sábado, 1 de junho de 2019


01 DE JUNHO DE 2019
CHRISTIAN DUNKER

O DINHEIRO QUE DESTRÓI CASAMENTOS

Independentemente de como a chamemos, amasiamento, união estável ou casamento, a vida comum vem com certos problemas regulares. Entre eles, o segundo que mais tipicamente destrói ligações é a forma como lidamos com o dinheiro. Isso acontece porque uma forma de vida envolve sempre uma certa equação entre desejo, linguagem e trabalho. 

Ocorre que, nestes novos tempos neoliberais, as regras que interiorizamos em nossa vida laboral expandem-se para dentro da vida do casal, que se torna assim cada vez mais contratualizada e regida por apreciações do tipo custo-benefício. Isso não é uma absoluta novidade desde que o casamento é um dispositivo jurídico, mas também uma unidade econômica. Muitos casais persistem ao longo do tempo porque sentem, cada qual, que as realizações do parceiro, que tanto sacrifício demandam dos dois, são também sucessos compartilhados mutuamente.

Ainda assim, o assunto é pouco discutido entre os casais, fora da crise. Crise, aliás, para a qual a ausência de conversa sobre o assunto costuma nos levar, cedo ou tarde. Freud dizia que cada qual se relaciona com o dinheiro de forma análoga ao modo como lida com sua sexualidade. Há os sovinas e os generosos, os que estão sempre em dívida e os que não resistem aos impulsos. Alguns escondem tudo embaixo do colchão, outros gostam de viver no risco da bolsa de valores e os que optam pela poupança. 

Usualmente cada um tem sua política nessa matéria e imagina que esta é a melhor e única e que o outro, cedo ou tarde, acabará reconhecendo isso. Mas a Lei Universal do Mútuo Merecimento dos Casais mostra que isso é um engodo que acaba custando caro. Geralmente escolhemos um parceiro que tem uma política diferente da nossa. Isso acontece porque, se fosse para ficar em família, no que já sabemos e conhecemos, para que casar?

Aqui temos uma interveniência muito interessante e bem-vinda junto com os novos tempos. Os casais raramente têm ganhos realmente equivalentes, e o problema aumenta ainda mais quando consideramos trajetórias mais longas, feitas de desempregos sazonais, ascensões e reveses profissionais. 

A matéria tem suas fórmulas consagradas no passado, que ainda nos assombram, por exemplo: o marido dedica-se ao trabalho, e a mulher, aos cuidados da casa. Ele galga reconhecimento público, ela aparece como um suplemento privado e dependente, tantas vezes mentiroso, como nos mostra o filme A Esposa. Essa montagem comporta muitas variantes: a mulher que administra o dinheiro da casa, a conta conjunta, o que domina e governa pelo dinheiro, a troca tácita ou explícita entre dinheiro e sexo.

Ainda que consideremos os casais homoafetivos, persiste o problema de que muitas vezes um ganha mais do que o outro. Como fazer com essa diferença? Quem ganha mais paga mais? Quem ganha menos veta o restaurante? Dada a conexão entre sexualidade e dinheiro, associada ao histórico de desigualdade, muitas vezes casamentos não conseguem sobreviver ao fato de que a mulher ganhe mais do que o homem. 

Como se isso ofendesse a virilidade mortalmente, ou do outro lado, a vergonha latente de que estar sustentando o outro, como que a comprar seu amor e daí torná-lo inautêntico. De toda forma o assunto do dinheiro é urgente, e colocá-lo na pauta das políticas íntimas deveria fazer parte do seguro-saúde de qualquer casamento.

CHRISTIAN DUNKER

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