segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018



19 DE FEVEREIRO DE 2018
CLÓVIS MALTA

Nós e o tempo

Velhice é assunto que só interessa a quem já chegou nessa etapa da vida na qual a encrenca começa com o termo usado para defini-la. Tendemos a rejeitá-lo, como se fosse ofensivo, e sussurramos a palavra quase pedindo desculpas, como se pisássemos em cacos de vidro com os pés desnudos.

Quem ainda está distante dessa fase da vida, mas tem pretensões de alcançá-la, poderia ao menos seguir adiante neste texto? O tema é justamente a etapa na qual o passado fica longo, e o futuro, tão curto quanto incerto, mas também o período em que o tempo presente parece eterno. Sim, a juventude, expressão pouco usada na fase de quem flutua por aí em turma, mas que só incomoda quando já não nos retrata mais.

Jovens têm seus perrengues, mas não é fácil ser maduro num mundo de verdor movido a libido e a hedonismo. Por recusarem o estereótipo da idade, muitos idosos podem contribuir com um futuro melhor para quem avançar nos anos, sem se dar conta.

Não nos apercebemos porque é bem assim como descreveu Mario Quintana. Chega um dia em que "por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse/ Que me olha e é tão mais velho do que eu?". Rejeitamos o rosto que, na nossa autoimagem, segue sem marcas. O corpo já não responde aos comandos na rapidez da mente. Queremos ser exceções como o poeta, para quem a idade não importa, como roqueiros transformados em lenda, como os que deixam a bengala na cadeira e dançam até o final da festa. Mas, e se estivermos entre a maioria?

De um momento para outro, é como se nos tornássemos invisíveis, principalmente aos olhos de jovens que já não somos nós, mas os outros, que nos sucederam. Passamos a ser vistos como inconvenientes mesmo por tímidas manifestações à mesa. Nos sentimos como um estorvo na mudez de quem se encolhe no banco de trás do carro. E isso sem citar os esquecidos, os abandonados.

Incomodamo-nos, jovens e velhos, com essa fase vista como uma ameaça para o equilíbrio financeiro do setor público, como um peso para o mercado. Hesitamos sobre o que fazer com nossos pais, com os tios, com a sogra. Por desconhecermos como lidar com os que sobreviveram à vida útil, não os deixamos agir do seu jeito. Preferimos carimbá-los como beatos com alguma chance de canonização. Que permaneçam calados, como bons velhinhos.

Um dia, muitos idosos se darão conta de que são subjugados. De que precisam ir além de conquistas como lugar preferencial em fila para quem mal sai de casa, de tarifa grátis em ônibus com degraus inalcançáveis, de cinema com desconto para quem foi perdendo os companheiros de pipoca pelo caminho.

Galera, nosso tempo é agora. Senhoras e senhores, uni-vos. Ocupem as ruas, todos os espaços. Manifestem-se despacito, mas com vigor, enquanto é tempo. Quem não puder, que se solidarize de casa. Chegou a hora de os maiores de 60 se rebelarem, como fazem os jovens, em defesa de suas verdadeiras causas. Os meninos e meninas de hoje, futuros idosos de amanhã, serão eternamente gratos pelas conquistas.

*O colunista David Coimbra está em férias.

Amanhã, Luciano Potter escreve neste espaço.

clovis.malta@zerohora.com.br - CLÓVIS MALTA

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