sábado, 27 de fevereiro de 2010



27 de fevereiro de 2010 | N° 16259
CLÁUDIA LAITANO


Carta aberta ao futuro governador

Caro futuro governante. Antes de mais nada, parabéns pela eleição. Seja quem for o senhor (ou a senhora), desejo sinceramente que encontre entre seus adversários políticos boa vontade e “fair play” suficientes para que possa trabalhar da melhor forma possível nos próximos quatro anos. Por ter recebido o voto de confiança da maioria dos eleitores gaúchos, saiba que conta desde já com o meu respeito.

Imagino que sua agenda esteja cheia de compromissos nesses primeiros dias depois da eleição – e que os assuntos mais urgentes envolvam questões administrativas e financeiras, além de conversas com os partidos que o apoiaram para decidir quem vai comandar esta ou aquela secretaria estratégica. Percebo que, na prática, nem sempre a pessoa que mais entende de uma determinada área é aquela que acaba sendo nomeada para ocupar o cargo de secretário de Estado.

Há casos em que, dentro de uma mesma equipe de governo, uma pessoa cheia de qualificações em uma determinada área é deslocada para outra, considerada mais importante, porque os arranjos políticos assim o determinam, o que é uma pena.

Esta cartinha antecipada de boas-vindas inclui um único e singelo pedido: em meio às muitas negociações para decidir quem será o secretário do Planejamento, da Segurança Pública ou da Educação, tire alguns minutos para pensar com carinho na escolha do próximo secretário de Cultura do Rio Grande do Sul.

Você (me perdoe a informalidade, mas, fazer o que, nasci nos anos 60...) pode não dizer em voz alta, mas talvez pense que a Secretaria de Cultura não é prioridade em um Estado tão cheio de problemas como o nosso.

Em um raciocínio mais pragmático ainda, pode calcular que, mesmo diante dos cenários mais desoladores na área cultural, dificilmente se verá uma passeata pela Borges de Medeiros ou uma concentração na Praça da Matriz exigindo uma política mais eficiente na área (ou “alguma” política que seja, algum ensaio de reflexão interna sobre o papel do Estado na Cultura, concordemos ou não com essa visão).

Essa apatia não é culpa sua ou dos governadores que o precederam, mas da sociedade gaúcha como um todo, que foi se acostumando com um cenário cultural cada vez mais minguado até chegar ao ponto em que nem sequer mais sabemos o que perdemos – olhe para os outros Estados, os ricos e os nem tanto, e vai perceber o quanto estamos em defasagem.

Seja quem for, o futuro secretário estadual de Cultura vai encontrar um orçamento limitado para trabalhar, é verdade. Mas é exatamente quando falta o dinheiro que mais se sente falta de um líder, alguém com habilidade para eleger prioridades e investir nelas, buscando apoio na sociedade civil e na iniciativa privada para desenvolver os projetos que o Estado não tem condições de bancar sozinho.

O secretário de Cultura, como o de qualquer outra área, deve ser um gestor competente, mas não basta nomear um sujeito com PhD em administração se ele não souber a diferença entre o Iberê Camargo e um certo Zezé com o mesmo sobrenome.

O secretário de Cultura deve gostar de ler bons livros, de ir ao teatro, de frequentar museus – e não por “exigências do cargo” mas por uma necessidade visceral de alimentar o espírito com algo além dos balancetes ou da seção de Política do jornal. Na Cultura, mais do que em qualquer outra área, deve valer a velha máxima do Barão de Itararé: de onde nada se espera, daí é que não sai nada.

Você tem a chance de ser lembrado no futuro como o governador que ajudou a reerguer a autoestima intelectual e cultural do Rio Grande do Sul. Não esqueça disso, e os seus eleitores também não vão esquecer.

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