sexta-feira, 12 de maio de 2017


12/05/2017  02h00   
reinaldo azevedo 
   
Moro esmagou o devido processo legal na condução do depoimento de Lula
 
Assisti ao depoimento que Lula prestou a Sergio Moro na quarta (10). Ao contrário do que dizem os, serei contido, "apressados", o que se deu em Curitiba não é nem pode ser um exemplo a ser seguido. A menos que se venha a fazer a escolha pelo terror jurídico. 

Penso que o PT é o grande arquiteto de um assalto à legalidade, aos cofres e ao Estado de Direito. E estou convicto de que Lula chefiava tal máquina. De 2000 (antes ainda da chegada do partido ao poder) até agora, escrevi milhares de textos a respeito. 

Tal convicção, no entanto, não me impede de constatar -ao contrário: ela me obriga!- que o antigo Babalorixá está mesmo sendo julgado por um tribunal de exceção de Banânia. Sergio Moro esmagou o devido processo legal com um desassombro inédito em tempos democráticos. E, para a melancolia dos tontos, não sou um daqueles vagabundos que recebem pensão ou apoio moral do petismo ou do antipetismo
 para babar seus rancores. 

A maioria das perguntas que o juiz fez a Lula não guardava, a não ser por sua visão solipsista (bastante subjetiva...) do direito e das leis, nenhuma relação com o objeto do processo, a saber: o recebimento de propina oriunda de três contratos da OAS com a Petrobras. 

Segundo o MPF, uma parte do capilé foi paga por meio do tal tríplex de Guarujá; a outra, pelo transporte e armazenamento do acervo pessoal do ex-presidente. 

O juiz resolveu fazer a versão oral do PowerPoint de Deltan Dallagnol. Todo o esforço consistiu em arrancar contradições de Lula que revelassem o chefe de uma organização criminosa. Faz sentido? Faz. Mas essa é a matéria investigada no inquérito-mãe do petrolão, que está no Supremo e envolve 66 pessoas. 

Onde está o busílis? O MPF não conseguiu produzir a prova de que Lula é o dono oculto do apartamento. Documentos de fé pública atestam que ele pertence à OAS. Carlos Fernando, um dos procuradores-estrela, lamentou nesta sexta que Lula não tenha produzido provas contra si... E disse que o MPF fará novas diligências. 

Moro não economizou nos solipsismos. Ah, visitem o "Dicionário de Hermenêutica", de Lenio Luiz Streck. Com digressões oriundas do alemão, aprendemos que o "solepsista" é um "viciado em si mesmo". 

Lula foi indagado até sobre declarações contraditórias que deu ao longo dos tempos sobre o... mensalão!!! Sim, o mensalão, aquela matéria já liquidada pelo STF, com condenações que chegam a 40 anos. E sem prisões preventivas abusivas. 

Moro foi além e resolveu dar bronca no réu por este ter processado um delegado, um procurador e, ora vejam, um juiz: ele próprio! Quis saber se não se tratava de atos de intimidação. Hein? 

Um dos direitos básicos nas democracias é apresentar petições ao poder público. De resto, a exemplo do que acontece com o crime de abuso de autoridade, sempre serão membros do Ministério Público e do Judiciário a decidir, não é mesmo? 

É evidente que Moro já condenou Lula, como evidenciaram algumas perguntas que ele repetia com indignação contida. Nesta quarta, ele antecipou o percurso, digamos, intelectual que vai seguir. 

A síntese é esta: o MPF não conseguiu, de fato, a prova material de que o réu é dono do apartamento. Nada avançou nessa área desde aquele PowerPoint de 14 de setembro do ano passado. Então, vai-se ancorar a condenação no fato de que Lula, como presidente da República, respondia pela nomeação dos diretores da Petrobras que praticaram os atos criminosos. 

E agora uma nota sobre o procurador Roberson Pozzobon, o segundo mais espevitado, depois de Dallagnol, entre os "new kids on the block" do direito achado no alarido. O próprio Moro tomou o cuidado de tratar Lula por "sr. ex-presidente". O rapaz, sei lá, deve ter achado que era formalidade indevida a um criminoso e escolheu "sr. Luiz Inácio". O juiz ficou impassível. Só lhe recomendou mais solenidade depois que a defesa reagiu. 

O ex-presidente tratou por "doutor" e "senhor" o juiz e os membros do MPF. Na única vez, lapso claro, em que deixou escapar um "você" ao responder a Pozzobon, foi de pronto repreendido por Moro: nada
 de "você"! Tem de ser "senhor". 

O que esse processo tem a nos ensinar? Infelizmente, nada. Digamos que Lula venha a ser condenado nesse caso. Pode até ser justo moralmente, mas os motivos estarão, dado o que se tem até agora, errados. 

E isso, em vez de fortalecer a Justiça, só concorre para degradá-la. E os protagonistas dessa corrosão são os "viciados em si mesmos". 

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