segunda-feira, 4 de dezembro de 2017


04 DE DEZEMBRO DE 2017
CINEMA

Um argentino solitário em Manhattan


Ao andar pelas ruas de Nova York, o argentino Nico (Guillermo Pfening) encontra uma cadeira que estava abandonada em uma calçada e decide levá-la para casa. Longe de ser exuberante, a cadeira alia conforto e resistência. Cumpre bem, portanto, a função que se espera dela.

É uma passagem aparentemente banal de Ninguém Está Olhando, novo filme da diretora argentina Julia Solomonoff. Mas o drama concebido pela cineasta é como a cadeira do personagem, simples do ponto de vista estético e, no final das contas, mais vigorosa do que parecia à primeira vista.

Ator de grande popularidade na Argentina, Nico troca Buenos Aires por Nova York. Ele diz a todos que está em Manhattan por conta de projetos no cinema, mas logo se descobre que deixou seu país de origem devido a um caso amoroso mal resolvido com um produtor de TV.

Nos EUA, Nico coleciona namoros e trabalhos breves. Só há consistência na relação dele com um bebê, de quem cuida para ganhar uns trocados. Enquanto o mundo rui ao seu redor, o protagonista se ampara em um afeto quase paterno.

A convivência com o bebê é um bálsamo no dia a dia dessa Nova York vista pela América do Sul, uma cidade que se impõe, sobretudo, pela frieza.

No microcosmo de Nico, a rejeição é profissional e afetiva. Ele não avança como um ator para tipos norte-americanos devido ao sotaque e tampouco se enquadra no estereótipo latino porque é loiro. Além disso, a cena gay da metrópole, ainda que vibrante, não oferece o acolhimento que ele procura.

Há ainda o macrocosmo de argentinos, brasileiros, colombianos, paraguaios... Manhattan os incorpora, mas como uma subclasse. Nesse aspecto, um mérito de Ninguém Está Olhando é deixar que o gosto amargo suba lentamente à superfície, sem a ebulição do denuncismo.

A crise existencial do personagem é bem delineada pelo roteiro, também de Solomonoff. A qualidade dos diálogos, aliás, tem sido marca fundamental do cinema argentino neste século.

Mas fatia expressiva da força dramática do filme se deve à interpretação notável de Guillermo Pfening. Sem recorrer a rompantes para reiterar a solidão, o ator põe a sensibilidade a serviço de Nico, um homem em fuga e, em última instância, em busca de si mesmo.

Folhapress - NAIEF HADDAD

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