sábado, 27 de fevereiro de 2010



Os cavalos do mar

27 de fevereiro de 2010 | N° 16259
NILSON SOUZA


A maior crueldade que já cometi com um animal foi ter obrigado uma égua a atravessar uma pinguela tão estreita que até o equilibrista do Cirque du Soleil hesitaria antes de dar o primeiro passo.

Não alego inocência, mas tenho atenuante: eu era menos que adolescente e fui intimado por um tio a buscar o bicho no campo. Parecia fácil, a égua era mansinha, mas estava do outro lado da sanga. E o único caminho que eu conhecia passava pela prancha que servia de ponte entre as duas margens.

Não tive dúvidas: passei primeiro e puxei com força a corda que prendia o pescoço da cavalgadura até que ela deixou de resistir e veio ao meu encontro, cruzando as patas como uma top model na passarela. Passou. Mas com tanto medo que quase me atropelou do outro lado. Foi aí que percebi que eu é que tinha sido a verdadeira cavalgadura por não ter procurado um local mais apropriado e seguro para a travessia.

A inteligência humana – que nem sempre funciona de forma satisfatória, como se vê no caso que acabei de relatar – nos faz senhores dos demais animais do planeta.

Éramos na pré-história da humanidade talvez o mais frágil deles, não tínhamos os dentes do tigre, nem as garras da águia ou as presas do mamute. Mas um dia acendeu-se uma luz no cérebro daquele serzinho que se esgueirava pelas sombras e se escondia nas cavernas.

E ele passou a desenvolver estratégias para dominar os grandes animais, para abatê-los e para submetê-los à sua vontade e aos seus interesses. Talvez esta luz seja, na verdade, apenas o dedo oponente, que nos permite empunhar armas, manejar cordas e construir armadilhas, mas preferimos ainda hoje acreditar que somos o gênio da lâmpada, mesmo nesta era digital em que os dedos parecem ter mais importância do que os neurônios.

A verdade é que dominamos e domesticamos a bicharada. Somos capazes de montar touros bravios e de fazer gato e sapato com os cavalos, que se tornaram verdadeiros escravos dos homens nesta parte do planeta.

Em outras paragens, camelos e elefantes também são usados como meios de transporte ou como máquinas de carga. Usamos e abusamos da paciência destes bichões, que parecem desconhecer a força que têm.

Acabei de ler A Viagem do Elefante, do português José Saramago, que relata a travessia de meia Europa por um paquiderme presenteado pelo rei de Portugal ao arquiduque da Áustria.

Mas a história mais interessante do livro é o causo de uma vaca que se perdeu no campo com sua cria e foi atacada por uma matilha de lobos. Durante 12 dias, conta o contador, ela enfrentou bravamente os agressores com chifradas e patadas, protegendo o filhote, até que conseguiu escapar.

Quando os homens a encontraram e a levaram para a aldeia, continuou bravia, não deixava ninguém se aproximar. E seus donos, não entendendo que ela aprendera a lutar por sua vida e por seu destino, mataram-na em dois dias.

Já os cavalos do mar estão morrendo de mansidão. Dá para entender o bicho homem?

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