sábado, 29 de novembro de 2014


29 de novembro de 2014 | N° 17998
CLÁUDIA LAITANO

Cápsula do tempo

Quem tem filhos adultos, ou já se encaminhando para a vida adulta, experimenta de vez em quando uma curiosa espécie de “saudade na presença”: uma leve melancolia causada pela irrevogável separação de todas as etapas que já ficaram para trás.

Seu filho pode nunca ter permanecido muito tempo longe dos seus olhos, mas cada fase vencida transforma-se imediatamente em nostalgia, mesmo as mais trabalhosas. Se com relação às outras pessoas sentimos uma enganosa percepção de continuidade no tempo, por mais longa e próxima que seja a convivência, com relação aos nossos filhos há sempre a sensação de que nos despedimos de alguém no meio do caminho, sem perceber ou dar à devida solenidade à despedida.

O bebê que mal enxergava em volta e o que começou a andar, a criança que foi para a escola pela primeira vez e a que fugia para a sua cama nas noites de inverno – é como se cada uma delas fosse um indivíduo diferente, da qual, se pudéssemos escolher, não teríamos jamais nos separado.

Tiramos um milhão de fotos, gravamos um milhão de vídeos, guardamos desenhos rabiscados e brinquedos favoritos, mas o que gostaríamos mesmo era poder abraçá-los todos – do filho recém-nascido que embalamos na maternidade ao que beijamos na testa ontem mesmo – pelo menos uma vez por ano. Seria o melhor Dia das Mães e Pais já inventado.

O filme Boyhood, que estreou em Porto Alegre nesta semana, explora essa fantasia de congelar no tempo a própria passagem do tempo – ali onde ela é particularmente visível, a transformação de uma criança em um jovem adulto. Rodado ao longo de 12 anos, algumas cenas a cada ano, o filme acompanha o crescimento de um menino dos seis aos 18. Numa cena, ele é um garotinho bochechudo que apronta na escola e implica com a irmã mais velha.

Pouco depois, magro e alto, já está se despedindo da mãe e indo morar longe. O que acontece entre um momento e outro não tem nada de excepcional além da própria forma como o filme é narrado, que nos aproxima do personagem principal como se realmente tivéssemos visto o garoto crescer diante dos nossos olhos durante as duas horas que dura o filme.

O diretor Richard Linklater é um dos mais hábeis do cinema atual na arte de retratar o espírito da época através de histórias que não são especialmente épicas, trágicas ou fora do comum. Como em Antes da Meia-Noite, o último filme da trilogia “Antes”, Linklater parece fascinado com as marcas que a passagem do tempo deixa não apenas na aparência das pessoas, mas no que elas sentem e pensam, inclusive sobre si próprias. Boyhood fixa nossa atenção no menino e em tudo que nele vai mudando física e psicologicamente, mas o fato é que seus pais e todos em volta vão se transformando também, ainda que não de forma tão evidente como acontece com as crianças.


Como o protagonista do filme, estamos sempre deixando um pouco de nós para trás – e isso é triste e belo ao mesmo tempo. Como este pequeno grande filme.

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