quinta-feira, 4 de maio de 2017



04/05/2017  02h00
zeca camargo

Perdidos e achados em Lisboa

O olhar treinado de quem procura algo conhecido entra em ação no segundo em que você desembarca numa cidade da qual gosta –com Lisboa desta vez não foi diferente.

O aeroporto é um verdadeiro labirinto, sempre um pouco diferente cada vez que passo por lá. Por isso demorei a encontrar o que a memória queria rever. Mas lá estava o letreiro que anunciava: "Perdidos e Achados". Não deixava dúvidas: eu voltava a Portugal.

A maravilhosa lógica cartesiana portuguesa, que incomoda tanto o improviso brasileiro a ponto de virar piada fácil, apresentava-se mais numa vez diante de mim, dando como sempre uma lição de clareza para os turistas que chegam achando que falam a mesma língua.

Pois claro: cá no Brasil nos acostumamos a chamar o mesmo serviço de "Achados e perdidos", mas pense bem. Primeiro a gente tem que perder alguma coisa, para só depois achá-la –não é mesmo, ó pá?

Talvez inspirado por esse mote, resolvi fazer exatamente esse exercício nas pouquíssimas horas que tinha para passar desta vez em Lisboa. Uma das mais famosas colunas do caderno de turismo do jornal "The New York Times" chama-se "36 hours", que é um guia breve para quem tem só um dia e meio para explorar uma cidade.

Assim, juntando esses dois conceitos, parti para um passeio onde a memória era meu Waze, ao mesmo tempo sem muita preocupação de ouvir a irrevogável sentença: "Você chegou ao seu destino".

Não queria chegar a lugar algum –apenas "achar" sítios (como dizem os próprios portugueses) que estavam "perdidos" na lembrança. Como era o caso da praça entre as ruas das Flores e do Alecrim, onde, num banco em frente ao corpo de bombeiros, sentei tantas vezes para escrever cartões portais.

Podia dizer que sempre voltava ali para me lembrar de um dos melhores livros que li em toda a vida: "A Tragédia da Rua das Flores", do grande Eça de Queirós. Mas isso seria um verniz de esnobismo cultural que não caberia neste texto tão sincero de emoções.

Fui para lembrar das linhas que lá escrevi. Assim como visitei o miradouro São Pedro de Alcântara não com o objetivo de rever a vista espetacular da capital, mas para lembrar dos lírios que um dia deixei na fonte que existe lá.

Voltei à Garrafeira Alfaia menos para beber um excelente vinho da adega do Pedro do que para receber o abraço desse amigo.

Cortei cabelo no Purista não somente para receber os mesmo elogios em relação ao meu visual no momento em que saía da cadeira do barbeiro Unique, mas pelo prazer de tomar com ele um copo de gim-tônica enquanto tudo acontecia.

Quis estar de novo na mesa do Avillez –o chef mais influente hoje em Portugal– por causa das delícias que lá provei, mas também em nome das longas tardes que passei por lá rindo e bebendo e comendo na companhia de diversas pessoas queridas. Fui ao Mercado da Ribeira (rebatizado com o nome de um guia) para comer um bife da Cozinha da Felicidade, é verdade –mas também para sentir novamente a vibração daquele espaço.

E, sobretudo, passei no Jardim do Torel não para contar vantagem de ver um panorama mais "exclusivo" dessa cidade espetacular que é Lisboa –muitos que vão só ao São Pedro de Alcântara nem desconfiam que a vista do Torel é ainda mais generosa com o Tejo. Queria mesmo era sentar naqueles bancos com apoios para os pés que permitem não só descansar, mas principalmente sonhar com tudo o que você já teve de mais querido na vida.

Coisas que só Lisboa é capaz de proporcionar e as quais você nunca vai precisar de fato achar –afinal, de tão queridas ao coração, nunca vai existir o risco de perdê-las.

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