10/05/2017 02h00
vinicius torres freire
Dilma gastou ou deu dinheiro?
A FALSIFICAÇÃO das contas do governo, além de defeitos de método e erros menores, bagunçou as estatísticas da despesa federal, em particular depois de 2009. Quem lida com esses números faz ajustes improvisados a fim de saber para onde foi o dinheiro.
Os pesquisadores Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, do Ipea, acabam de fazer um trabalho penoso de corrigir e remontar as contas públicas até 1997 ("Texto para Discussão 2.288", no site do Ipea).
Fica ainda mais evidente que, de 2009 a 2014, o governo gastava bem mais do que aparecia nas contas oficiais. Os deficit eram maiores; em 2015 e 2016, foram menores que o registrado nas estatísticas oficiais.
Os dados indicam que a história da crise fiscal de Dilma Rousseff é mais complexa do que o termo "gastança" permite supor. Muito do estouro da despesa foi, na prática, devido a doações a empresas. Note-se ainda, entre tanto número relevante, que, desde 2003, o tão falado gasto com "a máquina" anda estável em 1% do PIB.
Isto posto, o que parecem dizer os dados? Gobetti e Orair chamam a atenção para o seguinte:
1) A taxa de crescimento da despesa sob Dilma foi algo menor do que nos anos Fernando Henrique Cardoso e bem menor que nos anos Luiz Inácio Lula da Silva, todas sempre além do crescimento do PIB, da economia;
2) Mas a despesa sob Dilma cresceu muito como proporção do PIB: em relação ao tamanho da economia;
3) Receita e despesa também variam automaticamente com variações do crescimento do PIB;
4) Portanto, não seria possível avaliar expansionismos fiscais com base em apenas um indicador;
Seria preciso, pois, observar as ações discricionárias, "no que o governo de fato mexeu ou pode mexer", digamos, em despesa e receita.
O crescimento dos benefícios sociais foi acelerado em todos os governos entre 1997 e 2014, a quase o dobro da velocidade do PIB. Excepcionalmente fora do padrão é o aumento enorme de subsídios e de reduções de impostos para empresas nos anos Dilma, combinado a uma desaceleração forte dos investimentos diretos do governo "em obras".
O governo reduziu a despesa de contribuições previdenciárias patronais, entre outras baixas de impostos, e bancou o barateamento de empréstimos para empresas, muitos a custo abaixo de zero. O investimento não veio; ficou a dívida pública.
Deixando agora de lado o argumento dos autores, é preciso notar que a expansão dos gastos sob Dilma, ainda que mais contida, ocorreu em anos de desaceleração forte do crescimento da receita (para um terço da velocidade de FHC 2 e metade daquela dos anos Lula).
Além do mais, pelos dados de Gobetti e Orair, a expansão da despesa de Dilma foi explosiva no ano eleitoral de 2014. O governo não apenas foi passivo em relação ao descasamento crescente entre despesa e receita mas acentuou o desequilíbrio e abriu um rombo fiscal inédito desde 1997, falsificando as contas, de resto.
Gobetti e Orair observam que seus dados ainda podem ser criticados. Mas conviria que o governo criasse um grupo de alto nível para revisar oficialmente números e métodos.
Não se trata de firula estatística ou interesse acadêmico. Um motivo da criação de repúblicas foi a tentativa de controlar o que se faz dos impostos. Nossa República é também nisso mambembe e fraudada.
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