos e são escolhidos diretamente pelo deputado. Ah! Cada parlamentar pode ter entre cinco e 25 secretários parlamentares para prestar serviços de secretaria, assistência e assessoramento direto e exclusivo nos gabinetes dos deputados, em Brasília, ou nos Estados de origem.

Trata-se de inchar ainda mais um Congresso que custa bilhões aos cofres públicos, em um país que sequer consegue garantir os direitos básicos. Estamos falando de um escárnio. Um deboche. Mais um tapa na cara do cidadão simples mortal.

É mais um capítulo da velha política brasileira do toma lá dá cá, das emendas escandalosas, do governo refém de um Congresso de sanguessugas. Não há justificativa moral nem econômica para aumentar o número de deputados. Ao contrário, deveriam diminuir, talvez pela metade. Garanto que não haveria prejuízos à democracia ou aos interesses da população. O Congresso, em vez de agir a serviço do Brasil, faz tudo como se fosse dono dele. 

ANDRESSA XAVIER

28 de Junho de 2025
MARCELO RECH

Enigma no Irã

Só há uma maneira de se descobrir se a trégua entre Israel e Irã será duradoura ou se, em breve, assistiremos a uma nova saraivada de bombas e mísseis no Oriente Médio. A resposta a esta questão, com implicações na vida de todos os habitantes do planeta, está na real identificação do grau de destruição das centrais nucleares iranianas e na sua capacidade de seguir enriquecendo urânio para construir ogivas atômicas.

Até agora, o que se tem são versões divergentes e contaminadas por interesses políticos. O presidente dos EUA, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, asseveram a devastação do programa nuclear e delimitam em anos o atraso do enriquecimento. As duas convicções contradizem um relatório da Agência de Inteligência e Defesa do Pentágono que enfureceu Trump. Pelo Pentágono, o ataque dos EUA bloqueou as entradas da central de Fordow, mas não destruiu suas instalações subterrâneas.

Pelo lado do Irã, qualquer informação oficial tem o valor de uma nota de três dólares porque o interesse imediato é evitar o prolongamento da pancadaria a que foi submetido por Israel. Proclamar que as centrais foram "gravemente danificadas", como disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, não tem validade, portanto. Dissesse ele o contrário, estaria atraindo novos ataques. Já a estimativa do diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, é de "danos muito significativos" em Fordow.

Todas as avaliações têm baixo valor na bolsa de apostas sobre uma nova fase da guerra até que uma comissão independente da AIEA possa acessar de forma presencial e com passe livre as instalações iranianas. Como o parlamento iraniano rompeu com a agência nesta semana, o enigma da verdadeira situação do enriquecimento de urânio, ainda que a espionagem esteja tentando fazer seu trabalho, deverá perdurar um bom tempo pela frente.

A trégua obtida por Trump é uma vitória pessoal dele, mas que precisa ser seguida pela retomada de negociações para o fim do programa iraniano. Desde que o porrete saiu da mesa e desceu sobre o Irã por 12 dias, o argumento ficou mais forte. O máximo que Teerã pode fazer agora é embromar o resto do mundo enquanto decide o destino dos 408 quilos de urânio enriquecido a 60% - a apenas um terço do necessário para 10 ogivas nucleares -, dos quais ninguém sabe, ninguém viu, o paradeiro.

Ao longo de décadas, o regime dos aiatolás vendeu a balela de que o seu programa era pacífico, como se isso fizesse sentido quando se enriquece urânio 12 vezes acima do necessário para a produção de energia elétrica e, ainda mais, quando o faz sob centenas de metros no subsolo. Neste conto, ao menos, espera-se que ninguém caia mais. 

MARCELO RECH

28 de Junho de 2025
OPINIÃO RBS

OPINIÃO RBS

Os gaúchos despertam neste sábado receosos com as consequências de mais um episódio de chuva volumosa previsto pela meteorologia. Confirmando-se os prognósticos, inundações por precipitação excessiva em áreas urbanas e transbordamentos de cursos d?água são iminentes. Os riscos crescem pelo fato de rios e outros corpos como o Guaíba já estarem cheios devido ao aguaceiro da semana anterior. É mais uma advertência da natureza de que as providências para reduzir danos por acontecimentos semelhantes no futuro próximo precisam ser aceleradas.

Ainda que este novo evento climático fique bem abaixo do de maio de 2024 em termos de transtornos, prejuízos e vítimas, assusta a quantidade de cheias e enxurradas expressivas enfrentadas pelo Estado em menos de 24 meses. Não é alarmismo irresponsável reiterar que se deve considerar seriamente a possibilidade de a sequência de chuvaradas bastante acima das médias históricas se repetir nos próximos anos, espalhando perdas materiais, revivendo traumas e ceifando vidas.

Como as hostilidades do clima ganham assiduidade, cumpre ao poder público imprimir o mais rápido ritmo possível a todas as obras, projetos e planejamentos destinados a minimizar os efeitos da chuva que cai em quantidades muito acima do que seria o normal. Até porque, alerta a ciência, o que seria extraordinário começa a ser compreendido como o padrão esperado.

Traz certo alento a informação de que o governo gaúcho tentará dar mais celeridade às fases preparatórias de construção e reforma dos sistemas de proteção contra cheias da Região Metropolitana. Entre essas obras estruturantes, a primeira da fila é a do dique de Eldorado do Sul, município mais atingido pela enchente do ano passado, que voltou a ter ruas alagadas com a chuva da semana anterior.

Por enquanto, a previsão é iniciar a obra em 2027 e entregá-la no fim de 2030. Segundo a Secretaria da Reconstrução, os prazos atuais são conservadores e é viável obter maior agilidade, sem comprometer um planejamento consistente e a qualidade da construção. Mas traz preocupação a informação que surgiu na sexta-feira de que o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Estilac Xavier suspendeu o pregão realizado pelo Piratini para atualizar o projeto de Eldorado.

Em meio à sensação da sociedade de que pouco foi feito desde o ano passado, também traz algum alívio a notícia da retomada na sexta-feira dos trabalhos de reforço do dique do bairro Sarandi, na zona norte da Capital, antes paradas por decisão judicial e agora retomadas por novo juízo. Um vazamento na estrutura assustou os moradores nos últimos dias. Aguarda-se que a prefeitura consiga comprovar a necessidade de remoção das casas irregulares do local para a obra seguir o seu curso e proteger a região. A gravidade da crise climática exige ação e sensibilidade dos poderes, sopesando direitos individuais e coletivos.

Com uma realidade diversa devido à topografia diferente em relação à Região Metropolitana, o Vale do Taquari, severamente castigado nos últimos dois anos, também dá novos passos para evitar novos desastres, por meio da revisão dos planos diretores de sete municípios para orientar a expansão urbana e evitar áreas de risco. A chuva deste junho intensifica o senso de urgência para a adaptação do Estado à fúria do clima. 


28 de Junho de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Haddad apoia judicialização, mas faz aceno

Na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Had- dad, reforçou a possibilidade de o governo recorrer à Justiça contra a derrubada do decreto de aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Mas também acenou com uma saída para "aquela noite de domingo", como se referiu várias vezes à reunião com líderes do Congresso em que pensava ter saído com um acordo mas soube pela imprensa, no dia seguinte, que não havia "compromisso" com a alternativa ao IOF.

Afirmou que a equipe econômica teria desenvolvido "solução jurídica" que permitiria o corte linear do custo tributário, com exclusão da Zona Franca de Manaus e do Simples, os "benefícios constitucionais" nos quais o Legislativo não quer mexer.

- Atende o Congresso do ponto de vista que eles têm - afirmou à GloboNews, parecendo oferecer uma ponte.

Convidado a dar detalhes, declinou: - Vou apresentar aos líderes assim que tiver oportunidade.

Haddad admitiu que não fala com os líderes do Congresso desde "aquela noite de domingo".

O peso dos interesses contrariados

Como está claro, não é divergência sobre IOF que move o Congresso. O clima ruim é resultado de interesses contrariados. O principal é a redução no pagamento de emendas parlamentares. Conforme dados do Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento (Siop), o governo empenhou R$ 1,924 bilhão para emendas, mas o pagamento efetivo até a véspera da votação era de R$ 465 milhões. O previsto no ano é de R$ 50 bilhões.

Outra guerra envolve a ambição do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, de derrubar o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Os dois se acusam de defender interesses empresariais. Foi motivação econômica a derrubada de vetos, que gerou obrigação de contratar usinas térmicas a gás em Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O custo anual de R$ 20,6 bilhões será repassado ao consumidor e elevará a conta de luz em cerca de 7,5%. A tentativa de "criar mercado" para gasodutos existe desde a privatização da Eletrobras, em 2021, com o mesmo "jabuti", e voltou agora. _

Sem clareza sobre o futuro, o mercado financeiro nacional fechou a semana com humor misto: o dólar variou 0,27% para baixo, a R$ 5,483, e a bolsa brasileira oscilou -0,16%.

Recorde de alfajores

Um ano depois de ter sido atingida pela água embarrada de maio de 2024, com prejuízo de R$ 3 milhões, a Odara teve produção recorde em maio, de 1 milhão de alfajores em um mês.

Antes da cheia, a média era de 580 mil mensais. Salva da enchente pelos clientes - enquanto estava fechada, 3,6 mil pessoas compraram para receber só depois -, a Odara tem fábrica no bairro Sarandi, na Capital, com capacidade de 15 mil alfajores por hora. Prevê crescer cerca de 60% e alcançar faturamento de R$ 30 milhões neste ano. _

Avanço, ainda que parcial

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Legal da Internet não tem a abrangência ambicionada pelos estudiosos da desinformação, mas representa um avanço civilizatório. Talvez seja sábia ao escolher o "caminho do meio" e deixar claro que não envolve qualquer remoto tipo de censura.

As big techs que conseguiram impor o uso de suas ferramentas a boa parte da humanidade só precisarão retirar conteúdo sem necessidade de ordem judicial em casos bastante específicos: indução a suicídio ou a automutilação - como o caso da menina morta depois de ser pressionada a inalar desodorante -, discurso de ódio, racismo, pedofilia, pornografia infantil, incitação à violência, crimes contra a mulher, tráfico de pessoas e defesa de golpe de Estado.

Considerado o surgimento do pioneiro Facebook, há 21 anos, essa indústria alcançou a maioridade sem qualquer de regulação, espécie de menoridade penal estendida.

Ficaram de fora da decisão formal, por exemplo, os chamados "crimes contra a honra", como calúnia, injúria e difamação, que há décadas são usados para punir corretamente jornalistas que infringem a lei, mas, em muitos casos, para simplesmente constranger e barrar a circulação de informação de interesse público.

O STF incluiu na regra chatbots, marketplaces, aplicativos de avaliação e críticas, entre outros. Chatbots são movidos a inteligência artificial, com aplicações desenvolvidas por empresas como a Nvidia, cujo valor de mercado (US$ 3,78 trilhões, o equivalente ao PIB da Alemanha, quarto país mais rico do mundo) ameaça empalidecer a comparação das big techs a Estados-nações em poder econômico. _

Valor de mercado de big techs

Empresa US$

Nvidia 3,78 trilhões

Microsoft 3,7 trilhões

Alphabet 2,1 trilhões

Meta 1,83 trilhão

Twitter 41 bilhões

Fontes: Nyse e Nasdaq

GPS DA ECONOMIA


28 de Junho de 2025
ECONOMIA

Taxa de desemprego recua para 6,2% no trimestre encerrado em maio

A taxa de desemprego no Brasil caiu de 6,6% no trimestre terminado em abril para 6,2% no trimestre encerrado em maio. Trata-se do patamar mais baixo para o período em toda a série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), iniciada em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No total, eram 6,8 milhões de desempregados no Brasil no período terminado em maio, redução de 8,6% em comparação com o trimestre anterior. Em comparação ao mesmo trimestre de 2024, a queda foi de 12,3%. Naquele intervalo, a taxa era de 7,1% e eram 7,8 milhões de pessoas sem emprego.

Sem impacto do juro

Segundo o analista da pesquisa do IBGE, William Kratochwill, o resultado indica tendência sazonal de estabilidade após o período de demissões.

Conforme ele, os números sugerem que o mercado de trabalho "continua resistindo" à política monetária contracionista.

- O mercado de trabalho em si está numa situação melhor do que esteve nos últimos dez anos - disse.

Também houve recorde de rendimento dos trabalhadores. A soma das remunerações dos trabalhadores, que indica a massa de rendimento real habitual, totalizou R$ 354,6 bilhões. O rendimento médio mensal chegou a R$ 3.457, crescimento de 3,1% frente ao ano passado. 





28 de Junho de 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

TCE suspende pregão para projeto anticheias em Eldorado

A prefeita de Eldorado do Sul, Juliana Carvalho, não conseguiu conter as lágrimas quando soube pelo governador Eduardo Leite da decisão do conselheiro Estilac Xavier, do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

O despacho suspendeu o pregão realizado pelo governo do Estado para escolher a empresa que fará a atualização do projeto do sistema de contenção de cheias na cidade.

A concorrência estava em fase de homologação do resultado, em que a vencedora foi a empresa Hidrostudio Engenharia, de São Paulo, tendo a Engevix em segundo lugar e a STE em terceiro.

Estilac acatou os argumentos do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva, Seccional do Rio Grande do Sul (Sinaenco), que denunciou supostas irregularidades no pregão. Para escolha do vencedor, o governo adotou o sistema de pregão por ser mais ágil. Esse modelo leva em consideração apenas o menor preço, mas o próprio edital especifica a qualificação técnica mínima exigida.

O conselheiro entendeu que deveria ter sido adotado modelo de concorrência, que combina preço e qualificação técnica. O valor de referência previsto era de R$ 3,8 milhões. A vencedora propôs R$ 3,76 milhões. O secretário da Reconstrução, Pedro Capeluppi, informa que o governo vai tentar convencer Estilac a rever sua decisão ou levar para análise da câmara que integra com mais dois conselheiros.

Avanço do Jacuí causou alagamentos

O choro da prefeita Juliana é compreensível. Eleita no ano passado, ela fez tudo o que estava a seu alcance para evitar que a tragédia de 2024 se repetisse, mas o avanço do Rio Jacuí já alagou dezenas de ruas e deixou centenas de famílias desalojadas.

Juliana foi ao gabinete de Leite pedir ajuda para resolver os problemas imediatos e lá ficou sabendo da má notícia. Entrou em desespero, porque sabe o que significa cada dia de atraso na construção do dique. 

Críticas ao modelo das concessões

Pesquisadora alerta sobre desafios da educação profissional

Congresso chantageia governo fraco no caso do IOF

Estado instala três gabinetes de crise devido às chuvas

Diante da previsão de chuvas intensas durante o fim de semana, o governo estadual decidiu pela instalação de três gabinetes avançados de crise da Defesa Civil, em Santa Cruz do Sul, Lajeado e Caxias do Sul.

Esses centros servirão como pontos de apoio e articulação regional para o acompanhamento em tempo real da situação nas áreas com maior probabilidade de impacto.

Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo colocou as equipes de prontidão para que ninguém seja surpreendido no fim de semana. 

POLÍTICA E PODER

28 de Junho de 2025
INFORME ESPECIAL

Vivemos em um mundo mais perigoso

Reunidos em Haia, na Holanda, até quarta-feira passada, os líderes da aliança militar ocidental estabeleceram como meta: cada país deve chegar a investir 5% de seu respectivo Produto Interno Bruto (PIB) em defesa até 2035.

É ambicioso e histórico. O objetivo até agora era 2%, um patamar atingido, no ano passado, por 22 dos 38 países-membros. É evidente que essa elevação se deve à ameaça representada por Vladimir Putin. A invasão da Ucrânia, em 2022, desequilibrou a balança de poder e trouxe de volta "o medo" nunca superado dos russos.

O massacre perpetrado pelo grupo terrorista Hamas contra Israel, em 2023, e as subsequentes guerras contra o Hezbollah e, agora, o Irã, elevaram as preocupações com segurança.

Cedo ou tarde, o Irã vai retomar seu programa nuclear. Mais países detêm a bomba atômica do que em 1945 (além dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, Índia, Paquistão e Israel dispõem desse arsenal).

A Coreia do Norte, possivelmente, teria capacidade para produzir 90 ogivas. Enquanto 5% do PIB é depositado em armas no Hemisfério Norte, o quanto cada país reserva para conter o aquecimento global, investe em energias renováveis, contribui para reduzir a fome e melhorar o bem-estar das populações? Sobra de um lado, falta de outro. _

Rodrigo Lopes

sexta-feira, 27 de junho de 2025


27 de Junho de 2025
CARPINEJAR

A árvore da ganância

O Jabuti é o maior prêmio literário do país. Mas, no contexto político, o simpático bichinho se tornou sinônimo de dissimulação: é aquele trecho estranho, enfiado num projeto de lei que trata de outro assunto, geralmente para aprovar mudanças impopulares sem chamar atenção.

Muitas vezes passa despercebido, camuflado em meio a termos técnicos e prolixos. No mundo parlamentar, o ato não recebeu o apelido por causa da lentidão do réptil, e sim porque jabuti não sobe em árvore. Se você vê um lá no alto, é porque alguém o colocou nos galhos.

Ou seja: se há algo suspeito, deslocado, fora do lugar numa legislação, não é erro, mas armação. Alguém o pôs ali, por acordos de bastidores. Para ilustrar: entrou em votação um projeto de lei sobre regulamentação da energia eólica offshore ("longe da costa", em inglês) - energia gerada por turbinas instaladas no mar, onde os ventos fortes e constantes produzem eletricidade limpa, sem queimar combustíveis ou poluir o ar.

Nesse projeto, cujos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram derrubados pela maioria dos deputados e senadores em sessão do dia 17, acabou incluído um extravagante jabuti: subsídios a empresas eletrointensivas, que nada têm a ver com o foco original da proposta.

O rombo, segundo a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), pode chegar a R$ 197 bilhões até 2050, com elevação média de 3,5% nas tarifas de energia - diferença que será repassada a nós, consumidores residenciais e comerciais.

Paga-se o favor com o chapéu alheio. Ao autorizar as contratações e exceções desses grupos, o Congresso preserva a vantagem de poucos e despeja a sobrecarga sobre os ombros curvados da população.

O casco do animal legislativo projetará uma sombra enorme sobre os consumidores residenciais e comerciais, onerando ainda mais nossas contas de luz. E nem precisamos balançar a árvore do Congresso para que caiam outras surpresas negativas, além dos próprios jabutis.

Foi aprovada no Senado, na noite de quarta-feira, a criação de 18 novos deputados federais, elevando as vagas da Câmara de 513 para 531. Enquanto países como a Itália cortam representantes legislativos, aqui se vive uma realidade paralela, nababesca.

A medida gerará impacto de R$ 64,6 milhões por ano, segundo a Direção-Geral da Câmara. Mas especialistas estimam até R$ 150 milhões anuais, considerando verbas indiretas. Ao longo do mandato de quatro anos, o sobrecusto poderá subtrair R$ 600 milhões dos cofres públicos.

Na hora de aumentar deputado, há pressa, o expediente fura a fila, enquanto urgências reais mofam na pauta. Na hora de garantir privilégios, há mobilização e quórum, enquanto cerca de 2,6 mil matérias sensíveis para os cidadãos estão engavetadas (Benefício de Prestação Continuada, auxílios sociais, acesso ao transporte, saúde neonatal, direitos trabalhistas).

A semente da ganância promete se espalhar pelas Assembleias Legislativas, num efeito cascata. Não duvido que usem o exemplo para também ampliar cadeiras estaduais. O que mais espanta é o desdém pela opinião pública. Os deputados viraram as costas para o sentimento do povo que deveriam representar. Segundo o Datafolha, 76% dos brasileiros se posicionaram contra o aumento de cadeiras.

Para completar o cenário: ocorreu a anulação do veto presidencial que barrava a correção inflacionária acumulada do Fundo Partidário - resultando num acréscimo de R$ 168 milhões, totalizando R$ 1,368 bilhão para 2025.

O reajuste será baseado na inflação desde 2016, e não a partir de 2023, como manda o regime fiscal vigente. Num país que cria partidos a cada eleição, com uma sopa de letrinhas que hoje soma 29 siglas registradas no TSE (24 com representação no Congresso), estamos diante de um disparate que nos empobrece - e enriquece o Fundo Partidário.

Parece que dinheiro dá em árvore, jabuti dá em árvore, deputado dá em árvore. _

CARPINEJAR