sexta-feira, 23 de outubro de 2015



23 de outubro de 2015 | N° 18333 
DAVID COIMBRA

A própria Terra


Estava lendo sobre um cara chamado Richard Lee Armstrong. Um cientista. Ele passou muitos anos estudando a crosta terrestre, que, você sabe, é a camada externa do nosso amado planeta azul. É como se fosse a pele da Terra. É bem fina, se você pensar em todo o corpo, mas nós, que sobre ela vivemos, ainda não conseguimos atravessá-la com nossos equipamentos, apesar de toda a tecnologia concebida pela civilização. A crosta tem dezenas de quilômetros de profundidade, e o buraco mais profundo que já cavamos não alcançou 15 quilômetros.

Há muito chão debaixo de nossos pés, essa a verdade. Imagine que, se você realizar aquela fantasia de infância e perfurar um túnel em linha reta até o Japão, os japoneses perplexos só verão sua cabeça emergir do solo de Tóquio depois de 12.700 quilômetros. É uma longa viagem. Pense que de Boston a Porto Alegre são pouco mais de 8.300 quilômetros, e é longe...

Então, o que estava dizendo é que nós sabemos muito pouco sobre a Terra, e esse geólogo, esse Armstrong, concluiu que a crosta foi formada num processo que ele denominou de irrupção prematura, um evento mais ou menos rápido, que ocorreu quando o planeta estava sendo criado, há uns 4 bilhões de anos, talvez um pouco mais.

Certo. O problema é que vários outros cientistas discordavam de Armstrong. Eles achavam que a crosta da Terra foi preparada lentamente, numa espécie de fogo brando. O que você acha disso tudo?

Coisa nenhuma, não é? Você está pouco ligando para a maneira como a crosta da Terra se formou, desde que continue respirando alegremente acima dela e abaixo do sol. E você está muito certo. Não há nenhuma razão lógica para você se inquietar com isso. Mas, para Armstrong, havia. Ele consumiu seus últimos 30 anos de existência discutindo ferozmente com os outros geólogos a respeito. Foi um debate tão amargo, tão pessoal, tão visceral, que arruinou a vida de Armstrong. Ele morreu infeliz, usando seus últimos suspiros para vociferar contra os adversários.

Valeu a pena?

Não. Não valeu a pena, porque, apesar da grande causa, a vida se tornou pequena.

E a causa era grande mesmo, era a própria Terra, o planeta em que vivemos e ao qual somos tão apegados. Poucas coisas no mundo são maiores do que o próprio mundo.

Mas é assim que é. Não importa o tamanho da causa: se você ficar amargo por causa dela, perderá, ainda que ganhe. Nenhuma bandeira, nenhuma luta, nenhuma ideologia vale uma alma ressentida. Um homem importante já disse, e Richard Armstrong não aprendeu: de nada adianta ganhar o mundo inteiro se você perder a própria alma.

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