'Não adianta ser uma empresa rica num país pobre', diz próximo presidente do Bradesco
Para Octavio de Lazari Junior, bancos precisam conviver com juros menores
Octavio de Lazari Junior, 54, que assumirá a presidência do Bradesco em março - Raquel Landim - Alexa Salomão
SÃO PAULO
Formação
Economista pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativa de Osasco
Especialização em marketing e finanças pela FIA, pela Fundação Dom Cabral e pela Iese
Carreira
> Entrou no Bradesco em 1978
> Foi executivo e diretor de varejo, alta renda, crédito, financiamento, consórcio > Mesmo assumindo a presidência, fica no comando da Bradesco Seguros
Para Octavio de Lazari Junior, bancos precisam conviver com juros menores
SÃO PAULO
No dia 12 de março, o executivo Octavio de Lazari Junior, 54, vai assumir a presidência do Bradesco. Com 40 anos de casa, ele diz acreditar que está na hora de os bancos brasileiros aprenderem a conviver com taxas de juros baixas.
"É lógico que os bancos têm um ganho importante com os juros altos, mas não adianta ser uma empresa rica num país pobre", disse à Folha. Lazari afirma que o segredo é a escala: se conseguir emprestar para mais brasileiros, o sistema financeiro continuará rentável.
Ele já vê sinais de recuperação da economia brasileira e diz que o Bradesco "está pronto para emprestar" à medida que a demanda por crédito se recuperar. Também está otimista sobre a continuidade das reformas, apesar da proximidade das eleições. "Independentemente de quem seja o presidente, a agenda para o país é igual."
Folha - O senhor está assumindo o Bradesco após uma recessão intensa, que quebrou empresas e provocou perdas para os bancos. Isso acabou?
Octavio de Lazari Junior - Os últimos cinco anos foram piores até que a crise de 2008. Grandes empresas sofreram bastante e uma parte das pequenas e médias companhias ficou pelo caminho.
Felizmente, não só o Bradesco, mas todo o sistema financeiro, teve musculatura para assimilar essas perdas. Isso foi absorvido pelos balanços, e todos estão bem.
As pessoas físicas também foram muito impactadas pelo desemprego, que afetou 14 milhões de brasileiros. Resumindo: passamos por um momento crítico, mas já acalmou.
O senhor vê os sinais de recuperação da economia?
Sim. No mês de janeiro, as pessoas voltaram a gastar mais com o cartão de débito, que é a primeira modalidade que se recupera, e os gastos também começaram a crescer no cartão de crédito. As taxas de juros caíram para 6,75%, o desemprego parou de crescer, não há nenhuma evidência de alta da inflação. Tudo isso é muito bom num momento de recuperação da economia.
Os bancos, no entanto, continuam receosos em oferecer mais crédito. Por quê?
Estamos prontos para emprestar e temos caixa para isso, mas precisa haver demanda. A recuperação é recente. As pessoas conseguiram emprego, mas ainda têm medo do que possa acontecer.
Projetamos um crescimento entre 4% e 7% do crédito neste ano, o que não é exacerbado. Planejamos trabalhar com o patamar mais alto.
A taxa Selic caiu, mas as taxas cobradas pelos bancos não acompanharam. Por quê?
Os juros vão cair. A queda da Selic foi muito rápida por causa da recessão. Em menos de 12 meses, a taxa saiu de 14,25% para 6,75%. Não tenho nenhuma dúvida de que vamos ver uma redução nos juros do crédito imobiliário e de outras modalidades no primeiro trimestre deste ano.
É lógico que os bancos têm um ganho importante com taxas de juros altas, mas não adianta ser uma empresa rica num país pobre. Temos de aprender a conviver com taxas de juros baixas. É importante para o Brasil. O sistema bancário dos países desenvolvidos opera com juros baixos. Os resultados são bons, dão retorno aos acionistas. Como eles fazem isso? O segredo é ampliar a base da pirâmide.
Somos um país de 200 e tantos milhões de habitantes. Todo o mundo precisa de crédito para comprar casa, carro, celular. O problema é que oferecemos esses produtos para um público pequeno. Se chegarmos a 50% da população em vez de atender apenas 10%, as taxas de juros podem ser menores, porque você ganha na escala. E, com juros menores, mais pessoas vão pegar dinheiro emprestado para realizar os seus sonhos.
O BNDES reduziu presença no financiamento à infraestrutura. Os bancos comerciais vão finalmente entrar nessa área?
Não tinha como a gente entrar antes. O financiamento da construção de portos, aeroportos e outras obras de infraestrutura é de longo prazo. Com taxa de juros de 14%, era impossível. Agora poderemos captar dinheiro com os clientes para esse tipo de operação.
O BNDES vai continuar fazendo o papel dele de financiar a infraestrutura, mas os bancos também podem entrar. Vamos buscar dinheiro fora do país, utilizar o caixa do sistema financeiro. Temos riqueza para isso. Basta que as condições do mercado permitam.
A economia está se recuperando, mas a situação das contas públicas continua muito ruim. O que vai acontecer com o mercado se a reforma da Previdência não sair neste ano?
Temos convicção de que a reforma da Previdência é necessária. Certamente não será a reforma dos nossos sonhos, mas o primeiro passo será dado. Em qualquer lugar do mundo, não dá para tomar o remédio todo de uma vez.
Sei que parece contraditório. Está difícil aprovar a reforma, mas as Bolsas continuam em alta. A questão é que o mercado enxerga que as lideranças políticas já perceberam que a reforma é necessária. Independentemente de quem seja o próximo presidente, a agenda para o país é igual.
O cenário eleitoral nunca esteve tão indefinido. O senhor espera volatilidade no preço dos ativos até as eleições?
Veja o que ocorreu nos EUA [na segunda, 5]. Houve uma pequena expectativa de alta da inflação, e a Bolsa caiu. Acredito até que foi uma realização de lucros, porque havia subido demais. Ou seja, é claro que vai ocorrer um pouco de volatilidade no Brasil, mas não tão grande como já vimos no passado. A taxa de juros está baixa, a inflação vem controlada e os preços das commodities permanecem sem grandes variações. A transição deve ser mais tranquila.
Qual será o seu maior desafio à frente do Bradesco?
Continuar o legado do seu Aguiar [Amador Aguiar], do Brandão [Lázaro Brandão], do Trabuco [Luiz Carlos Trabuco Cappi]. Manter o time unido e as unidades de negócio focadas na entrega de resultado para os acionistas. Esse é o desafio que reúne todo o nosso compromisso.
Mas temos também os desafios do dia a dia. Um deles é aumentar a proximidade com o cliente e perenizar o relacionamento com o banco e todas as suas empresas --cartões, varejo, alta renda, seguradora.
Por exemplo: compramos o HSBC e fizemos um trabalho muito bom de sinergia de despesas, para o qual é necessário determinação. Já para obter sinergia de receita é preciso ter talento para trazer os clientes para a organização.
Outro grande desafio é trabalhar as quatro gerações de clientes --boomers (mais de 70 anos), baby boomers (50 a 70 anos), millennials (30 a 50 anos) e geração Z (menos de 30 anos). A tecnologia é extremamente importante para atender os clientes pelo celular e pelo computador, mas não podemos esquecer aqueles que precisam de atendimento mais personalizado. O banco não é um lugar em que o cliente compra um produto e vai embora. É um lugar de relacionamento.
A tecnologia promoveu o surgimento de fintechs [empresa financeiras digitais]. Elas são uma ameaça para os bancos?
Existem muitos empreendedores no mundo, que têm uma boa ideia e conseguem público para os seus produtos. Em vez de se preocupar em criar barreiras ou muros para a continuidade dessas empresas, temos de construir pontes. É inexorável.
Estamos trazendo as fintechs e venture capital [investimento em empreendedorismo] para desenvolver produtos em parceria com o banco. É um ambiente de ebulição. O banco vai se aproveitar --no bom sentido-- desse convívio.
Para crescer nessa área, o Itaú adquiriu a XP. Existe outra XP para ser comprada hoje no mercado?
Não. A XP é uma ideia fabulosa, que ocupou um espaço no mercado que talvez a gente não soube aproveitar naquele momento. Mas temos como desenvolver isso.
O que é a XP? É uma plataforma aberta na qual você pode fazer investimentos em vários papéis de diferentes emissores. O banco pode fazer isso? Sim, pode. E até já implementamos isso no segmento private e na alta renda.
Mas é preciso rigor para selecionar produtos e serviços de terceiros. Quando um cliente compra um produto dentro do Bradesco, está adquirindo a nossa chancela.
Qual o cenário para criptomoedas? Podem realmente revolucionar o setor financeiro?
Acredito que vai ter mercado para criptomoedas, bitcoins, mas não a ponto de substituir o que existe hoje. É um nicho. Aposto mais no crescimento do mercado de certificado de recebíveis imobiliários, de letras financeiras imobiliárias, certificados de recebimento do agronegócio. Tudo isso é tangível. O Brasil ainda precisa financiar muita coisa na economia real.
Formação
Economista pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativa de Osasco
Especialização em marketing e finanças pela FIA, pela Fundação Dom Cabral e pela Iese
Carreira
> Entrou no Bradesco em 1978
> Foi executivo e diretor de varejo, alta renda, crédito, financiamento, consórcio > Mesmo assumindo a presidência, fica no comando da Bradesco Seguros
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