quarta-feira, 27 de junho de 2012



27 de junho de 2012 | N° 17113
JOSÉ PEDRO GOULART

Lixo reciclado

Quando o publicitário Don Draper, protagonista da série Mad Man, reclamou, pedindo ao menos reconhecimento por ter apresentado uma campanha brilhante – apesar de um pouco fora daquilo que havia sido pedido –, ouviu do cliente, nada menos do que Conrad Hilton, proprietário da famosa cadeia de hotel: “O que você queria? Amor?”. E o bisavô da Paris ainda finalizou com essa: “Quando eu peço a lua, eu quero a lua”.

Os que reclamam da foto do Lula com Maluf, muitos dos que também imaginavam o PT “no poder, sem concessões”, talvez tenham esquecido que “não há poder sem concessões”. E o PT está no poder e lá espera ficar. Depois de anos disputando o campeonato profissional como se fosse amador, o partido passou a jogar pelo resultado. Deixou a ilusão para trás, abriu mão do drible desnecessário ou do pudor excessivo que o impedia de dar chutão. Poder e amor são opostos.

Em 2005, calçado já naquela hora por alianças duvidosas que finalmente o levaram à presidência, Lula saiu do episódio mensalão apenas moderadamente chamuscado, embora tenha tido que oferecer a carne de alguns parceiros próximos em sacrifício (o que você queria?). Alianças são costuradas com alguma humildade e muito estômago. É o que garante proteção. O povo é instável feito espumas ao vento, como bem descobriu o isolado Collor na hora da pomada.

A queimação do filme do ex-barbudo Lula engolindo o velho sapo Maluf deixou rastros de considerações, respingos de indignações. Opa, o Maluf já é demais! Mas essa não é uma aliança par e par. Maluf tem a mesma função do lixo reciclado.

Uma garrafa pet jogada fora. Uma vez reaproveitada, ela não volta a ser garrafa, apenas material derretido misturado com outras sobras. Maluf não tem opinião, não decide, não influencia, não manda. Só sai na foto, uma chance de provar pros netos que não é, ou não foi, tão inútil. Lula sabe disso, todo mundo sabe. Fecha-se um olho, abrem-se muitas possibilidades. Afinal, quando se quer a lua, se quer a lua.

Lembremos apenas da face escura do nosso satélite. Recentemente e justificadamente, o governo brasileiro resolveu reabrir inquéritos sobre torturas e mortes durante a governo militar. A presidente Dilma inclusive foi vítima de hediondos episódios.

Talvez a aridez do solo lunar possa estimular uma reflexão sobre quais os limites do pragmatismo e de que forma vale como exemplo esse beijo em mãos cujas unhas ainda estão entranhadas com o cheiro do sangue de antigos companheiros.


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