quinta-feira, 15 de maio de 2014


15 de maio de 2014 | N° 17797
 L.F. VERISSIMO

“Volta, volta...”

O Chico Caruso – cartunista, chargista, cantor e cômico – conta a anedota com perfeito sotaque alemão. Numa cervejaria lotada de Munique atual, as pessoas vão pouco a pouco se dando conta da presença de uma figura conhecida entre eles. Será mesmo quem estão pensando? Não pode ser. Mas é: Adolf Hitler está ali! Começa, a princípio baixinho, mas depois aumentando de volume, um coro: “Volta, volta...” Hitler resiste, mas finalmente o clamor se torna irresistível. Ele então se ergue, pede silêncio e declara:

– Está bem, eu volto. Mas desta vez não vou ser bonzinho, não!

Uma versão ampliada da anedota deu num romance chamado Ele Está de Volta, do filho de mãe alemã e pai húngaro Timur Vermes, que fez sensação na Alemanha e está fazendo o mesmo no resto do mundo. Já existe uma tradução em português. No romance, narrado na primeira pessoa, Hitler inexplicavelmente volta à vida – nem ele sabe explicar como – e encontra uma Alemanha em plena crise moral, com uma juventude imbecilizada pela televisão, youtubes, “reality shows” e similares, invadida por raças escuras que no seu tempo eram caçadas como inferiores – e governada por uma mulher! Hitler tem uma solução radical para todos os problemas da Alemanha e o romance acaba com ele sendo cortejado por vários partidos para voltar à política.

Timur Vermes escreveu uma sátira histórica (a ascensão do nazismo e os anos de vigência do Terceiro Reich são recontados do ponto de vista do ex-führer redivivo) e política, mas ela também pode ser lida como nostalgia disfarçada. Na França, faz sucesso parecido com o do livro do Vermes um filme intitulado O que Foi que Fizemos ao Bom Deus?, sobre a família de um católico conservador cujas quatro filhas casam-se, respectivamente, com um judeu, um muçulmano, um asiático e um negro, para desespero dos pais. No fim, tudo acaba bem e o filme é uma cálida lição de tolerância – ou não é.

Há quem o veja como um alerta contra o multiculturalismo e a miscigenação. Tudo depende da identidade ideológica de quem o vê. O crítico do Le Monde disse que o filme parece feito de encomenda para a Frente Nacional, xenófoba e reacionária. Já o crítico do direitista Figaro adorou.


O livro Ele Está de Volta termina com a criação de um slogan para Hitler usar na sua campanha eleitoral. O slogan é “Não foi tudo ruim”.

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