02
de maio de 2012 | N° 17057
JOSÉ
PEDRO GOULART
Programa de índio
Li
que o Fernando Meirelles desistiu de filmar Grande Sertão: Veredas porque
estava decepcionado com a bilheteria do filme Xingu, cuja produção assina. Pensei
falar algo a respeito, mas antes quis ouvir o próprio Fernando, e o que de fato
ele tinha a dizer a respeito. Ele me escreveu a seguinte resposta:
“Xingu
foi selecionado para o Festival de Berlim e teve ótimas críticas na imprensa
internacional. Isso nos animou. Quando começaram a sair as críticas no Brasil,
o tom também era muito animador e nas ‘sessões-teste’ que fizemos o resultado
foi o mesmo. Com isso, começamos a acreditar que o filme poderia cruzar aquela
famosa barreira do milhão de espectadores, que significa chegar a todas as
classes.
Foi
bastante frustrante ver os resultados do filme depois do primeiro final de
semana em cartaz e constatar que, apesar das salas lotadas e dos aplausos no
final das sessões, nos cinemas que costumam ter programação menos focada em
blockbusters, nas salas mais populares, nas cidades do interior e especialmente
no Rio Grande do Sul, o filme foi mal. Nossa avaliação é que o tema não
interessou. Ironicamente há uma fala do Jânio Quadros no filme que comenta isso.
Ele
diz para o Orlando Villas-Boas: ‘Ninguém gosta de índio no Brasil, Orlando’. O
curioso é que no site do filme há dezenas de comentários de gente que diz ter
ido praticamente forçada ao cinema e saído encantada.
Enfim,
depois dessa surpresa e vendo a lista de filmes que fazem grande público no
Brasil, fiquei extremamente desmotivado em embarcar no projeto que estava
planejando para o ano que vem, uma adaptação de Grande Sertão: Veredas, do
Guimarães Rosa. Seria muito esforço para, no final, fazer apenas 300 mil
espectadores. Nesta semana, resolvi tirar o time de campo.
Preciso
ressaltar que acho extremamente positivo o fato de muitas comédias estarem
fazendo um grande público no Brasil. Isso forma plateia para o nosso cinema,
movimenta, banca e profissionaliza nossa indústria. Diria até que estas comédias
são a boia salva-vidas do nosso cinema, só não tenho interesse pessoal em fazer
este tipo de filme.
Nos
próximos meses vou me dedicar ao lançamento de 360 e à filmagem do próximo
longa que começa em setembro na Inglaterra. Mais um filme internacional. Esta
por enquanto tem me parecido uma opção mais segura, ou ao menos, menos dolorosa.”
Isso
foi o que o Fernando Meirelles disse. Ele, que desde que Cidade de Deus ganhou
o mundo, fez longas fora, concorreu ao Oscar, entrou para o clube seleto dos
que filmam o que quiserem, onde quiserem. Mesmo assim, manteve o prumo alinhado
com o Brasil. Produziu filmes de outros diretores, alguns iniciantes, e produções
de porte, como Xingu. Mas agora, cansou. Como é um sujeito elegante, ele diz
que “as comédias são formadoras de público etc, etc”.
Na
verdade, digo eu então, trata-se de um público acomodado, viciado na rasa
dramaturgia televisiva imiscuída há décadas no seu dia a dia. E o poder é de
quem consome, se tem procura, tem oferta. E a oferta é abundante, por todos os
lados há sempre alguém pronto para entregar o fast- food cultural que público
parece desejar. É fácil. Lucrativo. As crianças gostam. A família se alegra. Nem
dá para sentir o gosto de veneno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário