domingo, 10 de dezembro de 2017


09 DE DEZEMBRO DE 2017
CARPINEJAR

Cartas musicadas

Quando adolescente, eu sempre andava com uma caneta Bic no bolso da camisa. Não era para escrever, mas para desenrolar a fita-cassete de 10cm por 7cm. O rolo às vezes escapava das duas bobinas e precisava rebobinar.

Não havia CDs, streaming, aplicativos nem celular, o único jeito de montar trilhas sonoras consistia em gravar a programação direto das rádios.

Custava muito esforço. Significava noites em claro para localizar as músicas favoritas. Não existia a possibilidade de cochilo e distração. Fazia-se plantão na frente do som 2 em 1. Com xícaras obsessivas de café, a tarefa exigia concentração absoluta. A habilidade estava em apertar e soltar rapidamente os botões REC e PLAY, eliminar os comerciais e organizar uma coletânea parecida com a continuidade de um LP.

A voz do locutor complicava o trabalho. Aparecia do nada para identificar a estação. Já no finalzinho da canção, despontava o reclame, como relâmpago impossível de conter. A propaganda inesperada no meio do refrão arruinava o trabalho.

Obrigava-me a treinar a telepatia. Adivinhar quando iria surgir o apresentador, para suspender por alguns segundos a gravação e retomar o fio da meada em seguida. Emendava lacunas, sem nenhuma ilha de edição, no dedo mesmo, num artesanato puro, suando frio. Tinha que ocupar 30 minutos do primeiro lado e mais 30 do segundo. O espaço comportava uma seleta de duas dezenas, sendo que cada uma das composições passava pelo corte e costura das teclas.

Na época, não nos declarávamos com flores e cartão, caixa de bombons e ursinho de pelúcia. Preparávamos fita-cassete para quem amávamos. Ninguém queria sofrer o vexame de receber um fora pessoalmente das meninas, ainda mais diante dos colegas e da turma. Assim, o recurso romântico utilizado era montar uma trilha para expressar a atração. As baladas traduziam os nossas emoções mais secretas. As letras demonstravam o que não conseguíamos falar cara a cara. Você conquistava alguém com cartas musicadas. Vinha a ser o jeito daquele tempo para vencer a timidez e declarar o amor.

Ninguém ousava dizer eu te amo, o que se dizia:

- Fiz uma fita para você.

E se esperava, com ansiedade, o telefonema na semana seguinte, a voz do outro lado que valia as nossas 20 canções prediletas.

CARPINEJAR

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