02 DE JUNHO DE 2023
FRONTEIRAS DO PENSAMENTO
Rosa Montero fala sobre arte e vida
De fábula em fábula, citando um pensador após o outro, a escritora espanhola Rosa Montero abriu, na noite de quarta-feira, em Porto Alegre, a série de conferências do Fronteiras do Pensamento. Montero fez uma reflexão sobre como a busca pela beleza, muitas vezes representada na arte, vista por alguns como algo inútil, pode nos salvar de uma vida pobre de sentido.
Autora de Nós, Mulheres (1995), A Ridícula Ideia de Nunca Mais te Ver (2013) e A Boa Sorte (2022), Montero estreou a edição do projeto fazendo uma defesa da literatura como ferramenta que nos transporta para mundos mais ricos do que a realidade que temos na frente.
- Por que vieram até aqui? - questionou, dirigindo-se à plateia lotada do Teatro Unisinos.
- Poderiam estar em casa, tranquilos, falando com os seus queridos. O que buscam aqui? Isso é interessante. Fernando Pessoa dizia que a literatura é uma prova inequívoca de que a vida não basta. E é verdade.
Então, contou a primeira história, sobre um alguém que cruza com um mendigo e lhe dá duas moedas. Ao revê-lo, pergunta o que foi que o homem fez com elas e ouve dele a seguinte resposta: "Com uma, comprei um pão, para ter como viver. Com a outra, uma rosa, para ter por que viver".
- Com rosa, não comemos, não nos alimentamos, não nos cobrimos no frio. Por que sua beleza é tão importante? Frente à nossa desesperadora solidão, tentamos dar algum sentido. Buscamos algo maior que nós mesmos, e esse algo é a beleza - refletiu.
A escritora mencionou como eram grandiosas ou muito lúdicas as profissões com as quais fantasiávamos quando pequenos, como astronauta e trapezista, coisas que ela própria ambicionava na infância. Porém, "el tiempo es un jardineiro loco", como definiu.
- O tempo vai podando as "ramitas" (galhos) de nossas possíveis vidas, nos deixando limitados a um galho só, que é o galho de nossa existência concreta. E é sempre estreito. Precisamos transcender, sair da própria vida, porque ao sair de nossa pequena vida, saímos de nossa morte, que está nos esperando.
Escrita
Ela também trouxe a história de um monge irlandês que vivia em um monastério no ano de 1348, quando a Europa foi acometida pela peste negra. Com as pessoas morrendo ao redor, passou a escrever em um pergaminho que fazia de diário, ora cuidando das pessoas, ora registrando os fatos, até ele próprio falecer.
- Flaubert dizia que escrever é uma maneira de viver. Eu acredito que escrever é uma maneira de sobreviver - admitiu Rosa.
Mencionando seu novo livro, El Peligro de Estar Cuerda (O perigo de ser são, em tradução livre), que deve ser lançado no Brasil pela Todavia até o fim do ano, Montero também fez uma defesa da loucura, ou de certa falta de maturidade ou juízo, para que aflorem nossa criatividade.
- A maturidade mental consiste em uma poda das conexões neurológicas para que o cérebro se concentre no que é útil e necessário para a sobrevivência da espécie. (...) Mas cerca de 20% da humanidade "pula" essa poda. Segundo vários neurocientistas, entre esses 20% de pessoas com o cérebro "não podado" estão as pessoas com transtornos mentais e nós, pessoas que nos dedicamos a coisas criativas.
KARINE DALLA VALLE
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