31/05/2017 02h00
hélio schwartsman
Conspiração contra o público
Ricardo Borges/Folhapress | ||
Sede da CBF, no Rio de Janeiro |
SÃO PAULO - "Pessoas do mesmo ofício raramente se encontram,
mesmo que em alegria ou diversão, mas, se tiver lugar, a conversa acaba
na conspiração contra o público, ou em qualquer artifício para fazer
subir os preços." A frase, de Adam Smith, captura algo essencial sobre a
natureza humana: tendemos ao corporativismo.
E os traços dessa contínua conspiração contra o público aparecem onde menos se espera. Foi com surpresa que li na Folha de terça-feira que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) criou uma norma, a vigorar a partir de 2019, que obrigará todos os técnicos de futebol a passarem por um curso oferecido pela... CBF.
Tal regra, que não tem força de lei, mas tende a ser seguida pelos
clubes, é mais bem descrita como uma mistura de advocacia em causa
própria com venda casada. O curso nível C, que autoriza o egresso a
atuar como técnico em escolinhas de futebol, sai por R$ 5.267,00; o A,
que licencia para trabalhar em clubes profissionais, fica em mais
salgados R$ 9.926,00.
O problema com essa norma é que ela contraria o princípio da liberdade
profissional, consagrado no inciso XIII do art. 5º da Constituição: "É
livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas
as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Nesse caso
específico, parecem sábias as palavras da Carta.
A liberdade como regra
geral tende a dar mais opções de vida aos cidadãos e produzir melhores
soluções econômicas. É só em algumas poucas situações, normalmente de
atividades que requeiram um saber técnico muito preciso cujo
desconhecimento coloque a população em perigo físico, que se justifica a
regulamentação. Mas estamos aqui falando de casos bem específicos, como
medicina, engenharia e talvez direito.
O futebol não reúne nenhuma dessas características. Ele é só um jogo, o
que o torna terreno propício para todo tipo de experimentação,
desregulamentação e iconoclastia.
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