Direita e esquerda retratam fluxo negativamente; partidos anti-imigração crescem
Abbas integra a multidão de refugiados que, nos últimos anos, tem usado a capital italiana como escala antes de seguir para outros destinos. O efeito desse fenômeno na política local, porém, não é passageiro: ele se tornou uma prioridade nas eleições deste domingo (4).
Cientes do impacto da imigração na sociedade, os partidos trouxeram o tema para o centro das campanhas —na maior parte das vezes, com uma abordagem negativa.
A coalizão de centro-direita liderada pelo ex-premiê Silvio Berlusconi, por exemplo, promete expulsar migrantes do país de 60 milhões de habitantes que, nos últimos quatro anos, recebeu 630 mil pessoas. A maior parte seguiu viagem, e há hoje 180 mil pedidos de asilo. Segundo a organização Médicos Sem Fronteiras, 10 mil vivem em condições precárias.
O discurso xenófobo está especialmente presente no partido ultranacionalista Liga, parte da aliança de Berlusconi, e na sigla fascista Casa Pound. Ambos prometem a Itália apenas para os italianos. Abbas —que deixou o sul do Egito sonhando com o futebol italiano— fica de fora.
O egípcio vive no acampamento Baobá, montado em 2015, que ocupa um estacionamento atrás da estação Tiburtina e cujo nome remete à árvore-símbolo da África.
Para chegar ali, é preciso usar uma saída alternativa, pouco sinalizada, e caminhar por uma estrada praticamente abandonada. As tendas não têm água ou eletricidade, e os migrantes desaparecem durante o dia para carregar os celulares na região.
O estacionamento que abriga o Baobá vive um déjà vu. Nos anos 1990, uma estação abandonada nos arredores fora tomada por levas de migrantes e apelidada de "Hotel África" (o prédio usado então está prestes a ruir).
INDESEJÁVEIS
"Há partidos que não nos querem aqui, mas as pessoas são boas conosco, exceto pelos mais idosos", diz Abbas.
Um de seus interlocutores no Baobá é o vidraceiro italiano Andrea Costa, 50, que coordena os voluntários. Ele vai ao campo pelo menos três vezes ao dia e faz as refeições ao lado dos refugiados.
"O Estado não ajudava essas pessoas, então um grupo de cidadãos decidiu agir", diz Costa. "Fomos expulsos muitas vezes, mas os migrantes continuam aqui, e continuamos começando do zero."
O Baobá é financiado por doações que vão de sacos de dormir a roupa e comida.
A nevasca desta semana, histórica, pegou os migrantes sem aquecedores nem lona impermeável, mas não parece ter impressionado Costa: "Demos mais cobertores".
O vidraceiro teme mais a chegada do domingo e, com ele, a possível eleição de uma coalizão que se oponha à migração. Mesmo o governo atual, do Partido Democrático, de centro-esquerda, pouco ajudou os refugiados, diz.
O atual ministro do Interior, Marco Minniti, promete expulsar mais migrantes e sua gestão é acusada de ter travado acordos secretos com tribos na Líbia, possivelmente incluindo milícias, para interromper o fluxo migratório.
De julho a dezembro passados, a chegada de migrantes pelo Mediterrâneo caiu 68% em comparação com o mesmo período de 2016.
"Há medo na Itália de que, se você ajudar um migrante, possa perder votos", afirma Costa. "Mas nós mostramos que nem todo mundo na Itália tem medo de refugiados."
Hoje moram cerca de 160 pessoas no Baobá. O número durante o inverno é sempre menor por causa da interrupção das chegadas (a maioria dos imigrantes vindos do norte da África chega pelo mar, e a travessia é inviável nessa época do ano).
Desde 2015, porém, passaram por ali mais de 70 mil pessoas. "É o nosso pedacinho de Roma", diz Abbas.
É um pedacinho raro, dado o crescimento do discurso antimigração no país. Forças políticas antes nas margens do debate público, como a Liga e a Casa Pound, hoje atraem multidões para comícios.
"A crise econômica foi instrumentalizada, culparam os refugiados", diz a eleitora Letizia, 32, que omitiu o sobrenome. "Direita e esquerda basearam a campanha nisso."
Nenhum comentário:
Postar um comentário