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ANTONIO PRATA
#primeiroassedio
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Um crime de tal forma disseminado em nossa sociedade não se perpetuaria impune e silencioso sem o machismo amplo, geral e irrestrito que reina por estes costados. Eis a razão para que, de tempos para cá, muitas mulheres venham advogando tolerância zero com cantadas de rua, assovios e aquela chupada grotesca – “Sfffrrrrrrrr” – de quem tá tentando tirar carne dos dentes sem o auxílio de um fio dental.
É evidente que quem assovia para uma mulher não comete ato equiparável ao estupro, mas é o caldo de cultura do “fiu-fiu” que arruma a cama para o abuso do titio – e do padrasto, do pai, do chefe, do serial-encoxador de transporte público, do covarde anônimo num terreno baldio. O estupro é apenas o ato mais extremado nascido da convicção de que qualquer manifestação do desejo masculino deve prevalecer sobre o incômodo (ou horror) que ele possa causar às mulheres.
Tal convicção explica por que, no dia 20 de outubro, durante a exibição do MasterChef Junior, alguns tuiteiros se sentiram à vontade para divulgar ao mundo piadas de cunho sexual com uma das participantes do programa, de 12 anos. Se, com todo mundo olhando, temos o desplante de rir imaginando a violação de uma menina de 12 anos, o que não fazemos quando não há ninguém por perto?
A hashtag #primeiroassedio, criada pelas feministas do grupo Think Olga, em resposta aos tuiteiros do MasterChef, respondeu dolorosa e corajosamente à pergunta. Em poucos dias, a hashtag fez surgir nas redes sociais mais de cem mil relatos de mulheres sobre abusos sofridos na infância e na adolescência, escancarando a realidade dantesca que as meninas brasileiras sempre enfrentaram em silêncio. Desde então, minha timeline se transformou num bizarro patchwork de amigas, parentes e colegas sendo abusadas, de todas as maneiras, aos sete, nove, doze anos, por tios, amigos dos pais, vizinhos, desconhecidos. Não tinha ideia de que a situação era tão grave, nem tão próxima.
Mais assustador que os relatos no #primeiroassedio, os comentários no Masterchef e os dados do primeiro parágrafo, talvez só o fato de que a maior indignação em torno da violência contra a mulher, nos últimos tempos, tenha sido o tema cair na prova do Enem. Neste país de meio milhão de estupros, parece haver mais preocupação em atacar o nosso incipiente feminismo do que em iluminar as contradições do nosso torpe patriarcalismo.
Preocupação, aliás, absolutamente desnecessária, pois luminares da civilização como Cunha, Feliciano e Bolsonaro estão conseguindo reverter, em alguns meses, as poucas conquistas das últimas décadas, logrando preservar, assim, as bases da tradicional família brasileira – estupro incluído.
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