quarta-feira, 24 de julho de 2024


24 de Julho de 2024
MÁRIO CORSO

Dia do Amigo

Sim, eu sei, o Dia do Amigo foi sábado passado. Ando em marcha lenta, então sai atrasado. Mas vamos ao tema, o que é um amigo?

Um dia, trabalhando, no intervalo entre um paciente e outro, vejo inúmeras chamadas da Diana, minha mulher. Quando ligo, ela só diz para vir correndo ao Hospital Mãe de Deus. Peguei um Uber para poder desmarcar as próximas consultas e não perder tempo estacionando. Eu já sabia o que me esperava. Meu amigo Miguel estava morrendo, queria se despedir.

Quando cheguei no hospital, a médica estava na recepção e me fez entrar sem identificação. Consegui chegar a tempo para segurar a mão dele. Era uma despedida por toque e olhares, ele tinha dificuldade de articular a fala. Minutos depois, a equipe médica, com cara de quem perdeu o jogo, o levou para nem sei qual procedimento.

Estava tão preparado quanto possível, a doença dele vinha de tempo. Mas apesar de arrasado, eu não sentia nada. Era como se aquilo não estivesse acontecendo. Algo trancou meu painel de emoções. São aquelas emoções que só podemos viver depois, senão sucumbimos.

Então surge o sublime inesperado. Os anjos, os médicos, a equipe do hospital, a força vital do meu amigo, não sei em que ordem ou proporção - já aproveito para agradecê-los mais uma vez -, deram o drible da vaca na Dona Morte. Ele sobreviveu ao dia, à semana, ao mês e segue vivo até hoje.

A história é o contexto para pensar em uma fala do Miguel no dia da morte não acontecida. Uma amiga e a Diana chegaram antes. Já estavam lhe dando o conforto da presença. Para elas o Miguel pedia que chamassem o Miguel. Ao que a Diana corrigia: chamar o Mário? Ele concordava e reforçava: sim, chamar o Miguel. Por fim o "eu Miguel" cheguei.

Por mais que Miguel estivesse confuso, a fala é verdadeira. A história se presta para mostrar que um amigo é aquela parte de nós que habita no outro. Ou, como diria Aristóteles, é uma alma que mora em dois corpos. De qualquer forma, Miguel precisava de mim para sentir-se inteiro. Ele tinha razão, só quem morre cercado dos seus queridos parte íntegro, com seus outros eus presentes.

Combinei com Miguel, daqui em diante provaremos nossa conexão sem morrer. Nenhum dos dois.

MÁRIO CORSO

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