sábado, 10 de fevereiro de 2018




10 DE FEVEREIRO DE 2018
DAVID COIMBRA

Ela sumiu na Assis Brasil

Onde andará Maria Cristina? Maria Cristina, onde andará? Ela era morena e magra e foi minha primeira namorada. Na verdade, namoradinha, que nem lhe pegar na mão eu pegava. Só dizia por aí:

- Maria Cristina é minha namorada.

Nos conhecemos no jardim de infância, imagine, e segui enlevado por ela até a sétima série - sempre fui de relacionamentos duradouros. Aí Maria Cristina se mudou do bucolismo do Parque Minuano para um prédio amarelo e triste no Cristo Redentor, fincado numa esquina enfumaçada da Assis Brasil. Em seguida, ela trocou de colégio e nunca mais a vi.

Minha primeira desilusão amorosa.

Lembrei agora de Maria Cristina porque abri a gaveta da escrivaninha e saltou-me de lá uma foto antiga da escola em que estudávamos, o Costinha. Era como chamávamos o colégio, Costinha, mas na verdade o nome era grave, de general-ditador: Presidente Arthur da Costa e Silva.

Na foto, eu, minha irmã Silvia e meu amigo Miti, que, quando falava, fechava um olho, um bom amigo, craque no gude, no pião e na pandorga, pois na foto estamos desfilando em algum 7 de Setembro. Marchamos debaixo de bonés e carregamos uma faixa da escola. Éramos da Guarda Florestal do bairro. Sim, pode se admirar: ainda hoje, no Parque Minuano, elevam-se ao céu árvores que plantei com minhas próprias mãos. Ou seja: já escrevi livro, já tive filho, já plantei árvore. Deixarei meu legado debaixo do sol.

Agora, pensando nos meus tempos de Costinha, me ocorre que também troquei de colégio na sétima série. Fui para o Amstad, que fica entre o cemitério São João e o Postão do IAPI, encarapitado depois do morro do Alim Pedro. Isso significa que talvez eu é que tenha me afastado de Maria Cristina, não ela de mim. Será que para ela foi, igualmente, uma dolorida desilusão? Espero que sim.

Por algum motivo, minhas namoradinhas, digamos, "sérias" nunca mais foram colegas de aula. No segundo grau, que fiz todo no Piratini, até me apaixonei pela Janice, mas foi paixão platônica, unilateral. Se bem que desconfio de que ela soubesse de meus sentimentos. Um dia, nós estávamos no recreio (ainda se diz recreio?), e eu conversava com meu amigo João Raul Borges Netto no meio de uma pequena escadaria que dava para a parte baixa do pátio. 

A Janice estava por perto, dentro de uma calça jeans bem justa. Mas bem justa. Então ela veio. E veio e veio e veio que veio olhando para mim, espetando aquele olhar verde dentro dos meus olhos, e aquilo me deu um calorão e minhas pernas amoleceram e a Janice chegou. Foi falar com o João, não comigo, que ela pouco falava comigo. Ficou falando com o João, que estava um degrau acima de nós. 

Mas falava tão perto de mim, sua boca carnuda a meio palmo da minha boca, que podia lhe sentir o hálito de chocolate branco. Aquilo me deu uma angústia na alma, uma paralisia na espinha e uma dor no peito, tudo junto. A Janice falava e eu nem sequer identificava que palavras eram, apenas sentia o cheiro quente dela e a eletricidade de sua presença. Aí ela terminou o que tinha de dizer e, sem nem sequer olhar para mim, como se eu não estivesse ali, virou as costas e se foi, ondulando como a áspide que picou o seio esquerdo de Cleópatra.

Oh, Deus...

Mas não é só das paixões infantojuvenis que me lembro quando penso nos meus colégios, o Piratini, o Amstad, o Costinha. Lembro que eram escolas de excelência, com boa infraestrutura e ótimos professores. Tive uma sólida formação básica graças a essas escolas. Escolas PÚBLICAS. Hoje, a educação pública brasileira de alto nível não é mais regra: é exceção. Triste. Vou repetir algo que sempre digo e continuarei dizendo: é impossível construir uma nação sem escola pública de qualidade. Só isso: impossível.

Não sei como estão hoje o Costinha, o Amstad e o Piratini, mas vejo os números da educação no Brasil e me assusto. Isso me enche de angústias e perguntas sem respostas: o que fizeram com as escolas, dos anos 1980 para cá? Como sair dessa situação? Se continuar assim, o que será do Brasil? E Maria Cristina, onde andará? Onde andará Maria Cristina?

DAVID COIMBRA

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