terça-feira, 30 de julho de 2024


SUSTENTABILIDADE

Agroflorestas crescem no Estado e se tornam alternativa após cheia

Sistema no qual árvores, cultivo de alimentos e até criação de animais ocupam o mesmo espaço vem se multiplicando no Estado nos últimos anos e é visto como estratégico diante das mudanças climáticas. Método permite a recuperação de áreas degradadas e pode auxiliar na contenção de cheias.

Um modelo de produção agrícola que, por meio da combinação de espécies, permite a recuperação de áreas degradadas em cidades. Embora o conceito não seja novo, os sistemas agroflorestais (SAFs) vêm sendo apontados, após a tragédia climática sem precedentes no Rio Grande do Sul em maio, como uma alternativa resiliente que contribui para conter cheias, manter a temperatura mais amena e, em casos de secas extremas, segurar a umidade. Além disso, o padrão é conhecido por auxiliar no controle de pragas e contribuir para a fertilidade do solo.

O sistema agroflorestal combina árvores perenes, que se mantêm ao longo do tempo, com plantas agrícolas de ciclo curto e até mesmo a criação de animais. Vários fatores devem ser considerados nesse consórcio, como o ciclo, a altura das plantas, a necessidade de sombreamento e a disponibilidade de água.

A certificação agroflorestal extrativista é disponibilizada desde 2013 pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema). Conforme o órgão, atualmente há 236 áreas cadastradas, com cerca de 1,5 mil hectares. Já dados do último Censo Agropecuário, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, apontam um crescimento de 23,6% nos estabelecimentos com SAF no Estado em um comparativo com 2006.

As experiências de sistemas agroflorestais no Estado envolvem, por exemplo, citricultura (no Vale do Caí), bananais (no Litoral Norte), erva-mate (na região nordeste) e doces coloniais, como compotas e geleias (no Sul).

A coordenadora adjunta do Mestrado em Ambiente e Sustentabilidade da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e pós-doutora em sistemas agroflorestais Adriana Carla Dias Trevisan aponta que os sistemas agroflorestais são pensados a partir de desenhos técnicos, ou seja, há um planejamento para sua implementação, dependendo de características da região, do solo e até do vento.

- Eles têm como uma das premissas justamente a diversidade, enquanto o sistema produtivo tradicional da agricultura reduz essa pluralidade. Trabalha-se com plantas de diferentes alturas e necessidades nutricionais. A grande cereja do bolo é saber compor espécies que vão ser complementares entre si, e não vão competir - explica, lembrando que o modelo é utilizado há séculos por comunidades tradicionais indígenas.

Segurança alimentar

Os sistemas agroflorestais também servem como estratégia de segurança alimentar. Quando uma das espécies cultivadas sofre com a chuva ou uma praga, por exemplo, as demais permanecem como opção.

De acordo com a coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público (MP), procuradora de Justiça Ana Maria Moreira Marchesan, os SAFs têm potencial para entrar em projetos voltados à recuperação de áreas degradadas. Estão em estudo parcerias com a Emater e com universidades, além do uso do Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), para o desenvolvimento de novas agroflorestas. _

"Em um canteiro, é possível chegar a colher cinco culturas"

Um exemplar de sistema agroflorestal fica na zona rural de Porto Alegre, no extremo sul da Capital: é o Sítio Natural, no bairro Lami, idealizado por Roger Vianna, 46 anos, e Cristine Saldanha, 44, a partir de 2013. Cinco anos depois, o SAF começou a tomar forma.

- Inicialmente, arrendamos esta terra para ter um espaço na natureza para passar os finais de semana, além de plantar uma horta e pomar. O espaço antes era utilizado para pastagem de vacas, com um solo bem compactado, uma área bem degradada, e também não tínhamos muita água para irrigação - lembra Cristine.

O modelo foi apresentado por um amigo do casal. Eles decidiram, então, realizar um curso e implementar a proposta. Descobriram que era a solução que precisavam e seguem utilizando até hoje, inclusive participando de feiras orgânicas no bairro Tristeza, aos sábados.

- O sistema reduz muito a necessidade de irrigação e insumos, por exemplo. Eu digo hoje que, para a agricultura familiar, não existe sistema melhor que a agrofloresta, principalmente pela diversidade dela. Em um canteiro, é possível chegar a colher cinco culturas - acrescenta.

Atualmente, a propriedade de 10,6 hectares esbanja variedade: há cultivo de bergamotas, bananas, hortaliças, laranja, batata-doce, temperos, chás, maracujá, pimentões, erva- mate, entre outros.

- Estamos sempre fazendo testes, vendo o que é melhor. Vivemos na agrofloresta e eu digo que ela é um vício. Tu não consegues mais parar de fazer - conclui Cristine. 

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