Saber sofrer
Se eu tivesse a menor vocação para coach, faria minhas palestras motivacionais em cima dessa expressão muito usada no futebol, mas que serve para tudo. Saber sofrer.
Se possível, bem que eu gostaria de não ter aprendido a matéria, mas viver sem sofrer é para os fracos. Só mesmo a pessoa sendo transportada para uma bolha assim que chega ao mundo para não sofrer.
Não que o isolamento não seja uma pena, como sabemos. Dizem que o rei Charles, aka príncipe Charles, foi poupado de todos os dissabores pela entourage que o cercou desde criancinha. Resultado: dorme até hoje com seu ursinho de pelúcia da infância. Não sei o que isso significa, mas que é estranho, é.
Sofrer faz parte, infelizmente. São os sofrimentos superados que fazem da gente essa fortaleza que balança, mas não cai. Ou que cai, mas se levanta.
E nem me refiro aqui ao mais trágico dos sofrimentos, a perda de alguém, que vai doer para sempre, por mais que o tempo passe. Perdas, quais sejam, são sofrimentos que não se aprende, nem se esquece. Proust: "Só se cura um sofrimento depois de suportá-lo até o fim". Espera-se que até o fim do sofrimento, não do sofredor.
O sofrimento também acaba sendo essencial para a arte, quase uma estética. Sem ele, as maiores obras-primas não existiriam. Literatura, pintura, teatro, música, cinema, até mesmo uma linha escrita na porta do banheiro mais imundo do bar mais mequetrefe. O sofrimento não só ajuda a criar, como a purgar.
Pessoalmente, quando passo por dificuldades, gosto de ler frases sobre o sofrimento para me consolar. Penso: se o meu sofrimento não rendeu pelo menos uma frase boa, então estou sofrendo de barriga cheia.
Dante: "Não há dor maior do que nos recordarmos dos dias felizes quando estamos na miséria". Chico: "Quando chegar o momento/ esse meu sofrimento/ vou cobrar com juros". Bandeira: "Eu faço versos como quem morre". Imagine o que tem de dor nesse verso de um poema que se chama Desencanto. Batatinha: "Meu desespero ninguém vê/ Sou diplomado em matéria de sofrer".
Saber sofrer, no futebol, é aguentar a pressão, o calor, o bafo na nuca. É não desistir se tomar um gol e continuar indo para cima, mesmo que isso signifique levar outro gol. É correr atrás e não desistir. Se eu tivesse a menor vocação para coach, trataria de fazer minha palestra motivacional em cima desse conceito, e ilustraria o power point com a imagem da maratonista Gabriela Andersen cruzando a linha de chegada toda estropiada, mas sem desistir, nas Olimpíadas de 1984, e preencheria as outras lâminas com flores se abrindo, pássaros voando e o sol se pondo no Guaíba.
Mas que nada. Sigo aqui, lendo minhas pílulas de sofrimento, como em Convite Triste, do Drummond:
"Meu amigo, vamos sofrer, vamos beber, vamos ler jornal, vamos dizer que a vida é ruim, meu amigo, vamos sofrer". Mas vamos fazer tudo isso com sabedoria, para tirar 10 com estrelinha em sofrimento. E depois recomeçar. Ah, se eu tivesse vocação para coach.
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