quinta-feira, 21 de dezembro de 2017


21 DE DEZEMBRO DE 2017
DAVID COIMBRA

A casa de Deus

Tenho de escrever sobre a Grande Mesquita de Abu Dhabi, antes que você se aborreça definitivamente com relatos árabes. É um edifício tão impressionante, que ao entrar nele você sente vontade de se tornar muçulmano.

Fiquei comparando-a com a Basílica de São Pedro. A Grande Mesquita é o que os designers chamariam de "clean". É construída inteiramente de mármore branco da Macedônia. Suas paredes, alvas como a pureza dos profetas, rebrilha ao sol do deserto; o ambiente é amplo, sem imagens, como preconiza o islamismo, próprio para se encompridar o olhar. A Basílica, ao contrário, é penumbrosa e cheia de recantos, desvãos, volutas e relíquias onde você tem de se deter para examinar com critério.

Há, na Mesquita, um lustre de 10 metros de altura, feito na Alemanha com ouro 24 quilates e cristais Swarovski, algo que deixa o observador sem fôlego, reluz em azul e dourado e amarelo e púrpura, como devem reluzir as janelas do Sétimo Céu. Quase tão belo quanto a Pietà de Michelângelo, que emociona quem entra na Basílica.

E, assim como a Basílica tem o mausoléu de São Pedro, erigido por Bernini, a Basílica tem o túmulo do xeique Zayed, o fundador dos Emirados Árabes. Ao lado desse túmulo, homens recitam o Alcorão em rodízio, durante as 24 horas do dia.

São templos maravilhosos. A certa altura da visita, deixei de fazer comparações para não diminuir um diante do outro. Seria uma injustiça, porque ambos são magníficos.

É verdade que a Basílica foi feita com dinheiro da venda das indulgências; é verdade, também, que a Grande Mesquita só existe porque os Emirados Árabes comercializaram o petróleo vil que movimentou automóveis da Europa e dos Estados Unidos. Tudo isso é verdade. Mas não diminui a eloquência da obra dos artistas que levantaram esses edifícios sagrados.

É curioso dizer isso: edifício sagrado. Afinal, tudo ali foi feito pela mão humana. Mas foi feito com tanta arte, que se transforma, realmente, em santuário. Na Mesquita, você não pode fazer gestos largos, nem apontar para os minaretes, nem vestir roupas que revelem ombros ou pernas. Se falar alto ou mesmo abrir os braços para tirar uma foto, um segurança se aproxima e adverte:

- Este é um lugar sagrado, tenha respeito.

Compreensível. Porque o objetivo da arquitetura da mesquita é o mesmo do de todas as catedrais: deixar claro ao ser humano como ele é pequeno diante da grandeza de Deus. De certa forma, alcança o que se propõe, porque você se sente minúsculo ante tanta imponência, mas, ao mesmo tempo, exalta a capacidade do homem de erguer coisas belas.

Esse é um serviço que prestam as religiões. Como a crença é intangível e invisível, os crentes sentem a necessidade de demonstrá-la em aço e pedra. É um sentimento que vem de longe: as 80 pirâmides que brotam das areias do deserto do Egito são monumentos eternos a uma devoção que há 2 mil anos não existe mais e o Muro das Lamentações é o pedaço sólido de uma fé que manteve um povo unido por 30 séculos, mesmo quando nem país esse povo possuía.

Você não vê os deuses, mas as casas que habitam, sim. Casas que foram feitas por homens. Que demonstram como a natureza humana pode ser divina. Que nós, afinal, podemos ser mais do que carne, ossos, aço e pedra.

DAVID COIMBRA

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