05 DE FEVEREIRO DE 2018
DAVID COIMBRA
O erro de Moro
Omais difícil de ser pai não é cuidar do meu filho. O mais difícil é cuidar de mim mesmo. Não posso errar. Porque sei que ele olha para mim e se espelha. Sei que meus atos são mais importantes do que minhas palavras. É meu exemplo que ele seguirá, mais do que meus conselhos.
Então, preciso sempre me consertar, preciso evoluir. Para que ele seja melhor do que sou.
É uma missão dura, porque minha tendência é tolerar meus erros, perdoá-los e, por fim, acomodar-me confortavelmente com eles. Tipo: sou assim mesmo, o que é que vou fazer?
Mas não posso ser "assim mesmo". Preciso me comportar. Tem gente olhando.
Você recebe essas responsabilidades quando recebe prestígio. Um pai ganha prestígio a priori. Faz parte da sua condição paterna. Mas isso não significa que conseguirá mantê-lo. Ele pode perder o prestígio, se portar-se mal. Ou desenvolvê-lo, se fizer a coisa certa.
É o que tento fazer, atrapalhado por meus muitos defeitos e tantas fraquezas: a coisa certa. Deus me ajude.
Há várias outras condições ou postos que conferem prestígio a priori: um grande artista, um ídolo esportivo, uma pessoa eleita para um cargo público, todos esses têm prestígio e, com o prestígio, responsabilidades.
Sergio Moro, por exemplo, é um juiz de primeira instância. Ocupa um cargo pequeno, se formos levar em conta as imensas possibilidades do serviço público brasileiro. Ou seja: a priori, seu prestígio era também pequeno. Mas nunca, na história do Brasil, um juiz desse grau, que Renan Calheiros definiria como "juizeco", assumiu tamanha importância. Sergio Moro, com sua conduta séria e reta, alçou-se ao topo da vida pública nacional. E com toda a razão: fazendo o seu trabalho com determinação, e apenas fazendo o seu trabalho com determinação, Sergio Moro ajudou a criar um novo parâmetro moral no Brasil. Os poderosos estão sendo punidos pela primeira vez na história do país, algo inédito e alvissareiro.
O caso é que, junto com seu grande prestígio, Sergio Moro adquiriu obrigações. Não, ele não é um herói. Não é um "pai" dos desvalidos. É possível até que, fora de sua profissão, como em algum cargo eletivo, ele decepcionasse.
Mas ele se tornou um símbolo. Os brasileiros veem em Sergio Moro o signo da mudança do Brasil. Existe um anseio na sociedade brasileira. Um anseio de que o Brasil se transforme em uma nação de verdade, em que os cidadãos tenham direitos e também deveres, em que eles saibam que as más condutas serão punidas e as boas, premiadas.
Sergio Moro, com sua sobriedade e sua eficiência, conquistou o prestígio de ser o ícone desse anseio. Por isso, erra ao receber o auxílio-moradia dos juízes. Mas não se engane: não estou entrando no coro dos bajuladores de políticos. A esses, pouco importa o Brasil; importa que seu grupo se refocile no poder. Sua indignação é falsa - eles só querem desmoralizar a Lava-Jato.
Ocorre que o Brasil mudou, e isso aconteceu exatamente devido à ação da Lava-Jato, responsiva ao anseio da sociedade. Assim, a sociedade, hoje, não aceita mais legalidade sem moralidade. Não basta alegar que "todos fazem" ou que a pequena imoralidade compensa a grande injustiça.
Moro deveria recusar já esse auxílio. Todos deveriam recusar, mas ele mais do que todos. Ele tem de cuidar do que faz. Tem de dar exemplo. Tem gente olhando.
DAVID COIMBRA
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