26/05/2017 02h00
hélio schwartsman
Eu prendo e arrebento
SÃO PAULO - Exceto pelo marketing pessoal —aquela vontade incontida de dizer "eu acabei com a cracolândia"—, não dá para encontrar um único ângulo sob o qual as ações do prefeito João Doria (PSDB) em relação aos usuários de crack no centro de São Paulo façam sentido.
Do ponto de vista do direito, parece absurda a ideia de buscar uma autorização judicial prévia que autorize policiais ou servidores municipais a recolher à força qualquer pessoa que julguem ser um dependente de drogas e submetê-la a avaliação médica para eventual internação compulsória. Uma medida dessa natureza atropela não só a lei como os mais elementares direitos e garantias individuais, além de evocar alguns dos piores momentos da humanidade no que diz respeito à utilização abusiva do poder do Estado.
Em termos médicos as atitudes da prefeitura não são menos inquietantes. Os consensos psiquiátricos são unânimes em estabelecer que o tratamento para abuso de drogas deve ser primordialmente ambulatorial. Internações devem ser reservadas a casos excepcionais e com a anuência do paciente. É só no curso de um surto psicótico ou diante de perigo iminente para si ou terceiros que o doente pode, após criteriosa avaliação médica, ser contido à força, e ainda assim apenas enquanto durar o estado de desconexão com a realidade.
Os métodos utilizados por Doria também são questionáveis. Há indícios de que ele já planejava a ação espalhafatosa ao mesmo tempo em que ainda assegurava a parceiros no Projeto Redenção como Ministério Público, Defensoria e conselhos profissionais que não haveria um "Dia D" —o que não deixa de dizer algo sobre a confiabilidade do prefeito.
Mesmo se considerarmos a investida dorista apenas do ponto de vista do marketing, houve erros de execução que limitam sua eficácia. Afinal, não pega bem ordenar a demolição de casas com gente dentro, mesmo que sejam só usuários de crack.
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