sexta-feira, 16 de março de 2018



A individualidade hoje 

Há milênios, os seres humanos se perguntam quem são, de onde vieram e para onde vão. Séculos e séculos de estudos científicos e de percursos das ciências humanas não conseguiram, ainda, dar respostas definitivas para as eternas questões que seguem desafiando a sensibilidade e a inteligência das pessoas. Muitos acham até melhor que essas indagações fiquem em aberto e entendem que jamais teremos respostas finais. 

Muitos pensam que filosofar é perguntar e que não devemos ter a pretensão de saber tudo sobre todos os mistérios da vida. Vivemos em tempos de muitas e rápidas mudanças. O mundo nunca mudou tanto e tão rápido. Para o bem e para o mal, vivemos hoje rodeados pela incerteza, num cenário impreciso, em contínua construção; e seguimos perguntando quem somos, que lugar ocupamos no planeta e qual nosso destino. 

A individualidade numa época de incertezas (Zahar, 192 páginas, R$ 59,90 impresso e R$ 44.90 e-book, tradução de Carlos Alberto Medeiros), do grande pensador polonês Zygmunt Bauman ( 1925-2017) e do professor doutor em Teoria Literária estoniano Rein Raud, em forma de profundo e envolvente diálogo, trata de individualidade em cenários imprecisos e em contínua construção. Bauman é um dos maiores sociólogos e filósofos de nossos tempos e notabilizou-se por falar, em mais de 40 livros publicados no Brasil pela Zahar, sobre as relações afetivas nos dias que correm. 

Em seu best-seller Amor líquido, obra referencial para entender nossos relacionamentos, Bauman trabalhou o conceito de modernidade líquida e analisou com competência temas contemporâneos. Raud é professor de estudos japoneses na Universidade de Helsinque, Finlândia, e tem artigos e livros acadêmicos publicados em diversos países. Raud é também poeta, tradutor e autor de ficção premiado. Em A individualidade numa época de incertezas, os dois autores dialogam sobre o conceito de individuação, tão importante para nós. Eles refletem sobre como nos percebemos nesse mar de mudanças rápidas em que estamos imersos. 

À luz da sociologia, filosofia, teoria cultural e também da literatura, os dois pensadores investigam como a individualidade se constituiu em diversas épocas e tradições. Eles examinam como a individualidade foi construída e desconstruída na vida social - seja por meio da linguagem, dos esforços de autorrepresentação, das tentativas de autorrealização, bem como pela interação com outros. Eles retomam temas importantes da obra de Bauman, como destino, escolhas e liberdade. Como surgiu a individualidade? Será que ela segue o mesmo padrão em diferentes pessoas, culturas e faixas etárias? 

Ou é uma construção sociocultural que não pode ser entendida fora do contexto histórico? Essas e outras questões fundamentais são debatidas no livro. Os selves na linguagem, na atuação, na autorrealização, nas conexões e a própria constituição dos selves são estudados nos densos diálogos da obra, que ao final apresenta muitas referências bibliográficas e índice remissivo.   

a propósito... 

Sabemos bem que nunca foi fácil ser humano e, pensando bem, nem deveria ser. Cada período histórico tem suas peculiaridades e desafios. Em nosso tempo de alta tecnologia, redes sociais dominando a cena e muitos instrumentos para exercer a criatividade, tudo combinado com diversidade e mobilidade sociais inéditas, é claro que a individualidade é diferente. 

A notícia boa é que temos imensa liberdade para expressões e discussões que jamais aconteceriam em outros períodos da história. É evidente que jamais teremos respostas finais e inalteráveis. Isso é bom. Seria tedioso saber de tudo e viver sem sonhos, perguntas, poemas e mistérios. Somos eternos mestres e alunos e somos, no dizer do Arquipoeta de Colônia, como um fluxo de rio mutante sob um céu imutável. (Jaime Cimenti) - 

Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2018/03/colunas/livros/616340-biblia-diferente.html)

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