04 DE JUNHO DE 2019
CARPINEJAR
Quando dei conselhos ao meu irmão mais velho
O ouvido não capta tudo na infância.
Quando tinha seis anos, minha mãe disse que o Rodrigo precisava de meus conselhos. Vivia muito briguento. Excessivamente irritado. Sem paciência para fazer os temas e batendo a porta do quarto assim que chegava da escola.
Eu entendi quase a ladainha inteira. Quase. Peguei de raspão "meus conselhos" (desconhecia a palavra) por "meus selos", o meu passatempo predileto.
Com custo e sacrifício, separei parte da minha coleção para oferecer ao mano. Nem questionei a injustiça. Comprava os selos na banca da rodoviária com o que economizava da merenda. Não gastava nada no recreio para acumular moedas e adquirir as cartelas no sábado de tarde, acompanhando o pai em seu passeio pelo centro de Porto Alegre.
Deveria pagar um resgate para ter o Igo (seu apelido) de volta ao convívio. Para ele, busquei escolher as peças duplas, as menos avaliadas em guias de colecionadores, as mais novas, as da América do Sul, tentando reduzir os danos. As horas da madrugada doíam com a peneira na mesinha da sala. Às vezes, fingia ímpar ou par entre duas figurinhas para decidir qual ia.
Protelei ao máximo a tarefa. A mãe já me cobrava:
- Falou com o Rodrigo? Descobriu o que era?
Precisei tomar coragem, assim como engolia xarope ruim, com gosto de peixe, em momentos de febre. O irmão estava mal. Não podia só pensar em mim. Depois conseguiria recuperar o material novamente.
Entreguei para o mano uma série de 20 envelopes.
- Aqui está parte da minha coleção de selos para você ficar feliz.
Ele me olhou assustado, abriu os papeizinhos, e perguntou o que significava aquilo.
- Você é mais importante do que aquilo de que mais gosto na vida.
E me abraçou chorando pelo presente, nunca vi meu irmão mais velho chorar.
A mãe me cumprimentou dois dias depois.
- Não sei qual conselho você passou para o Rodrigo, mas funcionou, é outra pessoa.
Aprendi duas coisinhas na infância: dar um presente para quem sofre é o melhor conselho e o ouvido da criança é o coração.
CARPINEJAR
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