sábado, 23 de junho de 2012



23 de junho de 2012 | N° 17109
NILSON SOUZA

Metamorfose

Não sei se, com a vulgarização das imagens pela tecnologia dos celulares, uma foto ainda vale por mil palavras, mas a foto de Lula com Maluf gerou mil interpretações – e nenhuma positiva para o ex-presidente. Na minha, que nem é original, foi mesmo deprimente vê-lo posar para a posteridade com o inimigo histórico em troca de alguns minutos na televisão para seu afilhado político na campanha de São Paulo.

Se fosse um encontro casual, tudo bem. Lula é um homem educado e cordial, não haveria mal algum que apertasse a mão do antigo desafeto. Maluf é complicado, mas não deve ser contagioso. Ainda que esteja em dívida com a Justiça e na mira da polícia internacional, tem um mandato que recebeu de seus eleitores. Ou seja: tem gente que gosta dele.

Não deve ser o caso de Lula, que anda mesmo fazendo umas coisas meio esquisitas depois do longo tratamento médico. Nem parece mais aquele político atilado e inteligente, que tomava decisões surpreendentes e encantava o público com sua oratória, compensando os atropelos à gramática com espirituosidade.

Eu mesmo tenho uma foto com o Lula daqueles tempos, barbudo e simpático. Caí na armadilha de fazer uma brincadeira com ele, no momento em que recebia uma encadernação com os artigos que assinou neste jornal. Na condição de editor da página, eu estava presente no ato e fiz uma referência ao episódio em que seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, renegara algumas coisas que havia escrito.

– O senhor não vai pedir que esqueçam o que escreveu? – comentei.

Ele me fuzilou com o olhar e disse:

– Espera um pouco que já vou falar contigo!

Passada a pequena cerimônia, voltou-se para mim e lascou:

– Acho que um homem pode mudar de opinião, não vejo problema algum nisso. Se eu mudar de ideia em relação ao que escrevi, vou adotar outra posição.

O momento do diálogo ficou registrado numa foto, felizmente sem as legendas que acrescento agora. Pelo jeito, Lula continua coerente com sua condição de “metamorfose ambulante”, que assumiu publicamente, plagiando Raul Seixas, para dizer que não tem vergonha de mudar de posição. É bonito isso.

A foto com Maluf seria mais palatável se fizesse parte deste contexto. Mas não: era apenas mais uma deplorável barganha política. Pensando bem, esqueçam o que escrevi acima sobre a coerência de Lula.

Nenhum comentário: