domingo, 21 de fevereiro de 2010



O tabu da masturbação resiste

Maioria diz que se masturbar é "saudável e natural", mas não assume a prática; dificuldade com o tema é mais gritante entre as mulheres

EDITORA DO VITRINE

Inacreditável. Sessenta por cento da população do país não se masturba. A maioria dos brasileiros pesquisados reconhece que a prática é "saudável e humana", mas não a admite, na hora de preencher o questionário sobre os próprios costumes.

As mulheres elevam a taxa da população brasileira que supostamente não se toca: 78% disseram não ter o hábito. Entre os homens, metade afirmou o contrário.

"Esse resultado só mostra que a mulher ainda não pode falar no tema", diz a antropóloga Mirian Goldenberg. A psicanalista Regina Navarro Lins acrescenta: "Embora elas se masturbem menos que os homens, não é nessa proporção que aparece na pesquisa".

Pelo menos nas regiões mais desenvolvidas do país, as mulheres estão se masturbando mais, "ainda com muita culpa", fala a psicanalista. No raciocínio dela, um termômetro é o crescimento do mercado de sex shops, "que têm muito mais objetos para as mulheres".

Na última década, o homem deixou de ser o maior alvo dos sex shops -talvez por isso muitas lojas adotem agora a classificação de "butique erótica". Nesse negócio, que cresce 15% ao ano, o público feminino já responde por mais de 70% das vendas, segundo a Associação Brasileira do Mercado Erótico.

"As brasileiras compram esses produtos para a masturbação. Poucas têm coragem de usá-los com o companheiro, porque ele compete com o vibrador, acha ofensivo. São tantas que não têm coragem de potencializar seu prazer nem sozinhas, quanto mais com parceiros", diz Navarro Lins.

Os números acanhados da masturbação feminina impressionam até o psiquiatra Joel Rennó Júnior, coordenador do Pró-Mulher do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. "É surpreendente perceber que, apesar das conquistas dos últimos anos, o tabu persiste." Ele diz ainda ver, na prática clínica, homens chocados ao descobrir que suas parceiras também se divertem sozinhas.

A dificuldade de admitir a masturbação é a dificuldade de admitir a importância do prazer na vida, na tradução didática da educadora Maria Helena Vilela, do instituto Kaplan -Centro de Estudos da Sexualidade Humana. "Para a mulher que não se estimula sozinha, é mais difícil aprender a gozar numa relação a dois", lembra.

A mulher não pratica ou não assume a masturbação porque não pode mostrar que gosta de sexo. "É evidente que a mentalidade mudou muito, mas a mudança de comportamento é bem mais difícil. Predomina ainda a crença do século 19 de que mulher séria não gosta de sexo", diz a psicanalista.

É por isso também, segundo ela, que algumas não transam no primeiro encontro, ou não telefonam para o homem do seu interesse. Agem por condicionamento e estratégia, para não ""assustar" o homem com sua autonomia sexual, para evitar o julgamento e o descarte. "Algumas fingem tanto que acabam se convencendo de que não gostam de sexo", afirma.

Rennó reforça: "Mesmo que não se dê o direito ao prazer, toda mulher saudável, tenha a idade que tiver, gosta tanto de sexo quanto o homem".

Dar e receber

Pode ser. Mas eles gostam muito mais de sexo anal do que elas. Embora 57% das mulheres afirmem praticar essa variação, mais da metade dessas declaram não gostar. Entre os homens, 72% praticam, 22% dos quais dizem não gostar.

"Homens têm fixação no ânus, relatam que é mais apertado e quente que a vagina, por isso a relação seria mais prazerosa", diz Vilela. Segundo a educadora, a resistência maior da mulher está ligada ao fato de que essa prática exige dela um nível muito alto de excitação, para ultrapassar o desconforto.

Outro problema para a mulher é que o sexo anal ainda tem conotação pejorativa, socialmente. "É mais sacana. Exatamente por aí que estimula mais o homem", analisa Vilela.

Os homens também se divertem muito mais fazendo sexo oral nas parceiras, do que elas, neles. A pesquisa mostrou que 81% deles praticam a modalidade e que só 14% desses não gostam. Entre as mulheres, 72% praticam, mas 24% dessas disseram não gostar. Por que fazem, então? "Porque é dando que se recebe", brinca Maria Helena Vilela.
HELOÍSA HELVÉCIA

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