segunda-feira, 31 de outubro de 2011



Casa Fernando Pessoa assinala aniversário Drummond de Andrade

O aniversário do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade é assinalado hoje, em Lisboa, na Casa Fernando Pessoa, com o «Dia D», inteiramente dedicado ao escritor, numa associação ao Instituto Moreira Salles, do Brasil, que lançou a iniciativa.

A estreia mundial do documentário «Consideração do Poema», sobre o escritor, prevista para as 18:30, culmina a jornada iniciada às 10:00, com a projeção do filme «No Meio do Caminho», feito a partir da leitura do poema homónimo de Drummond de Andrade em diferentes línguas, segundo a programação anunciada pela Casa Fernando Pessoa.

«Consideração do Poema» estabelece um panorama sobre a obra de Drummond de Andrade, a partir de leituras feitas por figuras da cultura brasileira, como o escritor e compositor Chico Buarque, os músicos Caetano Veloso e Adriana Calcanhotto, as atrizes Fernanda Torres e Marília Pera, o filósofo e poeta Antonio Cícero e o escritor Milton Hatoum.

Diário Digital / Lusa

Feliz Dia das Bruxas pra você. Gostosa semana


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31 de outubro de 2011 | N° 16872
KLEDIR RAMIL


Soprômetro

Um amigo meu, cantor famoso cujo nome prefiro omitir, foi pego na blitz da Lei Seca no Rio de Janeiro. Era sexta-feira, de madrugada, exatamente um dos horários em que a Polícia Militar costuma montar sua operação para pegar os motoristas que insistem em dirigir embriagados. Aliás, iniciativa que tem dado ótimos resultados, diminuindo o número de acidentes de trânsito.

Meu amigo estava com os olhos vermelhos, segundo ele, de cansaço. Tinha ido deixar a filha numa festa na Marina da Glória e andava sofrendo de labirintite. Não sei, não posso dizer nada. Só sei que ele tem um comportamento instável e toma comprimidos tarja preta para equilibrar seus distúrbios emocionais.

Bem, é possível também que ele tenha fumado alguma coisa não permitida por lei. É possível, não sei. Mais do que isso é especulação. Só tenho o depoimento dele, que pode ser fantasioso. E as matérias que li nas revistas.

Ao ser parado na blitz, abriu a janela do carro e falou: “Não sei se você está me reconhecendo, eu sou o fulano de tal, cantor da MPB... E não bebo”. O policial, que era mais chegado ao pagode, desconsiderou as credenciais do artista e fechou a cara: “Documentos do veículo, por favor”.

Meu amigo ficou enfurecido e desceu do carro gritando: “Eu já falei que não bebo, cara!!!”. Como se fosse uma ordem para ser liberado. “Pra que essa palhaçada?”. Foi escoltado por três policiais até o bafômetro para fazer o teste. Ao ser apresentado ao tubinho de plástico descartável, abriu a boca e, meio de longe, como se aquilo fosse um microfone, soltou um som gutural: “Haahh!!!”, imaginando que seu hálito seria o suficiente para fazer funcionar o equipamento. As pessoas na volta caíram na risada.

Percebendo que tinha feito algo de errado, botou o canudo na boca e começou a chupar. O policial, às gargalhadas, se deu conta que teria que passar instruções ao cantor desmiolado. “Meu senhor, esse tubo não é pra chupar, é pra soprar”.

Foi aí que ele, completamente descontrolado, chegou à brilhante conclusão: “Então isso não é um bafômetro, é um soprômetro!”.

Não sei que outras barbaridades ele aprontou. Não devem ter sido poucas, pois foi algemado e encaminhado à delegacia por desacato à autoridade. No dia seguinte, seu advogado leu uma nota dizendo que tudo não passou de um mal entendido e que as notícias que correram pela internet foram um exagero dos sites de fofoca. Então tá.

kledir.ramil@uol.com.br


31 de outubro de 2011 | N° 16872
PAULO SANT’ANA


Os outros

Esses dias, escrevi que, se dermos uma esmola a alguém e, se a alegria de quem recebeu o óbolo for maior do que a nossa alegria, a esmola não se completou para nós.

A alegria de dar, de amparar, de oferecer-se aos outros é incomparavelmente a maior de todas as alegrias.

A alegria de dar é própria dos santos, principalmente de São Francisco de Assis, que não gostava só de dar seu amor e carinho para os homens, mas também os dava para os animais e até para as coisas.

Para São Francisco, a raposa ele chamava de Irmã Raposa. E, quando pregava um prego, São Francisco de Assis agradecia ao “Irmão Martelo”.

Ou seja, São Francisco celebrava todos os dias, todas as horas, o prazer e o orgulho de ter sido contemplado por Deus com vários atores que faziam parte de sua convivência, inclusive os animais e os objetos.

Sartre disse numa célebre sentença que “o inferno são os outros”. São Francisco o desautorizou, afirmando que o “céu são os outros”, isto é, de que nada vale nossa passagem pela Terra se não a dedicarmos exclusivamente para ajudar os outros.

Toda a moral do cristianismo encerra afinal a doação aos outros. “Ama o próximo como a ti mesmo.”

O próximo, este a meta, este deve ser o único objetivo do homem, a única forma de ele realizar-se.

Em outras palavras, o homem sozinho é incompleto. E os santos perceberam que só há uma forma de o homem deixar de ser só: é entregar-se de pleno a outras pessoas, é querer o bem de outras pessoas e tudo fazer para realizá-lo.

A diferença entre o homem correto e o escolhido por Deus é que o primeiro não faz o mal para ninguém. Mas o escolhido por Deus é superior ao homem correto porque só faz o bem para as pessoas.

O homem correto é o bondoso inativo, o escolhido por Deus é bondoso em permanente atividade.

São Francisco de Assis chegou ao cúmulo de compreender e agir do seguinte modo: despiu-se de todos os bens do mundo, só se reservou o direito de possuir uma batina e um chinelo.

Foi desse modo, sem ter qualquer propriedade, que encontrou técnica e estrategicamente a sabedoria: se decidiu não ter nada, tudo o que lhe caísse nas mãos ou brotasse no coração era imediatamente destinado aos outros.

Pode haver neste mundo ser mais abençoado por Deus que aquele que se dedica permanentemente a assistir os outros?

Pode haver nesta vida alguém mais santo que não queira nada do mundo para si e reserve tudo o que de material e espiritual para doar aos outros?

Por isso é que o amor pode se resumir apenas em dedicar-se a outra pessoa.

O amor é uma escada sublime que leva alguém a subir um degrau para homenagear a sua amada, o seu amado, compartilhando o mundo com ela.

O amor se instala naquele momento sublime em que uma outra pessoa surge milagrosamente para nos tirar da solidão e nos fazer a companhia mais próspera.

O amor dos santos e o amor dos homens é tudo o que se deve exigir de qualquer ser vivo e racional.


31 de outubro de 2011 | N° 16872
J. A. PINHEIRO MACHADO


Dirigindo um caminhão à noite sem faróis

A abertura da Feira do Livro, sexta-feira passada, e sua proximidade com a data que comemora o Dia do Estivador (dia 18 de outubro) é uma dessas coincidências que nos fazem pensar nos desígnios insondáveis do Cavalo Celeste. Há poucos ofícios tão próximos à estiva como a atividade do escritor. Quem escreve trabalha com amenidades leves como blocos de granito. Escrever é um trabalho solitário e esgotante: ninguém pode ajudá-lo ou dar-lhe conselhos nessa hora, advertia Rilke.

Uma das melhores comprovações dessa verdade está na série magnífica que Cláudia Laitano publica nesta ZH desde sábado (também em inovadora versão multimídia até o final da Feira), sobre o trabalho de uma dezena de escritores rio-grandenses.

Além das palavras esclarecedoras, as imagens não menos magníficas da Adriana Franciosi, em preto e branco, sublinham as sombras esquivas em que se esconde a inspiração, o contorno das frases, a palavra exata...

Um dos livros encontráveis na Feira, Vida de Escritor, ilumina algumas sombras desse ofício maldito, que tem mais obstinação do que glamour. Seu autor, Gay Talese, um dos meus estivadores favoritos da literatura, acredita que “escrever é como dirigir um caminhão à noite, sem faróis, errando o caminho”.

O lugar-comum diz que Talese é um dos pais do “novo jornalismo” que trata a notícia com a tinta da literatura, e que Vida de Escritor seria um truque do velho repórter, hoje perto dos 80 anos, costurando antigos textos. Não é verdade.

O livro é uma peça poderosa, escrita pelo filho que se inspira no pai alfaiate: “Ele fazia cada terno ponto por ponto, evitando o uso de uma máquina de costura, porque queria sentir a agulha em seus dedos ao trabalhar um corte de seda ou lã, e avançava a uma velocidade de lesma na costura de um ombro ou de uma manga.

Se qualquer trabalho seu não alcan­çava o nível que ele definia como ‘perfeito’, punha-o de lado e recomeçava. Ele esperava criar a ilusão de uma roupa inconsútil, alcançar a expressão artís­tica com agulha e linha”. Inconsútil – exatamente na definição dessa palavra, nas páginas do incontornável Aurélio, se decifra o livro: “não consútil; sem costuras (diz-se especialmente da túnica de Cristo); feito de uma só peça; inteiriço”.

Para chegar a isso, Talese revela que os inevitáveis erros de caminho dessa sua viagem simbólica “à noite, sem faróis” custaram muito caro: “Durante 40 anos de minha carreira como escritor-pesquisador, investi pesadamente na perda de tempo”.

Quando observamos as expressões dos escritores nas imagens da Adriana, na matéria da Cláudia, testas enrugadas, olhos fixos na tela do computador tentando espiar além das palavras, ou expressões de alívio numa pausa em meio a florestas de livros, percebe-se a verdade da frase com que Gay Talese encerra este assunto: “Produzo texto com facilidade comparável à de um paciente que expele pedra dos rins”.

domingo, 30 de outubro de 2011


DANUZA LEÃO

Coisas que nos unem

No verão do Rio, até a Quarta-Feira de Cinzas ninguém vai querer saber se o ministro caiu ou não

Na última quarta-feira, fui ao banco pagar meus impostos e, quando cheguei ao caixa, o funcionário -que eu nem conhecia- me contou a novidade, sorrindo: "O ministro sai hoje, acabei de ouvir no rádio".

Houve logo uma espécie de confraternização; as pessoas que estavam na fila atrás de mim também tinham ouvido e começaram a comentar, uns falando com os outros, como se fosse gol do Brasil numa final de Copa.

O clima ficou animado como nunca é, numa fila de banco, e lembrei de uma cena inesquecível e parecida, acontecida há muitos anos, aqui no Rio. Eu estava no centro da cidade, quando surgiu no céu um arco-íris tão colorido, tão nítido, tão alegre, tão perfeito, que as pessoas na rua falavam umas com as outras, apontavam com o dedo e perguntavam "você viu que lindo?" Uma cena não tem nada a ver com a outra, mas no fundo tem.

Quem ficou mal na foto? Em primeiro lugar, Lula -"político tem que ter casca grossa"-, e em segundo, a própria Dilma, que poderia ter um pouco mais de autoridade e fazer o que seu instinto manda, e instinto não lhe falta; ou ela tinha alguma dúvida sobre o fim dessa história?

A presidente não desperta grandes simpatias, mas é preciso separar as coisas: gostar ou não de alguém, quando esse alguém é uma figura pública, não tem nada a ver com o reconhecimento de suas qualidades e defeitos.

Apesar de Dilma ter trabalhado tanto tempo com Lula, deu para acreditar que ela pudesse ser diferente: no caráter, na aversão aos "malfeitos", no seu aparente desconforto com a corrupção em geral, na coragem de tomar uma atitude.

É verdade que ela já fez rolar várias cabeças, mas sempre de maneira vacilante, deixando as coisas chegarem ao limite, evitando dar um murro na mesa. Hoje ela deve estar feliz, pois talvez possa fazer (em breve) aquilo que mais gosta: nomear outra mulher para seu ministério.

Mas voltei a pensar na queda do ministro e no arco-íris, e no que une as pessoas que nem se conhecem: geralmente as grandes alegrias e as grandes tragédias. E de pensamento em pensamento -já que neles a gente não manda- pensei em uma coisa bem banal, que não é nenhuma novidade, mas importantíssima para os cariocas: o verão está chegando; devagarzinho, mas está.

No Rio, quase todos os dias do ano são de sol, o céu é sempre azul, as praias estão sempre cheias, mas isso não tem nada a ver com o verão de verdade. Quando ele chega, se percebe pela água do mar, que muda de cor, pelo cheiro da maresia, pelo canto das cigarras, pelo comportamento das pessoas.

Os homens se tornam mais atrevidos, e as mulheres acolhem esse atrevimento cheias de alegria; há meses elas se preparam -fazendo ginástica, passando fome, cuidando do novo guarda-roupa- para o acontecimento mais esperado do ano que é o verão, onde tudo pode acontecer, e geralmente acontece.

É a temporada da democracia, quando as diferenças de classe desaparecem, com homens e mulheres usando as mesmas sandálias Havaianas, as mesmas camisetas, tomando a mesma água de coco, tudo baratinho; com um top de paetês comprado no camelô, a festa já está pronta .

Assim foi, é e será todos os anos, e até a Quarta-Feira de Cinzas ninguém vai querer saber se o ministro caiu ou não, porque nada é mais importante, no grande balneário que é o Rio, do que o verão.

danuza.leao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Lula e as ironias da vida

BRASÍLIA - A vida tem dessas ironias: Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice-presidente, José Alencar Gomes (também) da Silva, tiveram uma trajetória muito semelhante. Meninos pobres, de famílias numerosas, saíram do interior e se transformaram em tudo que se transformaram.

Um, operário, líder sindical, militante contra a ditadura militar, deputado, presidente da República, uma das figuras mais prestigiadas no mundo neste século. O outro, empresário, líder patronal, a favor da "revolução de 1964", senador, vice-presidente da República. Lula, o primeiro presidente de esquerda.

Alencar, o vice-presidente de direita de um presidente de esquerda.

Lula e José Alencar tinham uma alma não gêmea, mas muito parecida. Gostavam de um bom "golo", como dizia Alencar com um sorriso matreiro, gostavam de uma cigarrilha, de uma boa prosa sobre os velhos tempos e, claro, de falar de moças bonitas.

Tornaram-se, assim, não apenas presidente e vice, mas amigos, numa relação respeitosa e afetiva que transcendeu a política. Lula foi um dos grandes amigos de Alencar na reta final, dolorosa, difícil e, sobretudo, longa.

Lula, agora, sofre da mesma doença de Alencar: o câncer. Mas com uma diferença: enquanto o tumor do seu vice já começou implacável no estômago e no rim, impondo-lhe sucessivas metástases, o seu próprio parece ser localizado na laringe, tratável por quimioterapia e curável. O mundo e o país torcem ou rezam para isso.

A outra ironia foi o local: a laringe! Uma das forças de Lula é a voz, a imensa, impressionante capacidade de comunicação desse político inato que saiu de um casebre no interior do Nordeste e cativou o mundo.

A voracidade política e as eleições municipais de 2012 serão decisivas para salvá-lo. Lula virou o que virou pela inteligência, o carisma e a voz. Ela não irá lhe faltar.

elianec@uol.com.br

CARLOS HEITOR CONY

Pronto-socorro

RIO DE JANEIRO - Com o devido respeito ao ministro Aldo Rebelo, que está assumindo a pasta do Esporte, lembro um episódio que aparentemente nada tem a ver com o caso, mas guarda alguma analogia.

Um arquiteto milionário (já falecido) decidiu fazer um jornal e contratou para dirigi-lo um dos maiores jornalistas da época.

Acontece que a linha editorial, imposta pelo arquiteto proprietário, era de absoluto apoio ao governo de Vargas em sua fase ditatorial.

O consagrado editor engoliu alguns sapos, mas acabou pedindo o boné e indo embora. Para substituí-lo, o proprietário nomeou o segundo na hierarquia, que durou pouco, sendo trocado por um terceiro elemento do esquema anterior.

De substituição em substituição, o jornal acabou sendo dirigido por um repórter de setor que cobria pronto-socorro. O jornal faliu em pouco tempo. Mas o proprietário foi fiel ao esquema inicial formado pelo primeiro e consagrado editor. Faliu, mas respeitou os compromissos com a equipe pioneira.

No caso das substituições dos ministros, no regime de dona Dilma, está havendo coisa parecida.

Prisioneira da base de sua sustentação, fechou com o PC do B, que não abriu mão de sua participação no governo. Bem verdade que Aldo Rebelo é figura respeitável, tem interesses culturais que já renderam polêmicas nos meios acadêmicos, é um político que escapa ao padrão a que estamos habituados.

Não deve ter muita afinidade com os problemas que estão surgindo no setor de seu ministério. Seria um excelente ministro da Cultura. Mas enfrentará desafios de cachorro grande no programa da Copa e da Olimpíada. Se pedir o boné e for embora, de mão em mão nas fileiras do PC do B deverá haver um setorista de pronto-socorro.


29 de outubro de 2011 | N° 16870
ARTIGOS - Rubem Penz*


Para ser infeliz basta pouco

Engana-se quem pensa que é preciso muito para ser infeliz. Ao contrário, a infelicidade está ao alcance de todos, sem medir classe social, idade, sexo, credo ou nacionalidade. Também independe de prática ou habilidade, não exige formação técnica nem superior, pré-requisitos ou apadrinhamento. Por fim, constitui direito de todos sair em busca da desventura.

Para começo de conversa, é consenso que a infelicidade está nos pequenos gestos: a falta de um sorriso aqui, o virar de costas ali, o silêncio acolá. Não procure a infelicidade longe, pois ela pode estar bem ao seu lado. Basta reparar na carranca que lhe brindam a todo instante, seja por algo que você deveria ter feito (e não fez) ou por aquilo que realizou sem perfeição.

Os motivos para ser infeliz podem chegar ao acaso – por exemplo, quando o garçom confunde seu pedido. Ainda planejadamente, como no caso do diretor que tudo faz para abiscoitar os méritos nascidos de seu trabalho.

O trânsito da cidade grande também pode vir a ser um manancial inesgotável de infelicidade – é preciso estar atento. Duvido que, ao menos uma vez durante o dia, alguém deixe de cruzar na sua frente sem dar sinal. Então, utilize essa oportunidade para ficar de mal com a vida! Faça mais: persiga-o e dê o troco.

Caso tenha acontecido por mera distração, você aproveitará para fazer com que os dois sigam infelizes, num processo contínuo e crescente de frustração coletiva. O errado é esperar pelas colisões para morrer de raiva: para o bem de todos – ugh! –, elas não acontecem com tanta frequência assim.

Família e infelicidade podem ser parceiros. Comece culpando seus pais por tudo o que tenha dado de errado em sua vida. Mas não fique por aí: diga isso para eles tão logo surja a primeira oportunidade. Além de lhes causar grande tristeza, você será brindado com doses elevadas de desgosto para gerir – muitas vezes tão escondidas, que nem cinco anos de análise serão capazes de desvendar.

É quando vem o melhor: ao descobrir que os pais fizeram das tripas coração para deixar você contente, e que sua ingratidão lhes consumiu os últimos dias de saúde, a infelicidade será sua companhia diária para o resto da existência!

No casamento, ser infeliz é mais fácil do que parece. A união de dois estranhos, somente propiciada pela cegueira da paixão, promete muitos anos de abatimento. Para tanto, use a intimidade que só a aliança carnal permite com o objetivo de conhecer os pontos frágeis do outro, guardando tudo em um paiol de mágoas.

Desde a primeira crise, atire sua munição sem dó nem piedade, provocando o movimento igual em sentido contrário. Assim, ambos terão para si muitos ressentimentos na memória, reciprocidade ideal para fazer crescer a conta bancária dos advogados. E o mau humor será a viva herança deixada para os filhos.

Mas não se engane: se o que foi dito até agora induz a pensar que precisamos dos outros para alcançar o fundo do poço, saiba que não. Não, mesmo! A maior infelicidade está contida na solidão. Explico. Ao fazer de tudo para afastar quem lhe deseja o bem – pais, filhos, cônjuge, amigos, colegas – e tendo o isolamento como consequência, a infelicidade estará mais do que garantida: será só e plenamente sua, sem que precise dividir com mais ninguém! Não é o máximo?

Agora, se, com isso tudo, você ainda teima em ficar contente com a vida, aí fica difícil de eu ajudar. Daqui a pouco, irá até imaginar que se pode ser feliz com mínima dose de paciência, dignidade, carinho e respeito, e que tudo mais chega ao natural. Olha que horror: já posso ver um leve sorriso nascendo em seu rosto...

*Escritor e músico

sábado, 29 de outubro de 2011



Crédito da Caixa cresce 39,5% em doze meses

Crescimento foi 20 pontos percentuais superior ao do mercado



Para o crédito habitacional, a Caixa projeta 45% de crescimento em 2011 (Lia Lubambo)

A carteira total de crédito da Caixa Econômica Federal apresentou uma evolução de 39,5% nos últimos doze meses. O número representa um crescimento de 20 pontos porcentuais acima do mercado brasileiro de empréstimos, que registrou aumento de 19,6% no mesmo período, segundo dados divulgados pelo Banco Central.

O levantamento tem como referência o mês de setembro, quando a carteira de crédito da Caixa chegou a 227 bilhões de reais. A estimativa da instituição para 2011 é crescer em torno de 45% na sua carteira de crédito total.

Nos últimos 12 meses, o crédito à pessoa física na Caixa cresceu 26%, impulsionado pela utilização do cheque especial, pelo crédito consignado, e pelo Aporte Caixa (linha de crédito com garantia de imóvel).

No caso do crédito à pessoa jurídica, o acréscimo nos últimos doze meses foi de 39,3% – também 20 pontos porcentuais acima do mercado, que variou 19,1% no mesmo período. A Caixa atua, principalmente, com micro e pequenas empresas, segmento no qual suas taxas estão entre as menores e mais competitivas do mercado.

O banco também vem aumentando sua atuação junto a médias e grandes empresas. As carteiras de Financiamento de Máquinas e Equipamentos (FINAME) e do BCD-Máquinas e Equipamentos cresceram 87,7% e 234,4%, respectivamente.

Para o crédito habitacional, a Caixa projeta 47% de crescimento, em relação ao ano passado. O orçamento aprovado é de 74 bilhões de reais em financiamentos.

A inadimplência no banco se manteve na faixa de 2%, abaixo do índice médio do mercado (3,5%).


29 de outubro de 2011 | N° 16870
NILSON SOUZA


Hora roubada

Como ocorre todos os anos nesta esquina do hemisfério, o horário de verão desperta simpatias e rancores. Tem gente que odeia acordar uma hora mais cedo, mas também tem quem prefira contar com um dia maior para curtir, ou para fazer mais coisas, caso dos carregadores de piano – categoria em que, na maioria das vezes, me incluo.

Sou um fazedor de coisas. Uma vez na vida, outra na morte, tento tocar uma sonata no teclado do computador, mas nem sempre as letras me obedecem. Então, o mais sensato é acordar cedo e compensar a inspiração escassa com o suor farto. Às vezes, uma simples frase, desavisado leitor, me toma horas. Daí por que resolvi escrever sobre a hora perdida deste início de primavera.

A novidade da mudança de horário este ano é que a mexida nos ponteiros chegou acompanhada de uma pesquisa publicada pela Harvard Business Review que sentencia: os madrugadores são mais produtivos e os notívagos são mais criativos.

Claro que também aqui há exceções. Mas faz sentido: as pessoas que começam a operar de madrugada costumam chegar ao fim do dia com a lista de tarefas zerada. Já para os dorminhocos, que saem da cama nas primeiras horas da tarde, a noite é inspiradora, até mesmo porque eles estão com o cérebro em plena atividade quando ela chega.

Como diz o Eclesiastes, há tempo para todo propósito debaixo do céu – inclusive tempo de mexer nos marcadores de tempo, com o pretexto de poupar energia, ainda que isso possa alterar relógios biológicos e humores. Tempo de amar e tempo de odiar, registrou de forma premonitória o texto bíblico, prevendo a reação dos contemporâneos do horário de verão.

O tempo é uma invenção da morte, dizia o poeta Mario Quintana, complementando o pensamento com fina ironia: os anjos ficam espantados quando alguém acorda para a vida eterna e pergunta “que horas são?”. Deve ser mesmo engraçado. Mas nós, os não poetas, somos escravos do relógio – esse tirano inflexível que devora vidas. Por isso, sentimos tanto quando uma decisão política nos rouba uma hora, mesmo com a promessa de devolução.

No dia 26 de fevereiro de 2012, vence essa fatura. Se o mundo não terminar, como profetiza aquele insistente pastor norte-americano, a hora confiscada por decreto presidencial nos será devolvida com todos os seus minutos e segundos, mas sem juros e correção temporária para compensar o contratempo das noites maldormidas.

Até lá, colegas madrugadores e irmãos notívagos, teremos bastante tempo para pensar na melhor maneira de aproveitar a hora recuperada.

nilson.souza@zerohora.com.br


29 de outubro de 2011 | N° 16870
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES

Fitinhas

Entrei por primeira vez em um cinema em 1945, em São Borja, levado pelo meu irmão Aldo,, que já estava viciado na novidade: me contava com entusiasmo dos filmes do Gordo e do Magro, tinha visto Gentil Tirano, com Robert Taylor, e me repetia a história do pistoleiro que se deixara matar – já adulto, anos mais tarde, vi finalmente o longa. (A versão do Aldo, na minha memória até hoje, era muito melhor, sobretudo os diálogos.)

Foi amor à primeira vista. Me apaixonei perdidamente pelo cinema e decidi que era o que queria ser na vida: artista de cinema, fazedor de filme (até hoje estou tentando...). Logo a família voltou para o Alegrete, e eu me tornei presença obrigatória no Cine Teatro Glória, amigo do gerente.

Via, sem perder nenhum, todos os filmes que passaram lá, com ênfase nas matinês de domingo. Era a grande sessão da gurizada, que entupia a rua diante do cinema trocando revistas em quadrinhos e escambando e até comercializando “fitinhas”. Às quatro e meia havia a sessão mais importante da semana, a matinê dos namorados, que exibia os grandes filmes, os mais esperados.

Aos 16 anos, com a concordância do gerente e do seu João Peres, diretor da Gazeta do Alegrete, me tornei crítico de cinema, com direito a carteirinha e entrada livre em qualquer sessão do Glória. Aí foi o céu! Os filmes da Pelmex, as chanchadas da Atlântida, os argentinos da San Miguel, os coloridos da Metro, os noir da Warner, tudo, tudo eu via, sem perder um. (As minhas primeiras fantasias eróticas foram animadas por Ninon Sevilla e Maria Antonieta Pons...). Mas a minha paixão eram os filmes de mocinho, decerto pela origem campeira.

Diante do Cine Glória, antes e depois da matinê, a gente comercializava revistas em quadrinhos: Guri, Gibi e Globo Juvenil. Mais tarde surgiu Aí, Mocinho. Também uma série do Pequeno Xerife de formato reduzido e as balas Red Boy, que traziam estampas, uma por bala, que a gente colecionava e colava num álbum, até completá-lo, contando uma façanha do mocinho Red Boy.

O Fidêncio, meu colega, completou conseguindo a “figurinha difícil”, que não vinha nunca e ganhou uma bola das Casas Oliveira, do seu Zezinho Oliveira. A “figurinha difícil” era “Distribuindo rifles” , e eu até hoje sei de cor muitas legendas das estampas.

As fitinhas foram um caso à parte. Sobravam da projeção pedaços das cópias dos filmes, e os operadores cortavam os fotogramas, um a um, e nos davam, os nos vendiam. Nós enrolávamos cada fotograma, “a fitinha”, em celuloide, para protegê-lo e colecionávamos na maior quantidade possível, vendendo ou trocando as que sobravam ou não interessavam. O Danilo Morteo se gabava: “Tou bem de fitinha, tenho duas Bill Eliott!”. Wild Bill Eliott era astro de seriados e filmes de mocinho de segunda linha, muito prestigiado pelos colecionadores de “fitinha”.

As minhas coleções de revistas em quadrinhos, meu pai queimava todas, sistematicamente. O meu álbum do Red Boy, sem a “figurinha difícil”, desapareceu, levando junto Kit, o Pequeno Xerife. Mas as fitinhas, meu Deus, que fim terão levado? Eu tinha até dois Tyrone Power em A Marca do Zorro.

Belos tempos da adolescência. Tudo desapareceu, que pena!

nicofagu@terra.com.br


29 de outubro de 2011 | N° 16870
DAVID COIMBRA


O Melhor de todos não existe

Citius, altius, fortius. O mais rápido, o mais alto, o mais forte.

O lema dos Jogos Olímpicos que o Barão de Coubertin tomou emprestado de um frasista amigo seu, o Padre Didon, este lema que vige até hoje nos Jogos é, de resto, a razão de ser de quaisquer jogos esportivos. Um jogo pretende sempre apurar quem é O Melhor. Mas esse anseio é irrealizável. Não existe nem nunca existiu nem jamais existirá O Melhor no que quer que seja.

A prova do que digo é fornecida, exatamente, pelo esporte. Você pega o futebol, por exemplo. O mais popular dos jogos esportivos. O futebol fornece uma série de exemplos clássicos de que é impossível apontar quem é O Melhor.

O Maracanazo de 50, a derrota acachapante da Hungria de Puskas para a Alemanha em 54, a mesma Alemanha batendo a Holanda de Cruyff 20 anos mais tarde, o fracasso do Brasil de Telê em 82, o estranho desfalecimento de Ronaldo que levou a Seleção Brasileira à falência na França em 98. Exemplos mundiais, notórios, exemplos do tamanho de uma Copa do Mundo. E todas as semanas explodem outros, menores, mas igualmente expressivos, de favoritos se desmanchando diante de inimigos pretensamente inofensivos.

Isso poderia significar a frustração absoluta do esporte, já que o principal objetivo da atividade não é atingido. Mas não é o que acontece. Ao contrário, até: o esporte acaba alcançando plenamente o seu objetivo através de dois caminhos opostos:

1. O esporte, mesmo que não apure quem é O Melhor, fornece a ilusão de que apurou quem é O Melhor. Pelo menos momentaneamente, pelo menos ao fim de uma temporada. Essa ilusão é um consolo para as pessoas. Elas se enganam pensando que é possível haver alguém ou algo que seja O Melhor, e aí a vida se torna mais simples, organizada e compreensível. Ali está O Melhor, depois dele vem o segundo melhor, a seguir o terceiro melhor e, lá adiante, o pior de todos. Está tudo classificado, rotulado e arquivado. Não é preciso mais pensar no assunto. Isso é tão conveniente. Dá a confortadora ideia de que a existência é previsível.

2. Exatamente, e contraditoriamente, por não conseguir jamais apurar quem é O Melhor, por apresentar vez em quando uma surpresa chocante, o esporte fascina as pessoas. Porque elas percebem que ali está a representação da vida, as incongruências, incoerências e imprevistos da vida. Os dramas, as comédias, as tragédias, as alegrias e tristezas todas da existência são reproduzidas pelo esporte em escala inofensiva. A vida não é reta e o esporte mostra isso a cada torneio, assim como o mundo mostra isso todos os dias.

São sentimentos conflitantes, mas que acabam se completando e se encaixando à perfeição: no esporte, as pessoas anseiam por apurar quem é O Melhor e acreditam que vão apurar quem é O Melhor. Mas, ao não conseguirem, ao serem surpreendidas entendem que a vida é assim mesmo, que há circunstâncias imponderáveis em tudo e em todos, e isso termina sendo a grande lição do esporte. A beleza do jogo esportivo é precisamente essa incapacidade de atingir seus próprios objetivos.

O esporte tenta demonstrar quem é o mais forte, mas acaba demonstrando que, mesmo que exista alguém muito forte, sempre haverá alguém ainda mais forte. O esperto sempre encontra alguém mais esperto, a mais bela sempre encontra alguém mais bela. A espetacular variedade da vida.

Por isso, a derrota é fascinante. Dias atrás, um bom amigo meu proferiu, no bar da Redação, uma frase aparentemente casual, mas na verdade profunda, que me tocou:

– Eu sempre admirei meu pai – disse o meu amigo, com um copo de café na mão. – Mas só fui amá-lo quando vi que ele também errava.

Aí está. Perder é fundamental. A derrota faz parte da essência humana. Não é por acaso que times derrotados forjam torcidas fanáticas. A massa vibrante do Corinthians cresceu no fermento dos 23 anos sem um único título do clube, período interrompido pelo gol de Basílio em 1977. O inchaço da maior torcida do Brasil, a do Flamengo, ocorreu nos anos 60, década mais pobre de títulos da história do clube.

E agora, nas séries subalternas do Brasileirão, o Santa Cruz dá um show nas arquibancadas. Por que o amor floresce nas horas ruins? Porque a vida é feita também de horas ruins. Campeões invencíveis não são humanos. Campeões invencíveis podem até ser admirados, mas amados nunca serão.


29 de outubro de 2011 | N° 16870
CLÁUDIA LAITANO


Sete bilhões

Em algum momento da próxima segunda-feira, o planeta atingirá a cabalística cifra de 7 bilhões de habitantes. Um vídeo da National Geographic informa, entre outros dados curiosos, que uma pessoa levaria cerca de 200 anos para contar em voz alta até o número 7 bilhões.

Fiquei sabendo também que 7 bilhões de pessoas, instaladas bem próximas umas das outras, como se fossem assistir a um show de rock megadisputado, não ocupariam nem sequer o território de um país inteiro.

Com boa vontade e muitos banheiros químicos à disposição, caberíamos todos nós, gregos e troianos, esquimós e suecos, gaúchos e seus egos, no modesto território correspondente à cidade de Los Angeles.

A contagem dos habitantes do planeta (5 bilhões em 1987, 6 bilhões em 1999) tem mais ou menos o mesmo impacto que a mudança de idade para o indivíduo da nossa espécie: o significado do novo número é mais simbólico do que prático, mas sempre provoca algum estremecimento.

O aniversariante de temperamento otimista tende a comemorar seus 30, 50 ou 80 anos lembrando a sorte de continuar vivo e com fôlego suficiente para soprar velinhas – dinossauros, por exemplo, nunca tiveram que se preocupar com estatísticas de superpopulação ou com a qualidade da água que bebiam.

O pessimista, por sua vez, encara o aniversário como mais uma badalada do sinistro relógio que controla o horário em que a festa deve terminar: cada nova boca pedindo alimento é uma ameaça em potencial à parte que nos cabe nesse latifúndio.

A notícia de que um novo bilhão de terráqueos juntou-se a nós nos últimos 12 anos pode provocar aquele desconforto de quem embarca em um avião lotado e descobre que lhe coube justamente a poltrona do meio da fila mais apertada.

Ainda muito influenciados pelas já anacrônicas teses malthusianas, somos assombrados por pesadelos de escassez e disputas imaginárias por território. O economista britânico Malthus (1766-1864) foi o primeiro teórico a lançar a hipótese catastrófica de que as populações humanas crescem em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos, mesmo nas melhores condições, cresceria em progressão aritmética. Para nossa sorte, o futuro (nosso presente) não foi tão terrível assim.

Parece claro hoje que o maior problema do planeta não é o número de pessoas, mas a maneira como elas se organizam (ou desorganizam) para administrar em conjunto esse enorme condomínio – que não necessariamente teria menos problemas se fosse menos populoso.

Os números da ONU servem exatamente para que a gente pare e pense em alguns desses problemas (produção e distribuição de alimentos, consumo exagerado, desequilíbrio ambiental...) como se formássemos uma grande equipe, um elenco, um grupo de passageiros dirigindo-se a um mesmo destino comum – o futuro. E não como um aglomerado aleatório de indivíduos que nada têm em comum além da circunstância de partilharem uma das 7 bilhões de cotas do time-sharing do planeta.

claudia.laitano@zerohora.com.br

quinta-feira, 27 de outubro de 2011



27 de outubro de 2011 | N° 16868
EDITORIAIS ZH


Tempo esgotado

Adecisão do Supremo Tribunal Federal de abrir inquérito para investigar o ministro Orlando Silva acabou sendo o apito final do verdadeiro jogo de sobrevivência protagonizado pelo titular da pasta do Esporte desde que surgiram as primeiras denúncias de irregularidades no programa Segundo Tempo.

Ontem, ele finalmente adotou a decisão mais sensata para o caso: pediu demissão para poder se defender sem impor mais desgaste ao governo. Foi a sexta troca de ministro em 11 meses da administração Dilma Rousseff, cinco por envolvimento ou conivência com episódios de corrupção.

O ministro do PC do B fez um grande esforço para permanecer no cargo. Exasperou-se com as primeiras denúncias, chamou o seu acusador de bandido e tentou convencer o país de que estava sendo vítima de uma armação, mas suas explicações não foram suficientes para sensibilizar o governo nem para conter a onda de notícias ruins em torno do ministério.

A primeira rejeição foi da Fifa, que deixou de reconhecer o ministro como interlocutor para os eventos esportivos que organizará no Brasil. Depois, o procurador-geral da República reuniu elementos para sustentar uma denúncia ao Supremo. Por fim, o STF acatou o pedido e abriu inquérito para investigar as irregularidades denunciadas.

A presidente Dilma Rousseff agiu com a devida cautela: ouviu seus conselheiros mais próximos, consultou as lideranças do partido aliado, mas não tinha mesmo como segurar mais o assessor enrolado em suspeitas. Seria um prejuízo maior para o seu governo sustentar um ministro sangrando exatamente no momento em que a pasta do Esporte está sendo mais demandada, em virtude da proximidade das competições esportivas internacionais que o país receberá nos próximos anos.

Embora o ministro demitido mereça a presunção de inocência, como qualquer cidadão acusado de irregularidade ou delito, sua permanência no governo ficou inviável com a constatação de que ONGs ligadas ao seu partido recebem recursos do programa Segundo Tempo e não realizam os serviços prometidos. Tenha ou não envolvimento direto nas fraudes, o fato é que o ministro foi alertado em fevereiro pela imprensa e até agora não havia adotado providências corretivas.

Com o estouro do novo escândalo, ficou evidente a sua leniência em relação ao caso. Além disso, ao se ver envolvido em outras suspeitas, tais como a compra de um terreno com recursos de origem desconhecida e o favorecimento de uma empresa comandada por sua mulher, o ministro ficou com sua autoridade comprometida.

Terminou o seu tempo no governo, e talvez tenha terminado também o do PC do B no comando de uma pasta valorizada pela proximidade da Copa. Bem que o governo podia aproveitar o episódio para dar um caráter mais técnico ao Ministério do Esporte, não apenas escolhendo um nome acima de qualquer suspeita para comandá-lo, mas também traçando uma política moralizadora, revisando convênios que não apresentam os resultados desejados e bloqueando de vez as relações promíscuas com organizações clandestinas que se aproveitam de brechas no controle para subtrair a nação.


27 de outubro de 2011 | N° 16868
LETICIA WIERZCHOWSKI


Com o lenço à mão

Muitas pessoas já tinham me falado do livro Las Cartas que no Llegaron. E toda a gente dizia que era um livro “para chorar”. Tentei comprá-lo numas férias no Uruguai, pois o escritor (e também poeta, jornalista e secretário da Cultura de Montevidéu) Mauricio Rosenkof, 78 anos, é uruguaio. Mas não o encontrei, e a leitura ficou na vontade. Há poucos dias, na Alemanha, um querido amigo catalão falou-me do livro – e fez mais: deu-me um exemplar de presente.

Tão longe, tanto tempo depois, por uma dessas voltas da vida, Las Cartas que no Llegaron caiu nas minhas mãos. Com o livro na mala, entrei num trem para Berlim. E caí em prantos naquele moderno trem silencioso, onde educados passageiros alemães me olhavam espantados, enquanto eu viajava pelas palavras e memórias do autor, desde uma perdida aldeia judia na Polônia até os calabouços mais escuros da ditadura uruguaia, onde Rosenkof – jornalista, escritor e um dos líderes do Movimento Tupamaro – foi trancafiado em 1973.

A história dos Rosenkof é impressionante, louca e triste, angustiante e cheia de esperança. E o autor, que construiu esse livro quadro a quadro, mentalmente, em conversas imaginárias que viria a travar com seu pai ao longo dos 13 anos nos quais viveu numa solitária subterrânea como refém do Golpe de 73 (ser refém significava, no caso, morte imediata se algum ato ameaçasse a segurança das Forças Armadas uruguaias).

Rosenkof não morreu – definhou fisicamente a ponto de não mais alimentar-se sozinho e precisou receber um mês de tratamento hospitalar para ser libertado, em 1985, diante das câmeras de TV e da opinião pública. Rosenkof resistiu ao calabouço, ao escuro, à umidade e à terrível solidão com a ajuda da ficção. Porque escreveu mentalmente todos os dias.

E todos os dias, aproveitando a sua única regalia (alguns maços de cigarro por mês), escreveu poemas nos papelotes prateados contrabandeados para o exterior em esconderijos dentro das roupas que seu pai – única visita autorizada – diligentemente recolhia, levava à casa para lavar e passar, e trazia de volta ao filho.

Las Cartas que no Llegaron é um grande diálogo de Mauricio Rosenkof com o seu pai, um alfaiate judeu polonês que saiu da Polônia pouco antes da invasão alemã e que esperou durante vários anos uma notícia da família na Polônia. Mas veio Hitler e o Holocausto, e veio Auschwitz – e as cartas nunca chegaram.

E depois veio a Ditadura, e veio o calabouço, e esse mesmo alfaiate viu seu filho ser roubado do mundo e da luz do sol por longos 12 anos. Uma história impressionante – eu não diria triste, diria corajosa. Pena que o livro (já bastante premiado) não saiu ainda no Brasil. Mas vale a pena esperar que alguma editora corrija esse lapso. Então, prepare o lenço e boa leitura.


27 de outubro de 2011 | N° 16868
PAULO SANT’ANA


A farra da cerveja

O Rio de Janeiro parece ser mesmo um outro país dentro do Brasil, o que é comprovado pela notícia de apreensão dentro de um estabelecimento prisional para policiais militares de 2,6 mil latas cheias de cerveja.

Não pode entrar num presídio nem cerveja, nem celular. Só que a entrada em um presídio de um aparelho celular ou de uma dúzia de cervejas seria um fato sob certo aspecto aceitável, uma falha da vigilância. Mas 2,6 mil latas de cerveja é um carregamento em massa. O mesmo seria que uma empresa distribuidora de telefones celulares mandasse entregar num presídio 300 celulares, um para cada preso.

No caso, como há realmente naquele presídio 300 detentos, 2,6 mil latas de cerveja dariam a média de quase 10 cervejas para cada preso, seria uma festa invejável.

Mas eu pergunto: se teoricamente deva se tornar impossível passar pelo portão de um presídio uma lata de cerveja, como é que conseguem fazer passar pelo portão central 2,6 mil latas de cerveja?

Ou seja, não foi um só carcereiro que se deixou subornar ou prevaricou. Foram muitos. Foi, afinal, tudo indica, toda a direção desse presídio que se deixou subornar ou prevaricou.

A rigor, para passarem pelo portão de um presídio 2,6 mil latas de cerveja, até o governador do Estado deve ter prevaricado.

Esta notícia é impressionante. Ela só seria mais impactante se fosse dito que houve concorrência pública para licitar a despesa de 2,6 mil latas de cerveja.

Vejo na foto da apreensão das latas de cerveja no presídio que a marca é Skol. Mas a Brahma não teria o direito de pleitear para si, como a Antarctica, o fornecimento dessa carga etílica?

E a Skol, que foi a escolhida ou a privilegiada, terá o direito de fazer comerciais para a televisão em que aparecem até os presos comemorando qualquer ocasião com latas de cervejas nas mãos e ingeridas com sofreguidão?

O locutor diria a plenos pulmões: “Troque sua liberdade somente pela Skol, faça como os presos do Batalhão Especial Prisional da Polícia Militar, em Benfica, Fique preso somente à Skol”.

Mandaram abrir inquérito para apurar quem autorizou a compra de 2,6 mil cervejas para os presos.

Mas para que abrir inquérito? Se entrou tal quantidade de cerveja no presídio, a autoria desse descaminho já é conhecida. Começa pelo comandante do batalhão ou diretor do presídio e vem vindo para baixo, até o último escalão. Embora o pessoal debaixo apenas obedeça ordens e talvez também tome da cerveja.

Esse fato é um monumento à falta de vergonha nacional.

O que se tem de apurar nesse caso da cerveja é um só detalhe: quem pagou o carregamento da bebida? Foram os presos que se cotizaram, o que de per si já terá de causar espanto, como podem ter dinheiro para tal? Ou foi a direção da cadeia que usou verba pública para pagar a cerveja? Só isso que se tem de saber, mas como a vergonheira anda espalhada, é quase certo que foi verba pública que custeou a bandalheira.

Tem tudo que é crime nesse escândalo, corrupção ativa e passiva, peculato etc., fora os deslizes administrativos, como substituir a água pela cerveja, embebedar detentos, promover festa etílica no interior da casa de detenção, promiscuidade na festa contratada entre carcereiros e detentos, uma bagunça institucionalizada.

Esta notícia é digna de ampla repercussão internacional.


27 de outubro de 2011 | N° 16868
CELSO GUTFREIND


Lustres e parafusos

“A minha empatia não suporta desumanidade nas políticas públicas.”

Salvador Célia

Noite dessas, sonhei com o Scliar. O clima era obscuro, mas dava para ver claramente. Ele vestia camisa azul, terno, gravata. Pedia ajuda no conserto de um lustre. Apertamos dois parafusos, e acendeu-se a luz.

Passei a manhã sem vontade de interpretar o sonho. Sentia-me feliz de vivê-lo, e pronto! Foram alguns instantes com o Scliar, a implicar-me com o seu pedido, e isto valia mais do que qualquer explicação. Estava em Fortaleza e fui dar uma volta. Na Beira-Mar, havia um monte de prédios luxuosos e muita gente dormindo na rua. Então me lembrei do poema O Bicho, do Manuel Bandeira e da prosa do Emile Zola.

Também do quadro Guernica, do Picasso, e pensei que estes caras reacenderam o mundo onde andava mais apagado. Daí a imaginá-los apertando parafusos para ativar um lustre, foi um passo. E davam-se muitos, perto do mar. Voltei a pensar no sonho como forma de resgatar a aventura humana.

Mas a presença do Scliar era viva e também parecia maior. Embalado pelo Bandeira e o Zola, repassei algumas cenas em que vi a arte acudir a vida. Numa delas, trabalhava no abrigo de crianças abandonadas pela dificuldade de mulheres serem mães, e homens, pais.

Tínhamos contado a história dos três porquinhos e agora propúnhamos um teatro. Meus colegas e eu acreditávamos que, se uma criança ouve histórias e aprende a encená-las, ela adquiriu a capacidade de lidar com a vida e com a morte. Havíamos providenciado um punhado de palha, outro de madeira e uns tijolos. Estava tudo ao alcance de nossos protagonistas. Os três meninos seguiram o roteiro da primeira cena e se despediram da menina-mãe.

Disseram que iam embora, porque desejavam conhecer o mundão, palavra deles. Já se preparavam para fazer de conta que construíam as casas quando a menina, de repente, recriou a sua personagem e proibiu os filhos de saírem.

Era agora uma mulher enorme com o olhar atento para acolher demandas, colocar limites e desempenhar o papel principal de mãe que ama. Permaneceram todos juntos, longe do texto original e perto de quem mais queriam. Tinham ido ao reino da imaginação, de onde costuma voltar-se fortalecido para a realidade.

Arte em vida, parafuso apertado, lustre aceso. A possibilidade de reinventar a própria casa, consertar o mundinho real até que ele seja maior ou, pelo menos, conforme precisamos. Era o que pensava, mas o reflexo do sol no vidro dos prédios alcançou os mendigos bocejando. Então, parei de explicar e voltei a sonhar com o Scliar.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011



26 de outubro de 2011 | N° 16867
MARTHA MEDEIROS


O Caso Rafinha

Soube do caso Wanessa Camargo x Rafael Bastos pela imprensa escrita. Não havia assistido ao programa CQC em que ele disse “Comeria ela e o bebê”. Li essa frase numa matéria. Num primeiro momento, achei que o cara merecia mesmo o repúdio público.

Então intuí que poderia haver algo de injusto nesse julgamento sumário e entrei no YouTube para assistir à cena que deu origem ao estardalhaço. E, de repente, ficou muito claro: o comentário foi cretino, mas estava totalmente de acordo com o espírito do programa.

Se ele tivesse dito o que disse numa entrevista para o Jornal Nacional ou durante o sermão da missa, teria sido chocante, mas cumprindo seu papel de Rafinha Bastos no CQC, foi mais uma baboseira coerente com a pauta do programa.

O que nos traz ao assunto desta crônica: o contexto.

Fora do contexto, não temos como fazer uma avaliação isenta. As frases ditas por celebridades, destacadas entre aspas em seções de jornais e revistas, recebem quase sempre um grau de importância desproporcional ao contexto em que foram pronunciadas. O que parece uma ofensa era só uma ironia. O que parece definitivo era apenas uma especulação. O que parece uma confissão era uma brincadeira.

Não sei qual é a audiência do CQC, mas sou capaz de apostar que 95% das pessoas que palpitaram sobre a polêmica não assistiram ao programa: souberam através de blogs, sites, redes sociais e matérias de revista. E, como sempre, a frase impressa sobressaiu de forma mais contundente do que deveria.

Não tiro o direito da cantora de se ofender, ainda mais que sabemos que toda mulher grávida se sente sacralizada por sua condição, mas partir para um processo é um exagero evidente.

Como muitos, desprezo esse humor que humilha, que é deselegante, cafajeste, coisa de guri bobo e arrogante. Sinto saudade do humor inteligente de um TV Pirata, por exemplo, que fazia a gente rir sem precisar apelar.

Mas o que eu gosto ou desgosto não importa. O humor do CQC, do Pânico e de outros programas afins é uma tendência mundial que tem milhões de fãs. Rafinha Bastos é um expoente desse humor canalha e está fazendo o trabalho dele. Podemos torcer o nariz? Podemos.

Mas convém levar o contexto em consideração. O caso Wanessa me parece bem menos grave do que a alusão a um comercial de uma empresa de telefonia, em que o humorista comparou Fabio Assunção a um traficante. Porém, pouco se debateu a respeito, até porque o próprio ator não levou tão a sério, e acabou virando notícia de segundo escalão.

Seja a declaração que for, é sempre bom não perder o contexto de vista. Sem isso, corremos o risco de superdimensionar um comentário idiota e relevar os desaforos verdadeiramente sérios que perpetuam preconceitos.


26 de outubro de 2011 | N° 16867
ARTIGOS - Maria Elena Pereira Johannpeter*


Gratidão à atitude voluntáriam

Ao olharmos a última década, poderíamos dizer que a humanidade tem muitos motivos para dela se orgulhar e/ou se envergonhar. Um dos motivos para nos orgulharmos é que em 2001 quando, no primeiro ano do século, a ONU decretou-o como o Ano Internacional do Voluntário, mais de uma centena de nações aderiu ao seu chamado.

Esse convite certamente, dentre muitos outros significados, tem um especial, que foi evidenciar a tarefa primordial de pessoas cuidando de pessoas. É a comunidade cuidando da comunidade. E milhares de pessoas no mundo inteiro estão mobilizadas, conscientes de seu papel de cidadão ativo, procurando soluções para as coisas que estão ao seu redor.

A cidadania solidária não é a terceira ordem do poder e nem o chamado Terceiro Setor é algo que pode substituir o governo em suas atividades. É exatamente a parceria e sinergia entre governo, empresas e sociedade que possibilitam a melhor solução para os problemas sociais.

Na modernidade do século 21, já se faz presente ativa a sociedade civil na discussão das soluções para as prioridades sociais. O voluntariado crítico, movido pela solidariedade, tem um papel pioneiro na construção de uma sociedade comprometida com o bem-estar de seus membros e de um Estado com a participação efetiva dos cidadãos nas decisões de interesse coletivo.

É imperativo que os governantes reconheçam e valorizem sobremaneira a organização básica da sociedade civil, sem que a atuação voluntária signifique engajamento político-partidário ou um “concorrente” nas construções de políticas públicas, que continuam sendo dever do Estado.

Por outro lado, é preciso também que as organizações não governamentais descubram sua capacidade de estabelecer parcerias intersetoriais. A articulação em rede dos três setores é que possibilita a sustentabilidade do Terceiro Setor.

Todos os segmentos da sociedade estão comprometidos com o desenvolvimento. A educação deve ser prioritária para nossos filhos, mas sem valores e sem ética ela perde o sentido. A juventude está aderindo ao voluntariado.

Esta é também uma das maneiras de desenvolver e capacitar os jovens, na prática, para se tornarem cidadãos ativos, solidários e responsáveis pelo bem comum. Os jovens são líderes de hoje e o futuro é agora. Eles são cheios de entusiasmo, ideias e têm muito a contribuir.

Quanto às empresas, quando elas decidem envolver-se socialmente com a sua comunidade, estão ampliando o seu alcance estratégico. Hoje, a empresa sabe que o desenvolvimento sustentável passa pelo econômico, social, ambiental, político e cultural.

Elas estão ampliando o seu olhar, uma vez que as pessoas estão mudando a sua atenção para satisfazer não apenas suas necessidades físicas, mas também suas necessidades mentais, emocionais e espirituais. Ao eleger o Programa de Responsabilidade Social como um de seus objetivos estratégicos, a empresa demonstra a sua identificação e preocupação com as necessidades da comunidade na qual está inserida.

Neste final da primeira década do século 21, reconhecemos que as decisões que tomamos individualmente e nas empresas têm repercussões amplas. Estamos deixando de lado a expressão “O que eu ganho com isso?” para “O que é melhor para o bem comum?”. Quando nos identificamos com nossa comunidade e com o planeta, nos tornamos administradores sociais e ambientais.

Sentimos como se fossem nossos os sucessos e fracassos daqueles com quem nos preocupamos. Demonstramos a nossa enorme preocupação com as futuras gerações. Milhares de voluntários estão fazendo muito.

Porém, é necessário que muitos mais venham participar, pois as necessidades são muitas. A decisão ética, cidadã e humanitária de participação tem impacto decisivo na vida do outro, na vida das comunidades.

*Presidente (Voluntária) da ONG Parceiros Voluntários


26 de outubro de 2011 | N° 16867
PAULO SANT’ANA


Cerveja no cárcere

Fiz este poemeto em homenagem a Porto Alegre, cidade onde nasci, ou melhor, onde estreei, e vivo.

Cidade do meu cansaço,

Do meu repouso também,

Lhe amo, lhe quero bem,

Porque no fundo contém

Os liames dos meus amores,

Cidade dos meus queixumes,

Cidade dos meus ciúmes,

Cidade das minhas dores!

É indevida a esmola que tu deres quando o mendigo que a receber se alegrar mais do que tu.

O bem que se faz não tem memória. O mal que se faz, este nunca sai da memória.

Fui almoçar ontem no Bandejão, o restaurante mais popular da RBS. Comi esplêndida abobrinha com queijo gratinado, pastel de galinha, arroz, feijão, bife de alcatre com molho de carne, sopa, salada, suco de frutas diet e de sobremesa um delicioso creme de amendoim.

Disseram-me que para nós, funcionários, a refeição custa apenas em torno de R$ 2,50.

Deli Matsuo, o novo vice-presidente de gestão e pessoas da RBS, andou também lá pelo Bandejão, antes de mim, o que prova que por onde ele passa continua crescendo a minha grama.

O senador Paulo Paim (PT-RS) solicitou da tribuna do Senado Federal um voto de aplauso a este colunista pela comemoração de meus 40 anos de trabalho na RBS.

E leu por inteiro da tribuna a coluna de sexta-feira passada, quando transcrevi a letra do samba-enredo que a Imperadores cantará na avenida no ano que vem, em homenagem ao próprio Paim.-

Não há turno mais propício ao tédio do que a tarde de domingo. A semana foi pesada e ameaça voltar na segunda-feira.

Essa monotonia cotidiana é amassante e se a gente não passeia com o cachorro ou não anda de bicicleta, ameaça soçobrar.

O trabalho enobrece o homem, mas cansa pra burro.

Essa notícia da apreensão de 2.600 latas de cerveja no interior de uma prisão para policiais militares no Rio de Janeiro é objetivamente um marco na desordem que grassa pelo país.

De um lado, já estranha que haja 300 policiais militares presos em um estabelecimento, eles tinham sido talhados para prender e cuidar de presos e acabam se tornando detentos.

Por outra parte, soa como odioso o privilégio de que presos consumam 2.600 cervejas. Mas, num país em que é proibido o consumo de cerveja nos estádios de futebol mas se permite à Fifa que haja exceção na Copa do Mundo de 2014 e voltará então a se beber cerveja nos estádios, tudo é possível.

Ninguém sabe explicar como podem passar pelo portão principal de uma prisão 2.600 cervejas sem que os responsáveis pelo estabelecimento carcerário tomem conhecimento dessa carga.

A que serviriam as milhares de latas de cerveja? A um aniversário de preso ou a um show que apresentaria o Zeca Pagodinho, cantando com uma lata de cerveja na mão?

É o fim da picada!


26 de outubro de 2011 | N° 16867
DIANA CORSO


Escutar os enlutados

Eram um casal inseparável. Ambos obstetras, trouxeram centenas de bebês ao mundo. Dizem que os partos estão deixando de ser nascimentos, transformados em cirurgias eletivas.

Com eles não era assim. Criaram dois filhos, tiveram netos, estavam aproveitando o início de uma nova época, com menos trabalho, curtindo a sensação de dever cumprido. Subitamente ele partiu, sequer teve tempo de perceber a morte. Tranquilo, em casa, em meio a uma frase, foi traído pelo coração. Levou consigo os belos planos de (mais) vida a dois.

Nesse ano minha consulta anual atrasou-se. Não sabia o que dizer a ela, já mais amiga que médica. Nossos papos roubados costumeiramente abarrotavam sua sala de espera. Encontrei-a forte. No consultório que era de ambos, costumava se escutar a voz dele, alta e musical, agora o silêncio se fazia ouvir.

Naquele dia fui disposta a inverter as coisas: a consulta era minha, mas queria que os assuntos fossem dela. Sabia que seria difícil escutar o que ela tinha para contar. Também constituo um casal no qual partilhamos o trabalho e o companheirismo dos tempos livres, por isso sempre nos vi neles. É insuportável pensar que um dos dois pode instantaneamente desaparecer. Por isso a missão de escutá-la era difícil. Temia sufocar o encontro com uma verborragia solidária mas vazia.

Descobri que sua relação com a dor foi admirável: deixou-se chorar, enfrentou a solidão, a nova imparidade. Continuou, como de hábito, sendo parteira da vida, desta vez da própria, arrancada a fórceps das suas entranhas. Mas encontrei também o que temia: a infinita solidão dos enlutados.

Quando falamos com eles raramente suportamos seus depoimentos. Impomos nossa versão: relatamos o último encontro, nossa reação ao saber da perda, a falta que o falecido nos faz. Sempre temos algo a dizer, não importando se fomos próximos, íntimos ou remotos admiradores. Aliás, quando se trata da dor do outro, raramente conseguimos escutar suas queixas sem interpor nossos depoimentos: “também passei por isso e, veja bem, comigo foi pior”...

Colocar-se na cena serve para partilhar o sofrimento, ajuda na elaboração do trauma. Mas a tagarelice ansiosa que irrompe na hora das condolências é útil mesmo para abafar as palavras do enlutado.

Quando estamos fora da dor do viúvo, do órfão, dos que foram privados da presença de um pai, irmão ou, o pior de tudo, um filho, não queremos chegar tão perto.

Seu sofrimento assusta. O enlutado nos apavora mais do que o morto no seu caixão. Apesar de ser nossa única certeza, a morte segue tabu e o sobrevivente seu emissário.

terça-feira, 25 de outubro de 2011



25 de outubro de 2011 | N° 16866
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Enem era para tanto?

No passado fim de semana, mais uma prova do Enem, Exame Nacional do Ensino Médio, nascido para ser um diagnóstico da situação dessa tão incompreendida etapa da educação formal. Para essa finalidade diagnóstica, o exame tem sentido e tem todo o direito de ser focado mais em competências abstratas do que em conteúdos concretos, com questões que exigem mais raciocínios, conexões, ilações etc, e menos memorização, interpretação de dados ou contas.

Mas o MEC resolveu que esse pato merecia ser ganso, e inventou que o exame passaria a ser o exame vestibular, de ingresso ao ensino superior. O prezado leitor entende a diferença?

Uma coisa é aplicar uma prova para saber se está funcionando o Ensino Médio – preparar engenheiros e técnicos, criar leitores de literatura, inventar cientistas criativos etc–; bem outra é aplicar uma prova para dizer quem são os mais destacados na escala que se adotar para medir o desempenho.

Ora, faz uns 50 anos que as universidades elaboram exames para escolher seus alunos mediante provas pensadas e testadas com ciência e paciência. O leitor, que é um ingênuo, vai deduzir que o MEC usou essa vasta experiência para fazer seu Enem. Certo? Errado: o MEC passou ao largo disso, porque considerou que era tudo “conteudista”, palavra que os pedagogos no poder consideram um crime pior do que bater na mãe.

Um dos argumentos para criminalizar o “conteudismo” tem cabimento: trata-se de condenar o ensino imbecil que promove apenas memorização, sem incentivar raciocínio nem invenção. Por acaso as escolas e os vestibulares das universidades eram sempre assim? Claro que não.

O MEC generalizou e, dispondo de dinheiro para pressionar as universidades, transformou seu Enem “anticonteudista” em vestibular geral do país. Professores de Ensino Médio estão em desespero porque ficaram com o ônus do imbróglio, tendo diante de si o aluno que quer passar no Enem mas sem disporem da regra do jogo, jogado lá em Brasília.

Sabe quem é que resiste a esse poder, ainda? Por acaso, quatro das cinco maiores universidades do Brasil: USP e Unicamp, além da nossa valorosa UFRGS e da UFMG, que o adotam com grande parcimônia (a UFRJ se entregou totalmente, este ano). Alguma coincidência nisso? Ou será que as quatro resistentes têm alguma sólida razão para evitar o Enem? Que é que o leitor acha?

fischerl@uol.com.br


25 de outubro de 2011 | N° 16866
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Sobre o vinho

Uma amiga me presenteia com um Chardonnay Viognier e logo me desperta lembranças da infância. Meu pai nunca deixava de acompanhar o almoço e o jantar com uma garrafa de bom vinho. Aos adultos era servida a taça inteira. Para nós, as crianças, reservava-se sempre uma pequena dose.

Cresci tomando vinho, em especial o daqueles barriletes enviados por eleitores da Serra, onde eram fabricados. Para prová-los era mister aspirar o precioso líquido com um sifão, de onde descia belo, inebriante, desejável.

Depois, meus pais se foram e já não havia mais vinho à mesa. Isso não impediu que guardasse a memória daquele prazer, provando um cálice sempre que pudesse. Não estou só nessa devoção.

Ainda agora, Veja traz belo ensaio de Jerônimo Teixeira sobre um livro do filósofo inglês Roger Scruton, que recorda que o vinho é a própria civilização. “A distinção entre os países civilizados e incivilizados” – afirma ele – “é a distinção entre os países onde se bebe e onde não se bebe”. E evoca que o vinho foi a bebida dos banquetes filosóficos gregos, das saturninas romanas, da Eucaristia cristã. Em verdade, a videira já era cultivada 6 mil anos antes de Cristo.

Anacreonte, no século 6 a.C., dizia: “Enquanto bebo o alegre vinho, os meus desgostos adormecem”. E nos Salmos se lê: “O vinho alegra o coração do homem”. Omar Kháyyám, no século 12, ensinava: “Não abandones nunca o mágico que tem o condão de conduzir-te ao doce país do esquecimento” .

E o grave Lutero pregava: “Quem não gosta de vinho, mulher e canção fica um tolo ao longo da vida”.

Rabelais era positivo: “Nunca homem nobre desdenha um vinho bom”.

Victor Hugo era definitivo: “Deus só fez a água, mas o homem fez o vinho”.

Voltemos agora a Roger Scruton.

Sobre a fruição estética de um cálice de vinho, observa que não é a mesma que temos diante de um quadro, um poema, uma sinfonia.

Mas o vinho está longe de oferecer um entorpecimento vulgar: o inebriamento não seria mero efeito do álcool, mas estaria associado a todas as sensações que a bebida provoca sobre o olfato e o paladar, no momento em que a tomamos. Há uma dimensão ritual no consumo do vinho, que remete ao culto grego de Dionísio e, é claro, à Eucaristia cristã.

E nada mais disse, nem nada lhe foi perguntado.

liberato.vieira@zerohora.com.br


25 de outubro de 2011 | N° 16866
DAVID COIMBRA

O povo não é novo

Steve Jobs, há pouco desencarnado, não fazia parte do meu rol de admirações. Não o considerava um gênio inventivo; no máximo, um empresário genial. Mas houve algo que ele disse, do tanto que disse, que me arrancou um sorriso de satisfação quando ouvi (ou li). Jobs contou que não encomendava pesquisas de opinião para a sua empresa, que nunca se baseava na opinião da maioria. Porque ele queria inovar, ele queria ser pioneiro, e a massa jamais inova, jamais é pioneira.

É lógico. A maioria sempre é conservadora, simplesmente porque a maioria sempre olha para trás. Não que todas as maiorias sejam obtusas, não, mas porque a capacidade de ver algo onde nada existe é uma capacidade de poucos. Como uma massa de pessoas teria condições de, em conjunto, conceber uma novidade? Impossível. A criatividade é um dom que se exercita individualmente.

Qualquer coisa absolutamente nova choca a maioria. Afinal, a mudança é uma violência, mesmo que seja uma mudança para melhor. A tendência das pessoas é continuar na inércia, no confortável movimento retilíneo uniforme. Uma parada ou uma aceleração fazem com que você seja impulsionado para frente ou para trás e, às vezes, caia.

A pesquisa de opinião, a enquete, o grito das ruas, a vaia ou o aplauso do estádio, o senso comum, enfim, deve ser apenas um dado, só mais um dado entre tantos que o líder reúne para tomar sua decisão.

Nessa categoria está a escolha de um técnico de time de massa, como o Grêmio ou o Inter. Um bom técnico não é necessariamente um técnico popular. Um bom técnico às vezes é o técnico do dirigente, do líder, não o da torcida. O líder, volta e meia, tem a obrigação de enfrentar a torcida. E ser, como a torcida espera, superior a ela.

O Caso da Cueca

O Bernardo jogou a cueca dele pela janela. Foi ontem de manhã isso. Ele está na fase de ter que tirar a fralda, mas quem diz que quer tirar a fralda? Então, quando ele viu aquela cueca saindo da gaveta na mão da babá, protestou:

– Cueca, não!

E saiu correndo feito um ratinho.

Mimi, a babá, saiu correndo atrás dele, brandindo a cueca. Ele urrava como se fosse um porco indo para o abate:

– Cueca, não! Cueca, não!

Mas a brava Mimi não desistiu. Com denodo e astúcia, encurralou-o num canto do quarto. Ele não tinha mais saída, era parede à esquerda, parede à direita e Mimi à frente. Teria que botar a cueca! A Mimi foi se aproximando, se aproximando, encurvada como um goleiro esperando a cobrança do pênalti... Aí, quando ela estava bem pertinho, ele puxou rapidamente a cueca da mão dela e, tchun!, atirou-a pela janela.

Cinco minutos depois, lá estava o otário aqui subindo numa escada com uma vassoura na mão a fim de puxar a desgranida da cueca do telhado.

É o que falo das mudanças. Ninguém gosta de mudanças.

Como se ganha o ano

Grêmio e Inter não serão rebaixados em 2011. E nenhum deles será campeão brasileiro em 2011. Só o que disputam é a duvidosa honra de se classificar para alguma competição de maior ou menor prestígio. Mas não será a classificação ou não para a Libertadores, por exemplo, que fará com que um ou outro vá terminar o ano em paz. Será o resultado do Gre-Nal. O último jogo do ano, justamente o clássico, fará 2012 começar muito bem ou muito mal.

Sem culpados

Houve quem reclamasse que, nas avaliações do fracasso gaúcho como protagonista da Copa das Confederações, o Grêmio tenha sido apontado como um dos culpados.

O Grêmio não é um dos culpados.

O Inter também não.

Nem o prefeito, o governador, o presidente da Federação, os deputados e os vereadores.

Não há culpados, mas todos somos responsáveis.

O Rio Grande do Sul pecou pela falta de coordenação, falta de antecipação. Falta de planejamento.

Planejamento, essa é a palavra. Tudo o que se faz de bom, faz-se com planejamento.

Um Trem Para a Suíça

No próximo dia 7 estarei lançando meu 15º livro, às 18h30min, na Praça da Alfândega.

O título é “Um Trem Para a Suíça”. Conto histórias de 10 viagens que fiz nos primeiros dez anos do novo século, além de meia centena de crônicas.

Foram viagens para a Suíça, claro, mais Alemanha, Japão, China, Espanha, Malásia, Coreia do Sul, Colômbia, Venezuela e África do Sul.

Espero você lá


25 de outubro de 2011 | N° 16866
FABRÍCIO CARPINEJAR


Sacoleiros do divórcio

Eram separados recentes. Mariana e Renato já tinham atravessado o apocalipse do primeiro mês, momento crítico em que se torce deslavadamente para a tragédia do ex. (Torcer é um eufemismo, rezava-se para que o divórcio logo se transformasse em viuvez. Quem passou pela fossa sabe do que estou falando: o desejo 24 horas por dia para que o outro morra, desapareça da face da Terra, evapore da humanidade.

E que seja uma morte retumbante, com ampla repercussão nas redes sociais, esmagado pelo Arco da Redenção, ou atropelado por uma bicicleta na ciclovia do Gasômetro).

Os dois curtiam a segunda fase da separação: a curiosidade do ódio, aquele período fundamental em que se paga por informações para descobrir como o nosso antigo par está reagindo ao luto. Mariana e Renato queriam porque queriam notícias, adoeciam de ansiedade para desvendar se o ex engatou um novo relacionamento e esqueceu o passado, mas não poderiam se telefonar.

Soaria suspeito ligar para os amigos perguntando, ficaria muito na cara o interesse, representaria uma recaída. (Ansiedade não é o nome certo, talvez seja medo de que o ex seja feliz primeiro. Existe uma competição oculta entre os separados: quem sai mais nas baladas, quem emagrece mais, quem tem mais amigos no Facebook, mais seguidores no Twitter).

Ambos psicanalistas, lacanianos assumidos, Mariana e Renato não se sentiam à vontade usando a filha Marisa, de três anos, como garota de recados. Viviam criticando essa atitude, quando a criança é intermediária da crise, uma espécie de mula do tráfico amoroso, levando ofensas e indiretas entre os lares.

Mas Mariana e Renato encontraram um modo inteligente de se comunicar: as sacolas das lojas. A filhota chegou para dormir na casa do pai com os pertences numa sacolinha de caríssima loja feminina de sapatos, onde cada par não custava menos de R$ 500.

Aquilo irritou o homem: “Eu sofrendo para pagar a pensão e ela gastando os olhos da cara”. Para quê? Não deu outra: a filha voltou para a mãe com sacolinha de grife masculina. Mariana reparou na marca Armani e se enfureceu: “Comigo, ele vivia de abrigo molambento, velho, agora torra tudo o que não tem com terno, deve estar apaixonado por alguma piranha”.

A reação veio no final de semana seguinte. Providenciou que a filha visitasse o pai com uma sacola de free shop. Renato bufou: “Agora a cretina viaja ao Exterior! Ao meu lado, só íamos almoçar na sogra em Cachoeirinha”. Preparou a vingança mais do que perfeita, apareceu numa rede de lingerie para pedir uma sacola emprestada na maior cara de pau, comportou as coisinhas da filha lá dentro e teve sucesso.

Sua desafeta predileta babou, esperneou e ralhou que não aguentava a provocação: “Ele nunca comprou um sutiã para mim, sequer conhece o número do meu peito, agora o pilantra distribui peças íntimas para suas namoradas”. Após sete dias, apelou de vez e pôs as roupinhas da menina numa bolsa plástica prateada e fosca, própria de sex shop.

Foi um golpe baixo. Renato perdeu a educação dos símbolos, pegou o telefone e rompeu o silêncio:

– Da próxima vez, pode mandar os objetos da nossa filha numa sacola que não seja de sacanagem?

– Por quê? Está com ciúme? – pergunta Mariana.

– Não, imagina, deixa pra lá...

E começava a terceira e última fase da separação: a hipocrisia, fingir que nada mais é importante.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011



24 de outubro de 2011 | N° 16865
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Leitores assassinos

São do renomado intelectual José Castello as seguintes considerações: “Em que medida somos nós, leitores, que destruímos a reputação de um livro? De que maneira leituras apressadas, indiferentes, superficiais, acabam por matar grandes livros?

Sempre achei que o leitor não é só leitor, é coautor dos livros que lê. Coautor, mas também pode ser o assassino dos mesmos livros. Isso sem importar que sejam grande livros, ou pequenos livros”.

Está coberto de razões. Corremos o risco de perdermos o encanto da leitura e o prazer do texto sob a alegação de que não temos tempo para nada e, de modo especial, para a leitura.

O tempo, ou a pseudofalta dele, acabam por gerar pensamentos que são repetidos sem nenhuma espécie de crítica. Alguns desses: ninguém lê mais do que as primeiras páginas de um livro; os capítulos devem ser curtíssimos; o romance está destinado ao desaparecimento; então: ler romances, para quê?; a crônica, porque curta e leve, é o gênero preferido pelo povo etc.

Será mesmo verdade que não temos tempo?

Como explicar, então, o exercício de paciência exigido para as complexas criações do espírito humano, que vão desde as pesquisas para a cura do câncer ao estabelecimento de uma nova teoria a respeito do surgimento do Universo ou, ainda, à elaboração de um consistente pensamento filosófico ou estético?

E agora, mais concretamente: como explicar as seis horas por dia que um jovem dedica à internet, operando jogos sofisticadíssimos? Nada disso seria possível com pressa ou impaciência.

Não nos falta tempo; faltam, sim, interesse e disposição.

O fenômeno trazido à luz por José Castello acaba levando a ações patéticas, como o abandono de uma obra magistral nas primeiras cinco páginas, isso porque ela não nos deu, nessas páginas iniciais, motivos para divertimento fácil e pouco uso da imaginação.

O agente literário nova-iorquino Noah Lukeman, em obra ainda não traduzida no Brasil, The First Five Pages, elabora algumas proposições interessantes. Diz, por exemplo, que as primeiras cinco páginas não terão um fim em si mesmo, mas elas anunciam o quanto um livro pode render. Logo: ler as primeiras cinco páginas como finalidade em si mesma é uma das formas de trucidar o texto.

Quer-se dizer, de maneira sintética: para a conquista de um avanço emocional, cultural ou artístico, é, sim, necessária alguma dose de trabalho e de concentração.

Assim: em vez de assassiná-lo, demos oportunidade ao livro.


24 de outubro de 2011 | N° 16865
PAULO SANT’ANA


Dois ditadores

No aeroporto, há um cartaz orgulhoso dos taxistas no ponto de táxi: “Tarifa de táxi especial igual à dos táxis comuns”.

Da mesma forma, na rodoviária, tinha de ter um cartaz no ponto de táxi: “Tarifa de táxi comum ao mesmo preço dos táxis especiais do aeroporto”.

O que é visto como atrativo no aeroporto, na rodoviária passaria a ser um anúncio autopejorativo.

Previdente é aquele passageiro de avião e de ônibus intermunicipal ou interestadual que nunca marca retorno à sua cidade em domingos e feriados, com o fim de não pagar bandeira 2 de táxi.

O ministro dos Esportes, Orlando Silva, só não foi demitido até agora, debaixo de alvo insistente de denúncias, porque é negro.

É um fenômeno parecido com o do presidente norte-americano Barack Obama, ele só não despenca fragorosamente nas pesquisas de aferição da intenção de voto e não faz perigar sua estabilidade na presidência, depois de sucessivos erros administrativos e de conduta política confusa, porque é negro.

Negro tem mais resistência para cair, fruto da simpatia que a raça adquiriu sendo oprimida durante séculos.

Eu acho estranho que estes ministros da Dilma, que foram herdados e talvez impostos pelo Lula, tenham caído ou cambaleado somente agora, não foram atingidos pela degola no governo Lula.

Por isso é que Lula declarou estes dias que os ministros agora de Dilma tinham de se tornar mais resistentes e enérgicos às denúncias.

Não passa também despercebido que quem vem derrubando os ministros atingidos por denúncia de corrupção não é propriamente a presidente, e sim a revista Veja.

É democraticamente sublime que uma revista adquira o poder de demitir ministros, realçando a importância da imprensa junto às instituições.

Se Dilma foi obrigada a manter o ministério de Lula, deve estar sendo para ela saudável que possa contar com a revista Veja para substituir ministros e assim partir para um ministério da sua escolha, expungindo os que lhe foram impostos por seu antecessor.

Na marcha que vai, se a Veja continuar profícua em suas matérias investigativas, Dilma poderá renovar a quase totalidade do seu ministério, livrando-se assim da herança política e partidária que não contou com a soberania de escolha da presidente.

É curiosíssimo que tanto Saddam Hussein quanto Muamar Kadafi, no fim de suas vidas, tenham sido encontrados em um porão subterrâneo e num tubo de concreto que servia de esgoto.

Ou seja, foram capturados como ratos.

E é tanto mais significativo que tanto os iraquianos quanto os líbios nunca tiveram força interna suficiente para derrubar os dois ditadores, tiveram de se valer da ajuda decisiva das tropas de nações ocidentais.

É instigante que os Estados Unidos e diversos países europeus tomem a decisão de derrubar ditadores árabes. Isso determina uma total submissão da política dessas nações árabes ao poder ocidental.

Imaginem se os EUA da América influenciassem para derrubar um governo brasileiro, se é que isso já não tenha ocorrido na derrubada dos ex-presidentes João Goulart e Salvador Allende.

A única diferença é que Iraque e Líbia são dois dos maiores produtores de petróleo do mundo, o que naturalmente os faz agora reféns econômicos dos países que os ajudaram na queda de seus dois ditadores.

Por trás desses emaranhados complicadores, sem qualquer sombra de dúvida, estão os interesses financeiros.

Mas será que Kadafi merecia ser executado com dois tiros? Ainda falta esclarecer se Kadafi foi mesmo um ditador sangrento.

Sobre Saddam não havia qualquer dúvida a respeito.


24 de outubro de 2011 | N° 16865
J. A. PINHEIRO MACHADO


Pobre do Rio Grande

Caio Araujo Ribeiro foi um dono de bar inesquecível, no comando do sempre lembrado “106”, na praça Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Certa vez, entrou um gaiato – ilustre, por certo, em impecável terno de linho branco, lenço de seda e chapéu panamá – e se surpreendeu com o Caio preparando um impecável blood mary: “Veja só!

Um Araujo Ribeiro atrás do balcão... Pobre do Rio Grande!” O Caio que, entre outras virtudes magníficas, sabe rir de si mesmo, se encarregou de tornar o caso um clássico da ironia rio-grandense. A frase, por certo, é injusta quanto à estirpe dos Araujo Ribeiro: o Dr. Delmar e dona Sarinha (ah, aqueles almoços!) mostraram o caminho ao Paulo Odone, ao Dinho e tantos outros.

Mas, em relação ao Rio Grande, a frase dita quase 30 anos atrás era premonitória. O episódio da escolha das sedes da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, bem a propósito, é emblemático.

São assustadores os dados do imenso revés do nosso Estado, detalhados por Marta Sfredo, na edição de ontem de ZH, estimando perdas diretas de 400 milhões de reais, segundo cálculos idôneos. O editor de Copa Rodrigo Müzell contribuiu para aumentar nosso constrangimento, mostrando as conquistas do Ceará, com trabalho intenso e bem articulado.

Fortaleza vai sediar uma das semifinais da Copa das Confederações. Em 2014, na Copa do Mundo, terá o mesmo número de jogos de São Paulo, seis, e poderá, ainda, receber dois jogos da Seleção Brasileira. Em moeda corrente nacional, o prêmio dessa vitória é incalculável. Além de abocanhar boa parte do que Porto Alegre perdeu, quanto valerá a divulgação mundial das “marcas” Fortaleza e Ceará?

Nada disso veio de graça. Uma frase do secretário da Copa do Ceará, Ferrucio Feitosa, resume as bases da vitória: “Achei prudente ficar dentro do próprio estádio no primeiro ano, exatamente para acompanhar as obras de perto.”

A derrota do nosso ufanismo gaúcho foi assunto de jornais de fora do Estado no fim de semana. A Folha de S. Paulo registrou esforços de última hora da empreiteira que cuida do Beira-Rio, tentando um gol heroico na prorrogação: “Considerava que, se algum representante de Porto Alegre fosse à Suíça, poderia colaborar para que a cidade tivesse mais protagonismo nas competições. Resultado: ninguém do Estado viajou à sede da Fifa e o RS teve seu papel diminuído.

” Estavam lá governadores, prefeitos e representantes de todos os Estados e cidades interessados, menos nós, e isso, por certo, ajudou. Mas atribuir essa derrota somente ao lobby de última hora é acreditar no pensamento mágico. Vale a constatação daquele ministro da ex-Alemanha Oriental, testemunhando, perplexo, a demolição, pedra por pedra, do Muro de Berlim: “Acho que cometemos algum erro...”

O inventário de nossas culpas está em andamento. Mas é indispensável o programa de nossas esperanças. O futuro nos aguarda.


24 de outubro de 2011 | N° 16865
EDITORIAIS ZH


O desafio de viver em rede

Otema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), encerrado ontem, não poderia ser mais oportuno e mais adequado para a faixa etária da maioria dos candidatos: “Viver em rede no século 21: os limites entre o público e o privado”.

Por coincidência, na mesma avaliação em que os estudantes tiveram que escrever sobre o uso adequado das redes sociais, mais de uma dezena de candidatos foi eliminada exatamente por acessar o Twitter via celular durante a prova, o que era terminantemente proibido.

Idealizado para aferir a qualidade do Ensino Médio no Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que mobilizou milhões de estudantes em todas as unidades da federação, é hoje não apenas um instrumento de avaliação das escolas, como também um canal democrático de acesso às universidades públicas.

Entre as instituições de Ensino Superior, dezenas já utilizam seus resultados como complementação dos processos seletivos e algumas até substituem totalmente o vestibular pelo Enem, um atrativo a mais para os estudantes participarem do exame – com base na pontuação, os alunos também obtêm a qualificação para conseguir o diploma do Ensino Médio e podem se candidatar a bolsas do Programa Universidade para Todos (ProUni).

O Enem também passou pelas suas próprias provações recentemente, por conta de erros e vazamentos em provas que suscitaram desconfianças e críticas. Em 2009, chegou a haver o adiamento do concurso e, no ano passado, alunos tiveram de realizar o exame uma segunda vez em função de erros detectados.

Mas, para superar descrédito, o Ministério da Educação buscou mecanismos para aperfeiçoar o sistema de avaliação. As provas são elaboradas para oferecer uma referência para autoavaliação com vistas a auxiliar nas escolhas futuras dos cidadãos, com relação tanto à continuidade dos estudos quanto à sua inclusão no mundo do trabalho. Também por isso o tema da redação foi extremamente pertinente, como ficou comprovado no próprio exame, que acabou servido de teste para a cidadania.

domingo, 23 de outubro de 2011


JOSÉ SIMÃO

Pan! Ouro em cadeira de praia!

E chega de Pan. Você liga a TV e sempre tem um lutando, pulando, nadando, correndo! Ufa!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão urgente! O esculhambador-geral da República! Olha esta faixa: "Perdeu-se um cão da raça pitbull, pede-se a quem encontrar... MIL DESCULPAS!". E esta na Feira do Alecrim, em Natal: "Neta das Calsinhas! Promoção: calsinha boca de confusão, 3 x R$ 5". Adorei essa "calsinha" boca de confusão. Deve ser a da Joana Machado, ex do Adriano!

E esse Pan com ovo? Pan na Record é bom porque você fica sabendo de coisas nunca imaginadas: o Gugu ainda tá no ar e tem a novela "Rebelde"! E chega de Pan. Você liga a TV e sempre tem um lutando, pulando, nadando, correndo! Ufa! Quero ouro em cadeira de praia! Vou lançar a campanha "Abaixo o tanquinho! Viva o chopinho".

E um amigo diz que acordou com o espírito do Pan: ouro nos dentes e chumbo no pau. Rarará! E encontrei uma predestinada no Pan. Goleira da seleção brasileira de handebol: Chana! Essa pega todas. Bola não entra. E as meninas do handebol são melhores que os meninos do pébol!

E o Enrolando Rolando Roubando Orlando Silva, ministro dos Esportes? Suspeito de desviar dinheiro. Normal, desviar dinheiro é um esporte nacional! E tudo com uma ONG chamada Segundo Tempo. Se eles roubam tanto no segundo tempo, imagine na prorrogação!

E o chargista Nani disse que só no Brasil ONG sem fins lucrativos faz milionários. Milionários sem fins lucrativos. Rarará! E a Dilma deu um carrinho por trás no ministro! Aliás, só falta a Dilma demitir o Mano e assumir a seleção! Rarará!

E o Itaquerão vai abrir a Copa! O estádio com mais apelidos: Gambazão, Diferenciadão, Maloqueirão, Faixa de Gaza e Arena Mãos ao Alto. E em vez de Fielzão, Ateuzão.

Porque ninguém acredita que vai ficar pronto! E os times mineiros, hein? A zona de rebaixamento tá sendo chamada de Guarapari: só tem mineiro. Rarará! E a Série B muda pra série BH! E os ministros da Dilma vão ganhar ouro em revezamento de propina. E a Hebe, a Marta e a Ana Maria Braga, em revezamento de bisturi!

E mais uma série de Os Predestinados! Direto de Missões (RS), gerente do Wilson Park Hotel: OTÉLVIO! Rarará! E direto de Portugal, dono de academia de ginástica: Paulo ESFOLADO! E de Irineópolis (SC): Clínica de Fisioterapia Doutor SARRAFO! É verdade. Eu tenho a foto. Nóis sofre, mas nóis goza.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br

FERREIRA GULLAR

Internautas do mundo todo, uni-vos!

Os jovens dos países capitalistas estão indo à rua para exigir mudanças radicais no capitalismo

DESCONFIO QUE algo de novo está acontecendo no planeta. Começou no Oriente Médio e no norte da África e agora se estende por outras partes do mundo, chegando até o Brasil e os Estados Unidos.

É evidente que estou generalizando, uma vez que o que levou as pessoas às ruas no Egito e na Líbia não foi a mesma coisa que agora as mobiliza em quase cem países e quase mil cidades. As causas são diversas, e o número de manifestantes varia muito de país para país.

Não obstante, podemos chegar a uma primeira conclusão: por mais diferenças que haja entre essas manifestações, boa parte delas tem em comum ser espontânea e não ter sido organizada por partidos políticos nem entidades de classe. São o que apelidei de "manifestações do povo desorganizado".

Há ainda outras diferenças, uma vez que as motivações não são as mesmas e o adversário a vencer tampouco, já que no Egito e na Líbia, por exemplo, o inimigo era o regime autoritário, antidemocrático, e nos Estados Unidos ou na Itália, não se trata disso.

Por essa mesma razão, naqueles países, o objetivo era pôr abaixo o regime, ainda que a custo de uma guerra civil, enquanto, do lado de cá, seja na França ou na Grécia, protesta-se contra medidas conjunturais tomadas pelo governo em face da crise que lhes abala a economia. Devemos observar, no entanto, que, embora coincidindo em alguns aspectos, essas manifestações diferem pouco dos atos de protesto mais ou menos habituais.

Já o que ocorre em países como os EUA e o Brasil tem outro caráter, não apenas porque não tem por trás partidos políticos e sindicatos mas também porque os motivos daqueles outros protestos são conjunturais, diria mesmo tradicionais.

O leitor pode estar achando pouco clara essa minha exposição, e com razão, porque, de fato, esforço-me, eu mesmo, para entender o que ocorre ao mesmo tempo em tantos países e que não é fácil de definir.

Mas vamos tentar. Comecemos por um fator que é novo e comum a essas manifestações do povo desorganizado: a internet. Sem ela, certamente seria impossível mobilizar tanta gente para trazer a público seu descontentamento ou sua indignação.

Na Líbia, na Síria, o povo se ergueu contra a falta de liberdade e os privilégios de que gozam os donos do poder e clama por democracia. Onde há democracia, como nos países ocidentais, as causas do descontentamento são outras; atrevo-me a dizer que se rebelam contra os excessos do regime capitalista. E aqui me parece estar a novidade. É isso aí: os jovens dos países capitalistas vão à rua para exigir mudanças radicais no capitalismo.

A coisa ainda não está explícita e daí a dificuldade de apreendê-la e defini-la. Mas é isso que me parece surgir nas ruas dessas numerosas cidades: uma visão crítica do capitalismo que não tem nada a ver com Karl Marx nem com o que se define como esquerda.

Se meu palpite está certo, trata-se de um fenômeno pelo menos curioso: alguns líderes dessas manifestações denunciam o que há de negativo no regime econômico que conquistou o mundo inteiro, até mesmo a China, onde o Partido Comunista se mantém no poder.

Como essas manifestações nada têm de ideológico, consequentemente não pretendem substituir o capitalismo por outro sistema econômico, isto é, substituir a propriedade privada dos meios de produção pela propriedade social daqueles meios, tal como pregava o marxismo e que resultava, de fato, em entregar a gestão da economia aos burocratas do partido.

Ninguém mais pensa nisso e, não obstante, os indignados de hoje consideram o capitalismo um regime injusto, cruel e corrupto, que não pode continuar como está.

Os comunistas diziam a mesma coisa para apresentar, como alternativa aos governos burgueses, a ditadura do proletariado (que, aliás, nunca ocorreu). Mas isso está fora de cogitação.

Não obstante, tendo derrotado o comunismo e se tornado o dono do pedaço no mundo inteiro, o capitalismo agora é questionado -sem "parti pris" ideológico- por aqueles que nunca leram Marx.

Por isso mesmo, não podem os seus defensores alegar que os que estão nas ruas exigindo mudanças são subversivos a serviço de Moscou ou de Pequim, hoje tão capitalistas quanto Nova York ou Londres.

DANUZA LEÃO

O poço que não tem fundo

Para quem recebe verba, dinheiro do governo é uma coisa vaga, não tem dono, não é de ninguém

QUANDO UMA pessoa normal, como eu, precisa fazer uma pequena obra em casa -infiltração no banheiro, por exemplo-, chama uma firma e pede um orçamento.

Nesse orçamento está incluída a parte hidráulica, alguma coisa de eletricidade, mais o serviço do pedreiro, eventualmente alguns azulejos, e a pintura. Eu acho caro, peço mais dois orçamentos; um deles é a metade do primeiro, o outro, o dobro. Como saber qual é o preço justo? Essa é uma situação comum, mas que me paralisa.

Imagine agora um ministério distribuindo verbas imensas, para que crianças carentes participem do mundo dos esportes.

Como saber o preço para manter 1.500 -digamos- adolescentes com uniformes, alimentação, mais o equipamento esportivo, manutenção das quadras, e por aí vai?
Quem controla o dinheiro que cada ONG recebe? Aliás, é sempre bom desconfiar quando ouvir "sem fins lucrativos".

Quem paga com seu próprio dinheiro procura encontrar os uniformes de preço mais razoável, as bolas de vôlei menos caras, a merenda mais adequada à garotada que pratica esportes; mas duvido que quem recebe o dinheiro do Ministério do Esporte faça como as pessoas comuns. Para eles, dinheiro do governo é uma coisa vaga, não tem dono, não é de ninguém.

Mas é, sim; é dinheiro nosso, e ontem, quando estava lendo as denúncias graves que atingem o ministro dos Esportes, o telefone tocou. Era o contador, dizendo quanto eu devo pagar de Imposto de Renda até o fim do mês -o pagamento é trimestral. Como, segundo alguém, a parte mais sensível do ser humano é o bolso, doeu; doeu e eu senti, na carne, para onde meu dinheiro ia. Não dá.

Como bem diz nossa sábia presidente, todo mundo é inocente até prova em contrário, mas nunca se saberá quais os critérios para decidir a que ONGs o dinheiro vai ser destinado, e por que são aquelas, e não outras -e quem recebe propina não assina recibo.

Esquecendo a propina, que é um mero detalhe -20%-, o fato de um ministério destinar tanto dinheiro para a Associação de Kung Fu, para a Federação Paulista de Xadrez, para a Liga do Futebol Society do Distrito Federal, já seria motivo mais do que suficiente para demitir o ministro. Já dançaram muitos, todos herdados do governo Lula -tanto quanto Orlando Silva; quem é mesmo que enchia a boca quando falava em herança maldita?

E cansa ler e ouvir as mesmas palavras, sempre iguais: "nego todas as acusações".

A Copa está chegando, envolve muita grana, cada um puxando a sardinha para sua brasa, as obras de estádios e aeroportos estão atrasadas, não dá para ter certeza de que tudo estará pronto, mas Deus é brasileiro, dizem.

Eu não entendo de economia, mas sei que se qualquer pessoa, assim como qualquer país, gastar mais do que pode -e mal-, não costuma dar certo. E o trem-bala, e a usina de Belo Monte? Nunca mais se ouviu falar.

Agora, parece que chegamos ao fundo do poço: já estão roubando merenda de criança. Mas que ninguém tenha ilusões: esse poço não tem fundo, e nunca vai se saber de ninguém que tenha sido preso.

PS - Pelo que sei, as passeatas contra a corrupção, contra o voto secreto e a favor da ficha limpa, são "combinadas", digamos assim, pelo Facebook, Twitter etc.; e quem não frequenta as redes sociais, como vai ficar sabendo, para poder participar?

danuza.leao@uol.com.br