quarta-feira, 5 de maio de 2010



05 de maio de 2010 | N° 16326
JOSÉ PEDRO GOULART


Qualquer coisa

Escolha aí: jogar baralho, correr, andar de patins, comer, cuidar dos filhos, cozinhar, ter amantes, olhar o céu com um telescópio, fazer sexo três vezes ao dia, dançar, pular, escrever um diário, conversar, fuçar na internet, viajar, beber, fumar, ler, aprender, dormir. Ou tirar meleca do nariz, espremer as espinhas das costas do namorado. Enfim, qualquer coisa que funcione.

A constatação do último Woody Allen é dramaticamente simples: a felicidade está em contemporizar. Contemporizar com as coisas que nos dão prazer, desde que sejam lícitas. Simples? O drama é que isso coloca na lata de lixo um percentual altíssimo do produto das inquietações humanas até aqui.

Chegamos ao século 21 passando pelo domínio do fogo, das armas e de muitas vacinas. Visitamos uma lua árida e isso só confirmou as suspeitas de estarmos sós na vizinhança.

Há milênios as religiões tentam confirmar suas teses – algumas até que bem encadeadas –, mas fora da teoria, neca. As mais recentes conquistas tecnológicas como a internet encurtam a distância de tal maneira que só aumentam a claustrofobia.

Até quando durará a humanidade agregando conhecimento – há um novo Nobel a cada ano – enquanto joga um jogo sem saber as regras, mas que sempre termina com o jogador previsivelmente derrotado? Podemos espernear, reclamar, praguejar, rogar aos céus, podemos julgar, explicar ou condenar, isso não muda nada.

Woody Allen produziu uma vasta obras sobre estas questões. A maioria das vezes com humor. Algumas falou a sério, mas no fim de tudo sempre carregou na ironia e na autodepreciação; riu de suas obsessões, seus traumas, neuroses – riu do ser humano que é. Existe outra maneira?

Cuidado com os pregadores – cuidado com os conhecedores, espumava Bukowski no meio de um poema atravessado. E também cuidado com os esnobes eruditos, ou os presunçosos do lugar-comum. Quem haverá de dizer “o” que pode dar certo?

Tudo Pode Dar Certo (ou a tradução do título original, “Qualquer coisa que funcione”) é um filme de um autor que “sabe” que “não sabe”. Não há receita. Não há um verdade a ser revelada.

O que há é uma suspeita de que o acaso e a surpresa são mais importantes do que imaginamos. E a paixão, a única contribuição que nós podemos atribuir a qualquer coisa que funcione. Simples. Ou não?

A propósito, na próxima quinta-feira, dia 13, às 19h30min, no Dado Bier do Bourbon Country, o Paulo Sérgio Guedes irá lançar o seu novo livro, A Paixão – Caminhos e Descaminhos. Ficha um.

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