05 DE OUTUBRO DE 2019
CARPINEJAR
Não finjo o que não tenho
Eu só entro em lugares que posso pagar. Não invento de sofrer até a fatura chegar. Não banco o magnata de araque.
Não vale a pena economizar no seu pedido, solicitar ao garçom o item mais singelo, tomar água, dispensar a sobremesa, e, no final da noite, alguém ter a maldita ideia de dividir a conta de modo igual a todos presentes. Ou seja, arcará com vinho que não bebeu, com as benesses que não desfrutou, com os caprichos que apenas sentiu o cheiro ao lado.
Enrolou o máximo de tempo para não terminar rápido a sua porção comedida, contentou-se com uma salada que jamais comeria em casa, sufocou a fome, aguentou os vizinhos de cadeiras se servirem à vontade e repetirem as suas oferendas, nem quis o expresso para não sobrecarregar mentalmente a fatura, e caiu no conto da democracia financeira.
Aquele que poupa para si sempre é vítima preferida da mesa. Pelo medo de desagradar, afunda no especial e assume juros incontroláveis. Sustenta a gula alheia com a sua timidez. O que era para ser uma diversão torna-se um tormento.
Não tento exibir mais do que tenho. Acredito que as pessoas gastam fortunas para parecerem ricas.
É um princípio de vida. Sei o meu tamanho e não me perco na inveja. Não chego às raias da avareza, mas tampouco finjo generosidade. A falta de confiança traz constrangimentos letais. Nem sempre fui leal aos meus limites. O orgulho desconhece o fundo da conta.
Lembro que, ainda universitário, saí com a família para comemorar o aniversário da mãe em um restaurante chique italiano. No final, a minha irmã me provocou:
- Hoje é o Fabrício que vai pagar a conta. Óbvio que não podia abraçar a consumação aloprada de 10 convidados. Mas vá explicar isso para a raiva.
Em vez de me recolher a minha insignificância, aceitei a provocação como um desafio e assinei um cheque muito além das minhas economias. Pretendi calar a boca da família sobre a minha instabilidade de estudante de Jornalismo, esconder a penúria de preferir o xerox à aquisição de livros e afundei em uma série de vexames.
Para quê? O cheque voltou, corri atrás do restaurante e tive que renegociar a dívida em humilhantes cinco parcelas. A dona do lugar só faltou me contratar para lavar os pratos.
CARPINEJAR
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