24 DE MARÇO DE 2018
VARIANDO
Somos mais tolos do que nos damos conta
Um dia, um psiquiatra perguntou a Amos Tversky se os experimentos psicológicos que ele e seu colega Daniel Kahneman estavam fazendo poderiam ajudar a pensar a inteligência artificial. Amos foi taxativo: "A gente estuda a estupidez natural, não a inteligência artificial".
A resposta é boa, pois essa dupla de psicólogos israelenses passou a vida demonstrando como a intuição e o bom senso podem nos levar a erros. Nos denominamos de Homo sapiens sapiens, mas nem sempre somos assim. Boa parte do tempo, repetimos erros tolos. Depois que botamos algo na cabeça, aquilo organiza os dados externos para justificar a tese preliminar. Se a realidade não corroborar nossas teses, pior para a realidade.
Seus estudos servem para muitos campos, talvez o mais fácil de exemplificar seja no esporte. Paradoxalmente, os jogadores mais cotados não são os que mais contribuem para o time, e sim os que mais aparecem. Basta-lhes ter uma postura agressiva, fala articulada, ser bem apessoado, que serão mais valorizados do que os desengonçados, mesmo que sejam esses os que mais pontuem. Não apenas os torcedores caem nessa, os comentaristas e os técnicos também. Só a frieza dos números de aproveitamento desfazem a ilusão.
Nossa espécie se vê um degrau acima do que realmente é no quesito inteligência. Talvez seja insuportável existir sem essa ilusão cognitiva que nos superestima. Portanto, a sabedoria é conhecer nossa tolice. Seremos tanto melhores quanto mais admitirmos nossa autoindulgência com a limitação das nossas capacidades de entendimento. E, mais, não importa a formação: os equívocos são democraticamente distribuídos. Se você fez ou não faculdade, não interfere na capacidade de se autoenganar.
Traduzindo em exemplos palpáveis: já notaram como a estatística é algo que só se aplica aos outros? Dirigir bêbado, transar sem camisinha com desconhecidos, fazer racha em via pública, usar psicotrópicos feitos em laboratórios clandestinos, por que não, se o desastre atinge apenas as outras pessoas? É extraordinária nossa incapacidade para avaliar riscos, mesmo que isso possa vir a nos matar.
Pena que esses autores estejam tão distantes da psicanálise, pois nós também temos teses sobre a paixão pela ignorância. De qualquer forma, se há algo que todos precisamos pensar, é como nos livrar da parte da herança iluminista que nos legou a crença de sermos dotados de uma curiosidade insaciável e amigos do saber. Segundo ela, só seríamos ignorantes caso não tivéssemos acesso a educação. Ou seja, não existiria aquilo que mais vemos a cada dia: uma vocação para reagir negativamente frente a tudo o que desestabiliza nossos parcos e preciosos conceitos.
Na minha opinião, poderíamos começar pelo nosso nome de espécie. Por que não: Homo sapiens ma non troppo?
MÁRIO CORSO
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