segunda-feira, 26 de maio de 2014


26 de maio de 2014 | N° 17808
ARTIGO - Paulo Brossard*

MEMÓRIAS PÓSTUMAS VERSÃO LIGHT

Contudo, nada se sabe a respeito, salvo que a obra escolhida foi Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Do autor, tudo o que se disser será pouco, pois é a figura mais representativa das boas letras entre nós e a obra escolhida por muitos considerada a mais original. Como foi dito e é sabido, o projeto se destinava a afeiçoar jovens jejunos ao gosto da leitura; daí a ideia de tornar mais agradável a leitura.

De resto, Memórias Póstumas de Brás Cubas guarda certa unidade mesmo no conjunto de sua produção romanesca. Não tem antecedentes. É sem paralelo, singular em tudo e por tudo. A vernaculidade dá as mãos à simplicidade.

Mas os livros de Machado de Assis, em regra, não têm palavras vadias e dispensáveis. É o mais complexo dentre seus nove romances. Sua escolha não me parece a mais feliz; seria desfazer o primoroso a pretexto de facilitar a leitura de jovens jejunos, o que é duvidoso.

Outrossim, o autor nele meteu “algumas rabugens de pessimismo” e “com a pena da galhofa e a tinta da melancolia”, qualidades que se não podem alterar, ao compor o livro famoso. Mas não é só.

Leiam-se os termos da dedicatória do autor, “ao verme que primeiro roer as frias carnes do meu cadáver dedico...”, e as últimas do livro, “não tive filhos, a ninguém transmiti a miséria do nosso legado”. Tenho dúvidas se seria a melhor leitura para jovens passarem a estimar as boas letras.

Vale lembrar que Machado era filho de uma lavadeira e de um pintor de paredes e não precisou ler obras “modificadas” para chegar aonde chegou.


*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

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