quinta-feira, 15 de junho de 2023


15 DE JUNHO DE 2023
CARPINEJAR

Duas pás, uma enxada e lona

É assustador ver pelas câmeras, em imagens cedidas pela Polícia Civil ao G1, um dos suspeitos do homicídio do empresário mineiro Samuel Eberth de Melo comprando tranquilamente duas pás, uma enxada e lona numa ferragem em Santo Antônio da Patrulha, na tarde da sexta-feira retrasada (2). Ele estaria possivelmente adquirindo instrumentos para encobrir o cadáver. Escolhe com calma o que precisa nas gôndolas, como se o homicídio fosse um banal conserto doméstico. Como se estivesse plantando árvores em seu quintal.

Não parece uma cena sinistra. É a pacatez do momento, de uma compra aparentemente inofensiva, que dá mais calafrios. Ninguém é capaz de antever o desenlace macabro.

Aquela suavidade da véspera não combina com a passionalidade do assassinato - o corpo da vítima terminou descoberto num bananal, no domingo (11), coberto com folhas secas e alvejado por nove tiros disparados covardemente pelas costas, na própria cidade de Santo Antônio da Patrulha.

Não é o caso da aquisição ostensiva de uma arma num balcão de comércio, mas do material pós-crime. Existe uma encomenda levando em conta o fato consumado. Já na compra, a morte é mais do que uma ideia, mais do que uma fantasia doentia. Já assume, pelas suspeitas até o momento, contornos reais de um plano premeditado de eliminação.

Naquela hora, Samuel ainda está vivo e não tem noção do perigo que seria vir para o Rio Grande do Sul pessoalmente e cobrar uma dívida de R$ 5 milhões de seu sócio, referentes à venda de 44 carros. A funcionária da loja tampouco imagina o que estaria testemunhando. Ajuda na seleção das ferramentas, acreditando que seria por um motivo nobre.

Leio os lábios da coreografia muda das câmeras: será que o suspeito pediu desconto? Será que perguntou sobre a eficácia da pá? Será que ficou em dúvida sobre o tamanho da lona? Será que solicitou nota? Será que deu o seu CNPJ? Será que pagou parcelado no cartão de crédito? Será que pagou à vista com dinheiro ou escaneou o código no caixa para fazer um Pix?

São detalhes que me assombram. Como alguém pode mergulhar numa frieza tão calculista, isolando da vida cotidiana possíveis efeitos nefastos de seu ato? Como uma pessoa pode levar o fim de uma existência com tal mornidão, indiferença, excesso de burocracia? Será a ganância o demônio da desumanização?

São perguntas sem respostas da banalidade do mal. O que há de concreto e de herança da situação é o vazio de uma família. São três filhos sem pai, uma noiva sem o seu futuro marido.

O sorriso de covinhas felizes de Samuel foi roubado com imensa brutalidade e escondido numa cova anônima em nosso Estado. Não podemos ser cúmplices da impunidade. Devemos satisfações rápidas para os mineiros.

CARPINEJAR

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