19 DE MAIO DE 2018
CLÁUDIA LAITANO
A TIRANIA DAS MÉTRICAS
Houve um tempo em que gente "de humanas", como eu, poderia passar a vida inteira sem jamais ser cobrada por metas e métricas. Doces tempos. De alguns anos para cá, não há área a salvo da cobrança de desempenho baseada em números e estatísticas.
A ideia, em si, não é ruim. Ser capaz de coletar grandes quantidades de dados e analisá-los em profundidade é um dos grandes avanços proporcionados pela tecnologia. O problema é que números nem sempre dão conta de toda a história - e lidos de forma apressada podem, inclusive, distorcer a realidade e piorar a qualidade de determinados serviços. Esse é o ponto de partida do livro The Tyranny of Metrics ("a tirania das métricas", em tradução livre), do historiador Jerry Z. Muller, lançado neste ano nos EUA.
E por que um historiador resolveu escrever sobre métricas? Porque, como muitos de nós, humanos inseridos no mercado de trabalho em 2018, ele não aguentava mais ouvir falar delas. O autor chefiava um departamento de uma universidade particular americana quando começou a ser abduzido de suas funções principais (dar aulas, pesquisar, orientar outros professores...) por estatísticas e planilhas de dados - muitos deles tão relevantes quanto saber o número de vezes que a letra C aparece no título de filmes que ganharam o Oscar. Toda a experiência adquirida pelo professor em anos de chefia de departamento subitamente importava menos do que aquilo que os gráficos apontavam - enquanto as pessoas contratadas para interpretá-los, às vezes com pouco ou nenhum conhecimento sobre a área que estavam quantificando, eram encarregadas de tomar as decisões mais importantes.
Quando começou a pesquisar mais sobre o assunto, aquilo que parecia um problema pessoal acabou se revelando uma espécie de neurose contemporânea, presente em quase todos os campos profissionais. Na introdução do livro, o autor usa como exemplo da atual "saliência das métricas" uma das subtramas da cultuada série The Wire (2002-2008), que mostra comandantes de polícia obcecados por estatísticas positivas (para apresentar aos seus chefes) e policiais inventando gambiarras para aumentar os índices de crimes resolvidos e diminuir o de vítimas. Já na série médica britânica Bodies (2004-2006), são os médicos que se recusam a atender pacientes em estado crítico para não afetar sua taxa de eficiência.
Muller insiste que não é contra as métricas, mas sim a favor do bom senso. Há coisas que podem e devem ser medidas, algumas que não vale a pena medir e outras que, quando medidas, podem produzir conhecimento distorcido, induzindo a deciões que parecem lógicas para quem não leva em conta todos os aspectos envolvidos.
O que o autor defende é que, no mundo dos gráficos e das planilhas de Excel, não se desvalorize a autonomia profissional. As métricas são ferramentas úteis para professores, médicos, policiais, jornalistas, mas podem virar armas letais nas mãos de quem acredita que os números dispensam o uso da inteligência.
CLÁUDIA LAITANO
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