
RECONHECIMENTO
O que motiva descendentes a obterem a cidadania
Gaúchos com origens no país europeu contam suas histórias e o que mudou após a documentação. Processo para obtenção ficou mais complexo após uma decisão do Conselho de Ministros da Itália, que restringiu acesso. A decisão traz apreensão a quem está na fila e precisa ser aprovada até 27 de maio
Marcos Cardoso
Uma estimativa do Consulado Geral da Itália em Porto Alegre aponta que aproximadamente 4 milhões de gaúchos são descendentes de italianos, o que dá a eles o direito de reconhecer a cidadania italiana. O número representa 36,7% da população do Estado - estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 10,8 milhões de pessoas vivendo no RS.
Esse processo, garantido pela lei 91 de 1992, pode ser feito de algumas formas diferentes. Via consulado, de forma judicial - quando há um processo contra o governo italiano -, e até mesmo indo ao país europeu. No entanto, em meio às celebrações dos 150 anos da imigração italiana no Estado, buscar esse direito, que é obtido desde o nascimento, tornou-se mais complexo desde o final de março.
No mês passado, o Conselho de Ministros da Itália aprovou o chamado "Pacote Cidadania", um conjunto de medidas legislativas propostas pelo Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional para reformar a regulamentação sobre cidadania. A medida restringiu as condições de naturalização por direito de sangue, limitando a obtenção da cidadania italiana a duas gerações. Após passar por comissões, o projeto deve ser votado no plenário do Senado italiano, possivelmente até 8 de maio, e depois vai ser encaminhado para a Câmara, onde precisa ser aprovado até o dia 27 de maio.
Para Vania Herédia, doutora em História das Américas, esse movimento do governo italiano é uma forma de negar o passado, uma vez que rompe com a história que se construiu ao longo desses 150 anos, baseada em uma identidade coletiva.
- Quando o Estado fornece a cidadania, ele é responsável por esse cidadão. Então, temos que ver o que está acontecendo com o Estado italiano neste momento, que tem um governo bastante voltado para a perda de direitos, para a população se dar conta do momento que o mundo está passando na questão geopolítica, não só em relação à Itália, mas à comunidade europeia.
Legado
E basta circular pelo RS, em especial na Serra, para perceber os legados deixados pelos imigrantes vindos da Itália desde 1875. Seja na identidade cultural, com o jeito de falar e os costumes, além da própria religião e a gastronomia. Vania, que foi professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), afirma que os descendentes se sentem mais italianos do que brasileiros:
- Se tu perguntares a origem, eles (os descendentes) não vão dizer que são brasileiros, vão dizer: "Sou de origem italiana". E o fato de ter essa identidade faz com que eles se sintam parte de uma história. Essa restrição da cidadania abre uma fratura em relação ao passado e ao presente.
Vania acredita que são diversos os fatores que levam os descendentes a buscarem a cidadania. Entre eles, se a busca por oportunidades no país de origem dos antepassados, conhecimento cultural e um resgaste da história familiar. _
As heranças de família
Em 1994, Rangel Redaelli, 46 anos, obteve a cidadania italiana. A família sempre manteve viva a ligação com as raízes, inclusive, é uma das fundadoras de Nova Milano, berço da imigração italiana no RS. Três anos após obter a cidadania, teve a primeira oportunidade de ir ao Velho Continente e ter um contato maior com a história.
Um ano após a viagem a passeio, foi morar na Itália. Publicitário, conseguiu um estágio. Fixou residência em Bréscia, por onde ficou por cinco anos. O momento é descrito por ele como "um divisor de águas na vida", uma vez que foi a época em que passou a mergulhar na história da imigração.
- Na Serra, ficou uma cápsula do tempo, coisas que se transformaram na Itália, algumas para o lado não tão bom de perdas de questões culturais, aqui ficaram congeladas. Nós temos hábitos e uma história congelada de 150 anos que lá pode ter se perdido. Por mais que eles mantenham, ela vai se misturando com outras histórias. _
Para entender as raízes
Assim que pisou na Itália para realizar o processo de reconhecimento da cidadania italiana, há sete anos, Guilherme Scolaro Viana, 31 anos, despertou o "jeito italiano", como define. Um processo que foi facilitado, pois uma prima da mãe já havia reunido os documentos necessários. Assim, o caxiense precisou pagar a tradução da sua parte e aguardar o reconhecimento, processo que fez no país europeu.
Ele optou por fazer o processo na Itália, onde morou de janeiro a março de 2018.Após a experiência, passou a entender mais as raízes. Ele não chegou a ter contato com possíveis parentes italianos, mas buscou entender mais sobre os costumes locais.
- Eu não tinha ainda despertado esse jeito italiano antes de ir para lá. Depois que fui, vi algumas diferenças e semelhanças, principalmente, com cultura e tudo que a liga. Tu te sentes muito parte daquilo porque é tua origem, a tua vida começou lá, parece que desenvolve outros gostos que ainda não tinha.
A frustração na fila
Foi no início dos anos 2000 que a jornalista Rosângela Longhi, natural de Bento Gonçalves e moradora de Caxias, teve o primeiro contato para entender como reconhecer o direito à cidadania. No entanto, questões pessoais e financeiras pesaram naquele momento.
No início de março de 2025, Rosângela estava feliz. Naquele momento, o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre havia anunciado a convocação das pessoas que estão na fila com as inscrições entre 16.001 e 17.000, e o seu número é o 17.420, ou seja, estava próximo de um chamado.
No entanto, no final do mesmo mês, com a aprovação do "Pacote Cidadania", os atendimentos no consulado em Porto Alegre foram suspensos. Há sete anos na fila, ela não esconde a tristeza com o momento:
- Muita frustração, porque eu venho acompanhando a fila do consulado desde 2018, e teve momentos em que a fila parou, deu uma murchada, agora deu uma informatizada, agilizou. Eu estava muito animada. Agora, o jeito é esperar. _
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