sábado, 6 de julho de 2024



SÍMBOLO DA RETOMADA

O aguardado reencontro da torcida do Inter com o time no Gigante será neste domingo, às 18h, em jogo contra o Vasco, pela 15ª rodada do Brasileirão. Força-tarefa que envolveu 600 pessoas acelerou a recuperação de estruturas do estádio danificadas pela enchente de maio no RS

Talvez não seja correto, por definição, dizer que o Beira-Rio passará por uma terceira inauguração. Mas o sentimento é esse. Depois da abertura, em 1969, e da reforma para a Copa do Mundo em 2014, a reabertura de 2024 tem um significado especial para o clube. Recuperar o estádio é recuperar também a autoestima do colorado. E, de certa forma, do gaúcho.

Toda a história da enchente do Beira-Rio é um tipo de resumo do que viveu o RS. A água começou a causar problemas no Estado nos últimos dias de abril. No feriado de 1º de maio, chegou em Porto Alegre. O estádio, até 4 de maio, era um dos principais pontos de coleta de donativos da Capital. Milhares de carros se dirigiam ao Gigantinho, onde o Inter havia montado uma espécie de drive-thru para doações. A partir daquele sábado, a casa colorada deixou de ser um foco de solidariedade para virar mais uma vítima da enchente. De 6 a 12 de maio, o gramado ficou submerso.

Quando a água regrediu, entrou em cena outra faceta gaúcha, a da resistência. Assim que foi possível, começou a limpeza. O clube montou um planejamento e uma força-tarefa para recolocar a casa em ordem. Conforme a situação permitia, aumentava o número de funcionários. E, assim, o Inter chegou a 600 pessoas trabalhando ao mesmo tempo, em três turnos (com eventuais horas extras na madrugada).

- Foi chocante. Estávamos lá ajudando a arrecadar doações, organizando e distribuindo. Então tivemos de parar às pressas e nós que passamos a sofrer com a enchente. Foi muito triste ver nossa casa daquele jeito - conta o vice-presidente de Administração do Inter, André Dalto, que também participou ativamente dos resgates em Porto Alegre.

Desafio

- Depois que a água baixou, vimos que ainda existia grama. Então lavamos, removemos a lama, desinfetamos e tratamos por 10 dias. A equipe trabalhou de domingo a domingo, das 7h às 19h, no mínimo. Ressemeamos a grama de inverno no início de junho. Os últimos dias de chuva, agora, prejudicaram. É uma área de 9 mil metros quadrados dentro de um espaço urbano em uma arquitetura fechada. Ainda vai melhorar, mas está apto. Foi o maior desafio que enfrentamos - diz, profissionalmente, até admitir:

- Tratamos tudo com amor e carinho. É o que dá misturar a nossa profissão ao nosso time.

Por esse trabalho todo, o Inter planeja uma série de atividades para essa reabertura. Antes da entrada dos times em campo, os funcionários que participaram na reconstrução receberão uma homenagem no gramado. Para isso, a direção pede que a torcida entre cedo no estádio, para aplaudir os trabalhadores. As camisas que os atletas usarão serão leiloadas. E os objetos do jogo (copos, camisetas e canecas), que terão uma marca especial, alusiva à construção do estádio, em 1969, também poderão ser comprados pelos mais de 40 mil colorados esperados para domingo.

Essa memória de 1969, é claro, estará presente. O sonho de José Pinheiro Borda, o português que chegou a Porto Alegre e se apaixonou pelo Inter, ganhará mais um capítulo. Logo ele, que fez o projeto e não viu o estádio pronto.

- Meu pai sempre contou que Borda morreu no colo dele, no hospital. Meu pai foi uma espécie de filho que ele não teve, ficou com ele até o final - conta João Patricio Hermann, filho de Eraldo Hermann, um dos integrantes da comissão de obras do Beira-Rio. Eraldo morreu em 2018.

A comissão que planejou e construiu o Beira-Rio serviu de inspiração para Giovanni Luigi tomar decisões na hora de reformar o estádio, por exigência da Fifa. O ex-presidente montou um grupo de trabalho com especialistas em diversas áreas, especialmente construção civil e jurídica.

- Convidei colorados que talvez nem tivessem votado em mim, mas precisava me cercar dos melhores para não errar na reforma - conta o ex-presidente.

Cicatrizes

- Contratamos uma empresa de Curitiba cuja missão era fiscalizar a obra. Não poderia entrar qualquer item no Beira-Rio sem que passasse pela anuência deles. Tenho uma cadeira, na minha casa, que estava fora do padrão. Até isso foi vistoriado. Por isso, sabia da qualidade da construção, dos materiais - explica.

Giovanni Luigi resume, também, o sentimento de cidadão que terá no domingo:

- O aeroporto, a rodoviária, o trensurb, o Mercado Público e os estádios são ícones de Porto Alegre. É uma tristeza ver o que passamos. Ao mesmo tempo, a retomada do Beira-Rio realimenta a esperança.

O ex-dirigente lembra também da força esportiva, algo que foi falado pela geração atual. Jogar em casa faz diferença, e foram cinco partidas (três do Brasileirão e duas da Copa Sul-Americana) sem o Beira-Rio.

- Precisamos da torcida. Insisto nisso. Só assim poderemos seguir adiante - pediu Coudet.

Quem for ao Beira-Rio verá um estádio ainda em reconstrução. O gramado não estará naquele padrão colorado, algumas catracas não serão usadas, o som ficará prejudicado e o telão não terá a resolução de sempre. André Dalto ilustra:

- Ainda temos cicatrizes.

Para curá-las, o Inter terá seu povo. O maior aliado do clube. O responsável por colocar em prática o plano de Borda. Quando tudo era água mesmo. _

O Inter deixou de mandar cinco jogos em seu estádio desde a enchente

RAFAEL DIVERIO

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