quarta-feira, 2 de outubro de 2019


02 DE OUTUBRO DE 2019
DAVID COIMBRA

Lula não quer ser livre e Moro acabou preso

Nós temos muito a aprender com os grandes acontecimentos da política brasileira. Sério. Podemos adquirir ensinamentos importantes para a nossa vida, olhando para personagens como Lula, Moro, Bolsonaro e Dilma.

Quer ver?

Pense nesse último movimento de Lula: ele não quer sair da cadeia, fala em dignidade e tal. Parece uma tolice orgulhosa. Não é. Se sair da cadeia, ele perde a bandeira. Por que alguém vai gritar "Lula livre", com Lula estando livre?

Na cadeia, Lula é uma causa. Em casa, ele volta para a planície, torna-se um comum.

Lula gosta de se comparar a Getúlio Vargas. O discurso que fez antes de ser preso teve óbvios momentos de inspiração na carta-testamento que Getúlio deixou em 24 de agosto de 1954, quando deu um tiro de 32 no próprio coração. O uso de ideias da carta por Lula foi apropriado, porque sua prisão funcionou como o suicídio de Getúlio. Sem a mesma dramaticidade e sem tanta comoção popular, é claro, mas com efeito semelhante.

O suicídio salvou a imagem de Getúlio e o elevou à condição de vítima no imaginário popular. A prisão de Lula, quase isso. É verdade que a maior parte da população o considera culpado, mas seus apoiadores ganharam um conveniente discurso de perseguidos pelo sistema. Hoje, o único projeto do PT é a libertação de Lula. Na cadeia, Lula é visitado por líderes da esquerda do mundo inteiro, por artistas, por autoridades. Preso, ele concede mais entrevistas do que quando estava solto. E o melhor: só para jornalistas amigos.

Imagine se Lula não tivesse sido preso. Se ele tivesse disputado a eleição. As pesquisas apontavam que iria para o segundo turno, mas será que venceria? Lula nunca fez uma votação como as duas de Fernando Henrique, que se elegeu em primeiro turno. Ele teve de se esforçar para vencer, mesmo na reeleição, contra um candidato insosso, como Alckmin. Em 2018, desgastado, sem o voto da classe média, duvido que conseguisse se eleger, fosse quem fosse seu adversário.

Aliás, pense agora no adversário. Se Lula não tivesse insistido em sua candidatura até o final, Bolsonaro provavelmente não se elegeria. Foi a pressão de Lula, jurando que seria candidato, que assombrou a classe média e fez Bolsonaro crescer. Logo, Bolsonaro deve a Presidência ao grupo político que mais odeia. O PT foi a bênção de Bolsonaro.

Recuando mais um pouco, vamos analisar o caso de Dilma: o impeachment foi a melhor coisa que aconteceu ao PT, antes da prisão de Lula. Se Dilma tivesse completado o mandato, teria saído do governo completamente desmoralizada, em meio à acerba crise econômica e ao total abandono político até do seu partido. Tendo sido impedida, ela saiu queixando-se de ter sido injustiçada e o PT pôde protestar: "É golpe!".

Finalmente, olhemos para Sergio Moro. No momento em que ele aceitou o cargo de ministro da Justiça, gravou um estigma na própria testa. O ministério não foi uma promoção; foi um rebaixamento. As revelações de sua parceria com o Ministério Público seriam inócuas e irrelevantes, se ele tivesse continuado na magistratura. Mas, ao assumir como ministro de Bolsonaro, ele enveredou por um caminho de onde dificilmente encontrará retorno: o da política partidária. Por mais que os políticos o odiassem, Moro era um técnico, seu trabalho era pouco afetado por eles. Hoje, Moro depende deles. Hoje, politicamente, Moro está mais preso do que Lula.

Observe, pois, cada um desses personagens, leitor: o que lhes parecia péssimo acabou sendo bom; o que parecia ótimo acabou tornando-se ruim. Assim é com você, comigo, com todos nós: nem sempre a dor é sinal de doença; nem sempre o riso é sinônimo de felicidade.

DAVID COIMBRA

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