sábado, 6 de maio de 2017


WALCYR CARRASCO
02/05/2017 - 08h00 - Atualizado 02/05/2017 10h40

O jogo da Baleia Azul

O que dá sentido à vida é acreditar em algo, ter desejo de conquistar, viver um amor. Ofereça a seu filho um sonho

Entrou no prédio, que já conhecia. No elevador, apertou o botão do último andar. Lá, abriu uma porta de serviço, subiu uma escadinha. Chegou ao heliporto. Aproximou-se do beiral. Contemplou a cidade mais uma vez. Olhou para o céu. Respirou fundo. Ergueu os braços marcados por cicatrizes, num gesto de libertação. E se atirou. No corpo destroçado, o símbolo do jogo da Baleia Azul. Tinha apenas 24 anos.

A história, real, foi narrada por uma professora. Em sua classe, a prima do rapaz já ostenta as primeiras cicatrizes nos braços. Acredita-se que o jogo da Baleia Azul tenha sido iniciado na Rússia e de lá se espalhado pelo mundo. No Brasil, é motivo de conversa em rodas de adolescentes. Propõe uma série de tarefas. A final é o suicídio. 

Como funciona? Convidado pela internet ou por uma rede social, o participante recebe as tarefas de um mentor não identificado. Começa por escrever uma sigla com cortes, na palma da mão, e enviar a foto ao curador. Em seguida, assistir continuamente a filmes de terror, na madrugada. Filmes indicados pelo curador, que fará perguntas sobre as cenas. O estado psicológico já alterado permite a terceira tarefa: cortar o braço com uma lâmina. 

Três cortes grandes, sobre as veias. Enviar foto. Simbólica, na quarta tarefa o participante desenha, também à lâmina, uma baleia azul no braço. A partir daí as tarefas se sucedem, sempre estimulando a obediência irracional. Em uma delas, o curador pergunta qual é o maior medo da pessoa. Em seguida, dá instruções para enfrentá-lo. 

Em outra, exige que o participante suba em um telhado de madrugada, o mais alto possível. Cortes nos lábios e automutilações variadas entram na sequência. O encontro com outro jogador do Baleia Azul é organizado pelo curador. Há tarefas secretas, enviadas de acordo com o desempenho do participante. Em certo momento, define-­se o dia da morte.

Há casos no país com indícios muito fortes de ligação com o jogo. Uma garota atirou-se numa represa, em Mato Grosso. Segundo informações que circulam pela internet, 130 jovens morreram na Rússia por causa do jogo. Suicídio é o assunto do momento, não é? Pelo menos desde o sucesso da série 13 reasons why (13 razões por quê), em que uma garota narra os motivos que a levaram a causar a própria morte. Publiquei um comentário no Instagram sobre o Baleia Azul. Duas professoras responderam mencionando casos que conheciam diretamente. Outros comentários demonstravam que as pessoas já sabem do que se trata. A surpresa de muitos é: como os pais não percebem? Imagine que seu filho está se mutilando. Muda o comportamento. Você não vê?

Em muitos casos, realmente não. Pais e mães que trabalham fora muitas vezes têm um contato rápido com os filhos no dia a dia. Estão acostumados com adolescentes que querem ter sua própria vida. Liberdade. Não desconfiam das mangas compridas. Dos filmes estranhos. Nem sabem o que se passa na cabeça deles. Mas é ainda pior. E se pais, professores souberem e tentarem convencer o participante a desistir? É possível? Não é tão simples.

Uma vez que o participante entra no jogo, sua vida é devassada por hackers. Não se engane! São hackers muito bons. Conversei com um ator jovem que pensou em participar, mas não foi adiante.

– Eles ameaçam destruir a família por meio da internet. Sabem tudo sobre o pai, a mãe. Quando alguém entra, tem de ir até o fim.

Imagino que possa ser pior. Será loucura pensar que um participante possa receber a missão de matar outro, dando aparência de suicídio?

É tétrico, tenebroso. A pobre baleia azul tornou-se o símbolo do jogo porque encalha – como a própria baleia faz isso, dá uma aparência de suicídio. Imagino que participar do jogo gera uma relação de pertencimento, essencial para o adolescente. As 50 atividades não só provocam mutilação, mas uma obediência cega. Dão status à ideia de morte, numa fase da vida em que pouco está delineado, angústias são muitas e suicídio pode parecer uma solução. 

Mas também é sintomático de uma sociedade em crise de valores. De ideais e sonhos. O que dá sentido à vida é acreditar em algo, ter desejo de conquistar, viver um amor. Romeu e Julieta se matam justamente quando o sonho de viver juntos parece ter sido destruído. Se o amor não pode existir, melhor morrer. Você quer evitar que seu filho jogue Baleia Azul? Ofereça a ele um sonho. Um motivo para viver.

É um problema urgente. Neste exato momento, um jovem pode estar entrando num prédio e apertando o botão do elevador para o último andar...

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